Crianças institucionalizadas: «O desconhecimento é uma barreira muito grande para o funcionamento do sistema e do desenvolvimento das respostas» – Presidente da «Candeia»

Portugal é o país, entre 42 da Europa e Ásia Central, onde há mais crianças em acolhimento residencial, revela relatório do Unicef

Lisboa, 18 jan 2024 – O presidente da direção da ‘Candeia – Associação para a animação de crianças e jovens’ considera que existe “um grande desconhecimento” face às alternativas e soluções que se colocam à institucionalização das crianças e jovens, uma realidade com grande expressão em Portugal.

De acordo com um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado esta quinta-feira, Portugal é o país, entre 42 da Europa e da Ásia Central, onde há mais crianças em acolhimento residencial, isto é, em instituições.

“Caminhos para uma melhor proteção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e Ásia Central” é o nome do relatório que conclui que 95% das crianças acolhidas em Portugal, no âmbito do Sistema de Promoção e Proteção, estão em acolhimento residencial.

“O desconhecimento é uma barreira muito grande para o funcionamento do sistema e do desenvolvimento das respostas que serviriam melhor às crianças e jovens”, defende Miguel Simões Correia, que reconhece que “as pessoas não agem, não se envolvem, porque não conhecem a realidade”.

O presidente da direção da ‘Candeia’ aponta a “adoção” e o “apadrinhamento civil” como formas de sair do acolhimento residencial, sendo esta última uma medida que as pessoas “não sabem” que existe, não tem “qualquer tipo de apoios” e, consequentemente, muitos acabam por não seguir por essa via.

O apadrinhamento civil consiste numa relação jurídica do tipo familiar que se constitui entre uma criança e jovem com menos de 18 anos e uma pessoa familiar ou família, a quem são atribuídas as responsabilidades parentais, e entre quem se estabelecem vínculos afetivos.

Os pais mantêm o direito de visitar e manter o relacionamento com a criança ou jovem e acompanhá-lo durante o desenvolvimento.

Qualquer criança ou jovem com menos de 18 anos pode ser apadrinhada, desde que não possa ser adotada.

“A adoção também acaba por ser muito lenta, os processos de adoção são muito morosos, mas isso é uma questão ligada ao funcionamento da justiça em Portugal, não é exclusivo às adoções. No fundo, nós temos um bocado esta cultura que permite, que aceita, que convive, na ignorância ou não, com uma população em acolhimento residencial muito expressiva e muito mais expressiva do que noutros países”, destaca.

Miguel Simões Correia fala do projeto “Amigos p’ra Vida”, ligado à Instituição Particular de Solidariedade Social, que “procura estabelecer relações entre voluntários” e crianças e jovens que são sinalizados pelas casas de acolhimento.

“Sendo a relação positiva para a criança, em situações em que obviamente a família biológica não se encontra na possibilidade de voltar a receber a sua criança, nós defendemos muito que seja aplicada uma medida de apadrinhamento civil, e temos vários casos de sucesso”, explica.

“Mas depois sentimos que às vezes estamos um bocadinho a remar contra a maré, porque há muita gente que desconhece a medida, ou os juízes que ainda não confiam o suficiente por não terem visto os casos suficientes, mas a única forma de ver casos suficientes de sucesso é de facto aplicar a medida”, acrescenta.

O presidente da ‘Candeia’ salienta ainda a presença de Centros de Apoio à Família em Portugal, “que só trabalham de forma praticamente reativa e nunca preventiva”, “têm uma legislação rígida” e “poucos meios”.

“É muito difícil trabalhar a parentalidade numa vertente preventiva para evitar o acolhimento. E, portanto, nós vemos que a nível também de proveniência social, muitas vezes as crianças e jovens que são acolhidos vêm dos mesmos meios, que são os meios em que as pessoas têm menos fatores de resiliência, e, portanto, não conseguem ter redes, não conseguem trabalhar essas redes, e, portanto, o exercício da parentalidade é mais deficitário”, denuncia.

Sobre as crianças com deficiência, o relatório do Unicef informa que apresentam uma “maior probabilidade de serem colocadas em unidades de acolhimento residencial em comparação com crianças sem deficiência”.

Em Portugal, 14% das crianças institucionalizadas têm uma deficiência física ou mental, segundo os dados do relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens) 2022.

“É mais difícil, no meio de uma instituição, uma casa de acolhimento, que acolhe muitos miúdos, muitos deles com problemas de comportamento, muitos deles que precisam de muita atenção, é difícil trabalhar a autonomia e capacitar as crianças com deficiência e dar uma resposta que seja adequada”, adverte Miguel Simões Correia.

Esta sexta-feira decorre o congresso “Acolhimento em Portugal”, na Universidade Católica Portuguesa, com o objetivo de ouvir e juntar os vários intervenientes do sistema de acolhimento para encontrar soluções para o problema em Portugal.

“Nós criámos este congresso por sentirmos que era importante debater certos temas com os quais nos deparámos na nossa intervenção, no fundo, e, portanto, das famílias que acompanhamos, as crianças que nos estão sinalizadas. Acabámos por nos deparar com cinco temas, que são os temas dos cinco painéis”.

Miguel Simões Correia vai moderar um deles, relativo à definição do projeto de vida.

A adesão ao projeto não podia ser melhor, o número de inscrições já atingiu o limite do anfiteatro, no enanto o evento vai ser transmitido online, via zoom.

Solidariedade: Crianças em situação de fragilidade estão no coração da Associação «Candeia» (c/vídeo)

LJ

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Agência ECCLESIA

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