Covid-19: Um debate na Igreja sobre o risco de «voltar exatamente ao mesmo» ou «pensar que nada vai ser como antes» (c/vídeo)

«Zaragatoa, Uma Igreja para além da pandemia» motivou o diálogo no Seminário Maior de Coimbra entre o reitor, padre Nuno Santos, e o jesuíta Nuno Branco, diretor do Centro Universitário Manuel da Nóbrega

Coimbra, 11 mai 2020 (Ecclesia) – O padre Nuno Santos, reitor do Seminário Maior de Coimbra, advertiu este domingo para o risco de a Igreja ter pressa em encher as eucaristias e falou no erro de “converter o número de visualizações em fiéis”.

“O risco é a Igreja pensar que vai voltar exatamente ao mesmo, outra é pensar que nada vai ser como antes. Há um limite. Há uma grande parte da Igreja a refletir, teólogos italianos, por exemplo, e as comunidades cristãs devem pensar mais este tempo e não correr a pensar se são 10, 20 ou 30 que podemos meter dentro da igreja”, indica o padre diocesano num debate que contou com o jesuíta Nuno Branco, diretor do Centro Universitário Manuel da Nóbrega, em torno do tema «Zaragatoa, Uma Igreja para além da pandemia».

Para o jesuíta, a comunidade cristã define-se por quatro pilares: o sentido comunitário, o serviço, o testemunho e a liturgia.

Foto Arlindo Homem/AE

“Neste tempo, com o isolamento, foi-nos subtraído tudo isto. No entanto, à imagem do próprio Cristo, na Semana Santa que celebramos há pouco de forma inédita e invulgar, também ele se vou privado de tudo. Como é que ele viveu a sua Paixão? Com o preço que ela teve, para quem esteve em casa e confinado, foi uma experiência de Paixão, mas não me vi privado da graça de Deus. E o Espírito continua a circular de forma invulgar e inédita: podem tirar-nos o pão e o vinho, corpo e o sangue, cálice e a patena, o altar, podem tirar a cruz do espaço público, mas do amor de Deus não nos separam”, afirmou.

O padre Nuno Branco acredita que este tempo vai “purificar a fé das pessoas”.

“Todos precisamos de caminhos de purificação. É preciso ir ao sepulcro e ele estar vazio. Quem não encontra o sepulcro vazio não reconhece depois o ressuscitado. A tentação imediata é encher o vazio. Somos obrigados não a uma reflexão intelectual mas a tomar consciência do que é que isto representa para nós. Numa experiência de vazio posso distrair-me com o entretenimento, mas é importante habitar o vazio e o silêncio para perceber como a presença de Deus se move neste tempo”, indicou.

Com a possibilidade das celebrações via Internet o padre Nuno Santos assinalou um “aumento de buscadores, de pessoas que sentiram «que surpresa podermos sentarmo-nos à mesa»”, mas advertiu para o perigo de “passar do número de visualizações para o número de pessoas numa igreja”, indo atrás do “sucesso” e perdendo o sentido da “ligação”.

O responsável elogiou a decisão “correta, coerente e responsável”, sobre a peregrinação a Fátima, no 12 e 13 de maio, falando num “sentido de missão da Conferência Episcopal Portuguesa” e da “superação de tensões de pensamento para falar a uma só voz” e socorreu-se da imagem do Papa Francisco, sozinho, na Praça de São Pedro, durante a bênção urbi et orbi, no dia 27 de março, para pensar que ter uma multidão num recinto “não é tudo”.

“O 13 de maio vai mostrar que não vale tudo, nem vale a pena correr depressa se não nos deixarmos encher do Espírito Santo. O nosso foco não pode estar aqui e o 13 de maio não pode ser a multidão mas a ligação”, sublinhou.

O padre Nuno Branco afirmou a necessidade de uma “Igreja com sede” e de “perguntas”.

Foto Arlindo Homem/AE, Igreja do Parque das Nações, em Lisboa

“Desejo uma Igreja que tenha sede. A Igreja do futuro será uma Igreja de caminho, não resolvida, acabada, não se basta a si própria, precisa de procurar sempre a fonte. Uma Igreja que não vive de respostas, embora sejam necessárias, mas que procura a pergunta. Que seja uma igreja purificada”, apontou.

O reitor do Seminário de Coimbra apontou dois desafios para a Igreja: o reforço da «Igreja doméstica» que este tempo permitiu ao “conferir um equilíbrio entre o altar e a casa das pessoas” e a forma como as comunidades vão “lidar com o luto e os idosos”.

“Tivemos o maior choque de não nos podermos despedir dos doentes, que não tiveram visitas, que viam pessoas no hospital como extraterrestres que apareciam com fatos, tudo pareceu uma ficção. O luto, como não foi feito. Há uns tempos antes da pandemia estávamos a falar da eutanásia, hoje estamos a falar da vida. Há tensões e a certa altura estamos do lado melhor, queríamos que todos ficassem vivos”, afirmou.

O debate entre os padres Nuno Santos e Nuno Branco decorreu no Seminário Maior de Coimbra, moderado pelo diretor adjunto do Diário de Coimbra João Campos, foi transmitido em direto nas redes sociais.

LS/PR

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Agência ECCLESIA

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