Covid-19: «Os afetos não se cuidam à distância», diz diretor do Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios

Pedro Raúl Cardoso defende reflexão sobre o «modo de cuidar» dos mais velhos, na sociedade portuguesa

Foto: Renascença/Miguel Rato

Lisboa, 11 abr 2021 (Ecclesia) – O diretor do Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, em Lisboa, defendeu uma reflexão sobre o “modo de cuidar” dos mais velhos, na sociedade portuguesa, após a pandemia, destacando o impacto do confinamento nestas populações.

“Os afetos não se cuidam à distância, às vezes basta um toque, basta um olhar para sanarmos a solidão. Esse foi o principal desafio”, referiu Pedro Raúl Cardoso, convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, publicada e emitida ao domingo.

Na semana em que muitos Centros de Dia começaram a reabrir, no âmbito da nova fase de desconfinamento, o responsável evoca as imagens de corredores vazios e dos diálogos dificultados pelos equipamentos de proteção individual, que escondiam rostos e expressões.

“O que estamos neste momento a sentir – passo a expressão – é que estamos a apanhar os cacos disto”, alerta.

Após dois confinamentos em menos de dois anos, Pedro Raúl Cardoso identifica efeitos negativos das perdas de rotina, nos mais velhos.

“Estão a chegar pessoas ao nosso Centro de Noite que em março (2020) tinham uma rotina, eram perfeitamente autónomas do ponto de vista funcional, e neste momento a sua funcionalidade é muito reduzida, estão votadas a uma cadeira de rodas. Tenho uma situação de uma pessoa que deixou de comer, de ter hábitos de comida, e vai definhando diariamente, o que é um risco enorme”, relata.

O Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios foi o primeiro a garantir um serviço de apoio domiciliário 24 horas por dia e uma linha de atendimento SOS; dinamizou as ‘Repúblicas Séniores’ (apartamentos partilhados) e criou um ‘Centro de Noite’, para que os cuidadores descansem.

“Neste momento temos famílias em perfeita exaustão porque estão há um ano fechadas com pessoas com demência, estão em teletrabalho, umas têm de cuidar dos filhos e dos pais, outras só dos pais”, adverte o diretor da instituição, com cerca de 200 utentes.

O entrevistado insiste na necessidade da “relação, do acesso à comunidade”, para oferecer às pessoas “a pertença de um espaço” e não apenas “uma sopa ou a higiene”.

Pedro Raúl Diz que a pandemia “destapou fragilidades”, provando que a respostas de acolhimento têm de ser cada vez mais “multidisciplinares”.

“Não podemos achar que só estamos a trabalhar a área social quando, no fundo, o setor social e solidário trata muito, também, a questão da saúde das pessoas”, precisa.

“De que forma é que queremos cuidar dos nossos mais velhos em Portugal, que modelo queremos, nesse cuidar?”, questiona ainda.

As pessoas têm de ser cuidadas e não é só com um prato de sopa ou só mudando uma fralda, há muito mais do que isso”.

O responsável sublinha que, no futuro, é necessário dar às pessoas a oportunidade de escolher se querem ser cuidadas em casa ou em meio institucional, revendo todo o modelo do setor.

“Podemos efetivamente rever o que queremos comparticipar: só para que as pessoas tenham acesso a uma higiene diária e uma refeição? Parece-me um modelo muito precário do cuidar, se queremos que as pessoas sejam cuidadas em todas as suas dimensões”, indica.

Durante a pandemia, observa Pedro Raúl Cardoso, as IPSS foram o “garante do Estado Social” e preveniram muitos internamentos.

“Há um ganho que eu acho que tem de ser objetivado, que é a forma como todos os colaboradores corresponderam, com muito sacrifício pessoal e com muita abnegação, com um sentido enorme daquilo que é o cuidar do outro”, acrescenta.

O entrevistado pede, por isso, que se reveja o modelo de financiamento, para que este setor seja “apelativo” para os profissionais.

Octávio Carmo (Ecclesia) e Ângela Roque (Renascença)

«As pessoas têm de ser cuidadas e não é só com um prato de sopa» – Pedro Raúl Cardoso

 

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