Covid-19: «Deixe lá menina, quando for possível abraçamo-nos» – Testemunho voluntário da Comunidade Vida e Paz (c/vídeo)

Sandra Santos colabora há 10 anos com IPSS e saiu para habitual ronda com luvas, máscara e muito álcool gel

Lisboa, 24 mar 2020 (Ecclesia) – Sandra Santos, voluntária da Comunidade Vida e Paz (CVP), saiu à rua na noite desta terça-feira, encontando mais pessoas com fome e mais solidariedade, mas lamentou a falta de afeto com as pessoas em situação de sem-abrigo.

“Custou um pouco porque há pessoas que precisam de um abraço; normalmente, com as pessoas que já conheço, sento-me com elas, nas suas camas ou ficamos mais perto a conversar. Damos a mão. Ontem não foi possível”, refere à Agência ECCLESIA a professora de 1.º ciclo, que há 10 anos é voluntária na CVP.

“«Deixe lá menina, sente-se assim ao meu lado, e damos um abraço virtual; quando for possível, abraçamo-nos» foi o que me disse um senhor, percebendo os cuidados necessários”, relata.

Máscaras, luvas, álcool-gel, ceias em sacos de plástico ou papel fechados, são o meio que permite os voluntários continuarem a sair a cada noite para mitigar a fome das pessoas em situação de sem-abrigo, que afirmam já sentir.

A volta de Sandra Santos compreende a zona ribeirinha da cidade de Lisboa, desde o Parque das Nações até ao Cais do Sodré, e habitualmente são distribuídas, entre as 20h30 e as 02h00 da manhã, cerca de 110 ceias – ontem distribuíram mais de 200.

“A ronda demorou mais. Ontem demos refeição, com sopa e prato, normalmente é uma sandes, iogurte ou leite. Ontem a ceia foi mais reforçada, com água e chocolates”, explica.

A CVP dobrou o número de refeições a distribuir às pessoas em situação de sem-abrigo e necessita, por isso, de doações para que a comida não falte e para continuar a alimentar as pessoas que residem nos centros terapêuticos.

“Há pessoas que estão a doar alimentos na sede e outras fazem transferências bancárias, que a direção vai gerindo. Mas por muito que a doações sejam feitas é sempre preciso alimentos. Agora estamos com o dobro das refeições, quando normalmente saíam cerca de 400”, explica Sandra Santos.

As instituições NoorFátima e CASA – Centro de Apoio ao Sem Abrigo, estão a confeccionar refeições quentes que são posteriormente distribuídas pelos voluntários da CVP.

Apesar do aumento do número de pessoas, Sandra Santos dá conta de ordem na distribuição.

As pessoas foram percebendo que levávamos comida para todos e por isso respeitavam a distância de segurança e mantinham a calma. Muitos estavam protegidos com máscara ou com algo a tapar a boca. Todos foram respeitando muito o que pedíamos”.

Dos relatos da noite ficaram o receio da fome, “porque os cafés e restaurantes estão fechados” e o medo do contágio nos abrigos: “As pessoas dizem que preferem ficar na rua do que no pavilhão”.

Sandra Santos afirma nunca ter pensado não sair na ronda habitual.

“Continuei a ir trabalhar de transportes públicos e isso custava-me mais”, garante, explicando que ao ouvir relatos de pedidos para que não deixassem as pessoas em situação de sem-abrigo sozinhas, reforçou ainda mais a vontade de sair.

Em ruas desertas, onde apenas os carros de polícia circulam, “onde a nossa voz fazia eco no Terreiro do Paço”, as equipas da CVP têm instruções para sair, mas incompletas.

“A minha equipa são nove pessoas e alguns não podem sair, têm limitações porque têm mais de 60 anos; temos duas pessoas que foram mães há pouco tempo. Há a indicação para as equipas se revezarem, ou seja, para sermos entre três a quatro pessoas, por uma questão de distância de segurança dentro da carrinha e porque ela vai mais cheia com ceias”, explica.

Sandra Santos nota uma “rede de solidariedade” porque se há muitos voluntários que não podem sair à rua, há muitos outros que se oferecem para ir à rua ou ajudar a preparar ceias: “A rede de solidariedade é o ponto positivo desta situação”.

Quando chegou a casa “às 3 da madrugada”, tinha a sua família à espera.

“A minha mãe integra a minha ronda e porque tem mais de 60 anos, não pôde ir. Mas estava à minha espera para saber como tinha corrido. Fui-me esquecendo, durante a noite, do Covid-19 e estivemos com as pessoas; isso foi o mais importante”, afirma.

LS

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Agência ECCLESIA

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