A nova direção da Cáritas Diocesana dos Açores tomou posse a 11 de fevereiro. Anabela Borba foi reconduzida na presidência e é a convidada desta semana da Renascença e da Agência Ecclesia
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
De acordo com o INE em 2019, a Região dos Açores era no contexto nacional a que apresentava maior risco de pobreza e exclusão social. Em 2018, o risco de pobreza a nível nacional estava nos 17,2 %. Nos Açores era de 31,8%. A pandemia fez disparar estes indicadores?
Nós não sentimos isso, até ao momento. Estes indicadores têm-se mantido relativamente estáveis, pese embora todos os esforços que se têm feito na tentativa de combater a pobreza e a exclusão social, o Governo tem oferecido vários apoios, no âmbito da pandemia, e aqui a situação não é tão grave, a nosso ver, como aquela que se tem vivido no continente. O desemprego ainda não aumento de uma forma drástica, aqui nos Açores, mas sabemos que este vai ser o ano de todas as dificuldades.
De entre o conjunto do Arquipélago qual ou quais ilhas apresentam maior risco, maiores problemas, face à pandemia?
São, sem dúvida nenhuma, São Miguel e Terceira. Porque, de facto, também é aqui que a pandemia tem tido um impacto mais forte; por outro lado, já eram as ilhas que tinham um setor turístico mais desenvolvido, nomeadamente São Miguel.
Depois, felizmente, há outras ilhas, como o Pico, que têm um turismo muito sazonal, também as Flores. O ano que passou não registou grande diminuição do turismo nestas ilhas, porque houve também muita procura interna, dos açorianos, e existiu um programa de apoio à deslocação e às férias no arquipélago. Essas medidas têm sempre efeito, nomeadamente em economias pequenas, como são é a nossa.
Na última campanha eleitoral o discurso esteve centrado em prioridades como a educação, a saúde, o combate à pobreza, o despovoamento…
São realidades muito fortes. Na Cáritas temos trabalho muito em volta deste desafio da educação, para todos e o mais inclusiva possível, é uma prioridade. Tem de ser uma prioridade para qualquer Governo da nossa região. Sem uma população com níveis de educação diferentes daqueles que temos atualmente, não poderá haver um desenvolvimento social como é ambicionado por todos.
A questão demográfica é, ela própria, um outro problema que também se interliga muito com a da educação. Sobretudo nas ilhas mais pequenas assiste-se, de facto, a um envelhecimento gradual da população, que é significativo e vai ter efeitos marcantes no futuro.
A saúde é um problema em todo o país e não podia deixar de ser diferente na região. Aliás, só poderia não ser melhor, devido às questões da insularidade e a todos os problemas que daí decorrem.
Os desafios são muito grandes nos Açores, mas eu penso que não pode haver combate à pobreza e à exclusão sem economia forte. Esse, de facto, tem sido um dos problemas da região: é o problema de não termos uma economia forte. A questão agrícola, infelizmente, como todos sabemos, tem vindo a diminuir de peso significativamente, há cada vez menos procura de alimentos como o leite e a carne, devido a novas formas de consumo e às metas ambientais. Não tendo a agricultura o peso que tinha no passado, nem se perspetivando que ela volte a ter um peso muito significativo na economia, se não houver outras formas, isso será um problema para a região.
E no contexto atual, quais as principais necessidades da população, há a preocupação particular com as pessoas em situação de sem abrigo, provavelmente?
A preocupação particular dos sem-abrigo põe-se sobretudo na ilha maior, que é a Ilha de São Miguel, onde este problema é bastante mais agudo do que nas restantes ilhas. Felizmente, nas outras ilhas a situação não é tão premente como é em São Miguel. Aí a nossa preocupação é, de facto, maior e a Cáritas tem valências e ações a este nível. Trabalhamos com pessoas que não têm abrigo.
Estão identificadas no arquipélago as principais necessidades da população nesta altura?
Há um diagnóstico que foi feito há três anos, se não me falha a memória, no âmbito da pobreza e da exclusão social, e depois foi feito um programa de combate à pobreza e à exclusão social. O diagnóstico é bastante extenso, bem feito e, neste momento, já se estava a trabalhar neste plano. Com certeza, o novo Governo Regional irá dar continuidade às questões e revisitar esse programa, continuando a responder às questões sociais da melhor forma possível.
Volto a dizer, sem uma educação forte e sem um desenvolvimento do tecido económico e social, as respostas serão sempre limitadas e terão sempre um efeito bastante assistencial e não tanto do desenvolvimento que todos ambicionamos.
Desse ponto de vista, como é que a Cáritas vai procurando responder às solicitações?
A Cáritas tem tido a sorte de ir procurando ler a realidade do contexto em que se situa e procurando responder àquelas que são as questões sociais mais emergentes. Já dei dois exemplos, no caso de São Miguel e da Terceira, em que focalizamos a nossa ação muito em resposta àqueles que têm sido os maiores desafios que a sociedade nos tem colocado.
Na Terceira tem sido a questão da educação, e sobretudo a educação dos jovens, mas também já trabalhamos a educação de adultos e em formação de adultos; e em São Miguel tem sido sobretudo na questão dos sem-abrigo.
São as ilhas onde a Cáritas tem uma dimensão maior. Naturalmente, também existem problemas de educação São Miguel, também existem problemas de sem-abrigo aqui na Terceira, mas, de facto, a Cáritas foi tentando responder aos desafios que a sociedade lhe tem colocado.
Nesta altura, quantas pessoas e famílias estão a ajudar?
Não tenho ainda dados de todas as ilhas, mas os números não têm subido nos últimos anos, têm até descido. Quando nos referimos a ajudas, normalmente, estamos a referir-nos a cabazes alimentares ou ajudas em vestuário, medicamentos. Só nisto, podemos falar numas mil e poucas famílias, a nível dos açores.
Se falarmos de todo o trabalho que desenvolvemos e, não tem a ver com a ajuda imediata, aí o número é bastante superior.
Voltando aos efeitos da pandemia, no continente tem tido particular impacto a questão das cercas sanitárias, sobretudo em Rabo de Peixe. Estamos a falar de uma localidade que normalmente é notícia pelos elevados índices de pobreza, um dos maiores de todo o país. Quão preocupante é esta situação para si, como é que olha para ela?
Têm sido feitos muitos esforços, quer a nível da Câmara Municipal de Ribeira Grande, quer a nível da Junta da Freguesia, e em articulação com a Cáritas e com outras instituições sociais, no sentido de procurar dar apoio às famílias que se encontram em maiores dificuldades na Vila de Rabo de Peixe e também nos outros locais onde houve cerca sanitária. Em Rabo de Peixe, é naturalmente a situação um pouco mais preocupante.
O acordo de Governo prevê cortes nos apoios sociais, falou-se numa redução substancial do número de pessoas dependentes do RSI. É possível, no contexto atual, avançar com uma medida deste tipo?
A mim não me estranha muito esse discurso porque de facto, nós vínhamos assistindo há alguns anos a uma redução bastante significativa dos beneficiários desta prestação social do rendimento social de inserção por via da aplicação de outras medidas, nomeadamente de medidas de promoção do emprego, ou de promoção de empregabilidade. E de facto, muitas pessoas começaram a fazer estágios profissionais, ou a estarem em programas de emprego que lhes possibilitou a saída da prestação social do Rendimento Social de Inserção. Não me estranha. Acho que isto já vinha acontecendo. Pese embora que agora este discurso seja mais assumido em termos de linguagem, ele já estava subjacente à ação que se vinha a desenvolver na região.
Depois de 24 de governação socialista, os Açores têm um novo governo. Que expectativas tem relativamente a este executivo de direita?
A minha espectativa é que leve a região a um bom desempenho, nomeadamente promovendo a coesão entre o território, entre as ilhas. E que promova de facto a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, apostando em sectores como de facto a educação e eu volto a referir a questão de uma economia mais forte atraindo investimentos para a região. Porque sem economia e sem trabalho a região terá de ser sempre uma região pobre. Julgo que o nosso modelo de turismo, pese embora nalgumas ilhas, seja mais ou menos sustentável e possa trazer maior valor acrescentado, sobretudo em São Miguel, era um turismo de mais ou menos de massas e que não daria muito valor acrescentado para as populações locais. Ou por outra: dava valor, mas são valores baixos. Como sabe o turismo normalmente tem salários baixos e de facto não criava uma grande riqueza. Mas de qualquer forma era melhor haver turismo do que não haver. a minha espectativa é que o Governo trabalhe em prol do desenvolvimento social e económico dos Açores. E o que desejo é que tenha sucesso porque o sucesso deste governo ou de qualquer governo é o sucesso dos açorianos….
Saúde, educação, emprego, então são as principais prioridades do ponto de vista da Cáritas para o mandato do novo Governo?
Sem dúvida, sem dúvida…
O Governo dos Açores criou esta semana um programa de apoio aos custos operacionais das empresas regionais que registaram “significativas quebras de faturação” durante o ano de 2020. Teme que 2021 ainda seja um ano de grande dificuldade?
Temo. Temo, sem dúvidas. Primeiro existe a questão das cercas sanitárias. Depois as pessoas têm hoje mais consciência e mais medo e isso também retrai o consumo. Portanto, as empresas estão sem dúvida em dificuldades. E, portanto, sem uma ajuda bastante musculada do Governo regional, ou dos governos isto não seria possível muitas empresas sobreviverem e há classes que me preocupam sobremaneira. Estou a falar do sector da restauração, a questão dos táxis, a questão das empresas ligadas ao sector do turismo, à animação turista, e a quem vivia dependente destas ações. Mas também outras, como por exemplo as nossas festividades locais que atraiam muita gente e que também eram a fonte de rendimento de muitas famílias, nomeadamente as festas do Espírito Santo, as festas nas nossas diferentes comunidades que tinham marchas e desfiles e que atraiam muita gente, atraindo o consumo, quer de bens alimentares quer de vestuário, etc. Todas essas festividades não se realizando, pois também deixa de existir esse movimento e essa geração de riqueza…
Deixe-me colocar-lhe uma questão relacionada com o novo Governo dos Açores e a necessidade de interajuda e ligação às empresas e ao sector social. Este discurso alegadamente contra a subsidiodependência não pode colocar em causa algum do equilíbrio necessário que ainda agora nos reportou?
Uma coisa são os discursos depois vamos ver como vai ser a ação. Eu estou expectante e aguardando para ver. O tempo é ainda muito curto e estamos em tempos muito atípicos também para podermos neste momento fazer uma avaliação daquilo que têm sido as medidas entre o discurso e a prática. O discurso a mim não me choca, se de facto, tivermos medidas para que as pessoas não sejam subsídio-dependentes. Não me choca nada. Não me choca, se de facto, houver outras medidas. Aliás como já referi, já vinham acontecendo outras medidas de promoção do emprego, de promoção de competências pessoas e sociais nas pessoas que tinham baixos níveis educacionais, e, portanto, que não tinham altos níveis de empregabilidade, e isso já vinha a ser feito. Agora vamos esperar que isso se mantenha e até se reforce naturalmente, porque só pode. Havendo este discurso; a ação tem de ser sucedânea, naturalmente.
Existem cerca de 3900 imigrantes nos Açores, oriundos de 95 países diferentes. Como se acompanha esta realidade?
Nós na Cáritas temos relativamente pouca ligação à comunidade migrante porque existem felizmente associações muito boas de apoio aos migrantes. E também temos a sorte de a maior parte dos migrantes que estão connosco já estarem a maioria deles há muitos anos e bastante bem inseridos no meio. Salvo raríssimas exceções estes migrantes fazem hoje parte da nossa comunidade como qualquer açoriano ou açoriana. Portanto, não notamos que haja um problema ao nível das comunidades migrantes.
A mensagem do Papa para a quaresma insiste na necessidade de cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia, promovendo a integração dos mais pobres na sociedade. É uma inspiração particular para estes momentos que vivemos?
É uma inspiração particular sempre. E ainda agora, dirigindo-me aos técnicos da Cáritas da terceira os desafiei a estarem sempre muito atentos à realidade e ao sofrimento. Hoje, esta pandemia veio por a nu aquela que é a realidade dos idosos que estão sós, que estão em instituições sociais, e essas instituições com muitas dificuldades para cuidar. E esta é de facto uma faixa da população que sofre. O envelhecimento já é por si uma fase terrível da nossa vida – terrível no sentido da solidão, muitas vezes. E esta pandemia vem mostrar, de facto, como é que estas pessoas sofrem, e agora sofrem mais ainda porque têm de estar isoladas das suas famílias. E ainda há pouco pensava nisto: até que ponto não perdemos algumas oportunidades de trabalhar em termos sociais na questão da intergeracionalidade. Estou a lembrar-me, por exemplo, que a Cáritas da Terceira trabalha com crianças e trabalha com jovens, mas nunca trabalhou com idosos. Até que ponto não perdemos esta oportunidade de fazer aqui uma inclusão maior promovendo de facto uma interação saudável entre todas estas faixas etárias da nossa população.
Também foi significativo o facto do nosso bispo ter dado posse à Cáritas no dia da Nossa Senhora da Luz e no dia do Doente. Isto também tem uma carga e um sentido do cuidar. E foi também esse o objetivo do nosso bispo ao fazermos esta tomada de posse das direções da Cáritas da Terceira e da Cáritas Diocesana dos Açores neste dia.