Reitor do Seminário maior de Coimbra lamenta que a velocidade social condicione o agir e as relações humanas
Coimbra, 02 set 2020 (Ecclesia) – O padre Nuno Santos, reitor do Seminário maior de Coimbra, apontou a falta de “plantadores de naus a haver” na Igreja e na sociedade e indicou que os cristãos “devem ser plantadores de futuro”.
“A sociedade encurtou os tempos e nós vivemos nessa sociedade: o tempo da resposta, de construção (encurtou), passámos de construções que demoravam 50 anos para construções que demoram um ou dois anos; passámos de materiais que tinham uma extensão no tempo enorme, para cimentos e coisas rápidas que solidificam rapidamente. Na Igreja faltam plantadores de naus a haver, se vivemos numa sociedade que encurtou os tempos e não planeia, os cristãos tem de ser semeadores de futuro”, afirmou o responsável em entrevista à Agência ECCLESIA.
Numa alusão ao poema de Fernando Pessoa, «Mensagem», que se refe a «plantadores de naus a haver», o padre da diocese de Coimbra lamenta que os cristãos “queiram plantar para si”, uma vez que, considera, “tem maior responsabilidade”.
“Um semeador deve semear futuro, assim deve ser o cristão; não somos egoístas, pensamos no mundo a médio e longo prazo e herdamos um mundo, dado por Deus e pela sociedade, e somos responsáveis, isto aparece na encíclica «Laudato Si» de uma forma muito bonita, somos corresponsáveis pela obra da criação, por cuidar da casa comum, e somos responsáveis por deixar esse horizonte. Se queremos trazer a eternidade para o presente, precisamos de plantar árvores”, indica.
Nas Conversas originais desta quarta-feira, o padre Nuno Santos critica a “sociedade em geral, e a Igreja em particular”, que “com horizontes curtos” procuram semear hoje para colher amanhã.
“O problema da sociedade em geral, e da Igreja em particular, é ter horizontes muito curtos: queremos fazer hoje para recolher amanhã, a política está cheia disto e a sociedade está cheia disto. O que encontramos são políticos com horizonte muito curto mais interessados em objetivos pessoais, do que serviço a uma sociedade e um país. Os padres e bispos, em vez de meter sangue na vida concreta estão a fazer calculismos: se eu disser isto posso ter represálias”, lamenta.
O responsável critica a tirania dos “resultados rápidos” a que a sociedade está assente e indica o exemplo do Papa Francisco ao pedir uma “Igreja acidentada”.
“A maior parte da inutilidade da Igreja decorre da imagem de estatuto. Para quê, não percebo. Das coisas mais miseráveis na Igreja em Portugal é que anda tudo à procura de um lugar, para quê? Não percebo”, afirma.
O reitor do Seminário de Coimbra preconiza a beleza da relação capaz de dar continuidade à história, com confiança, sem adivinhar respostas.
“O quanto podemos marcar a vida de alguém, é o privilégio de ser padre, e eu acho de um cristão, um pai ou uma mãe, é o privilégio da relação, ser instrumento de uma graça maior que nós. Pegamos num pedaço da história, é-nos dado o privilégio de dar continuidade a alguns aspetos, tentamos deixar o mundo melhor e depois partimos, à espera que outros possam semear plantas e árvores. O Evangelho está cheio de lançadores de semente, e o mundo tem muitos, mas precisa de mais”, reconhece.
O padre Nuno Santos é o convidado esta semana das «Conversas Originais – das palavras à ação», publicadas a cada dia, e do programa Ecclesia na Antena 1 às 22h45.
LS