«Conversas na Ecclesia»: «A liberdade que experimentamos deixa-me inquieta» – Helena Valentim (c/vídeo)

Professora universitária cresceu com os pilares fé e compromisso social e afirma necessidade de dar ferramentas de participação às novas gerações

Lisboa, 26 abr 2021 (Ecclesia) – A professora de linguística Helena Valentim afirma que a revolução do 25 de abril de 1974 é uma “inspiração” mas explica que a liberdade não está conquistada e hoje ganha contornos complexos e “subtis”.

“A liberdade era tangível, junto daqueles que nos dão o testemunho de amor à liberdade, traduzia-se em coisas concertas. Hoje no mundo complexo, global, as coisas não se excluem num regime político; são outras condicionantes, o conceito de liberdade tem a constante tónica da complexidade, e eu continuo inquieta sobre a liberdade que experimentemos, insatisfeita”, assinala.

Professora de Linguística, Helena Valentim sublinha preocupação perante a “tecnologia que condiciona a mundividência”, que parece “oferecer tudo”, mas “condiciona”.

“A responsabilidade é hoje mais difícil de agarrar, porque estamos muito coagidos a uma série de lógicas. Há uma indústria de atenção e uma atenção capturada pode tornar-nos obedientes perante uma ordem que nos é prescrita. E isto é muito subtil”, questiona.

A complexidade requer que cada vez mais as pessoas sejam capacitadas e façam um caminho de “exigência”, de participação em decisões, que devem começar em contexto escolar.

Para Helena Valentim, o 25 de abril continua a ser uma inspiração para ajudar a “re-situar” no contexto atual, porque a liberdade “não está conquistada”.

No plano social, a professora nota “conquistas extraordinárias” ao nível da saúde, de uma “educação mais democrática”, mas ressalva diferenças no plano “do princípio” que necessitam de ação contínua.

“O modo como no concreto se traduz, a educação, por exemplo, continua a ser um contexto que reproduz diferenças, não consegue colocar todos no mesmo patamar – idealmente achamos que sim mas há mecanismos sociais muito enraizados. Os índices de pobreza recentemente divulgados. Só isso basta para estarmos insatisfeitos, pensando no que isso significa – de acesso à cultura, acesso a participação cívica consciente”, assinala.

No seu percurso de formação cristã, Helena Valentim recorda a importância do Movimento Encontro de Jovens Shalom, onde cresceu, a passagem “ainda que breve, mas muito importante” pelo Movimento Católico de Estudantes, a sua integração no Movimento GRAAL, que, indica, completou a sua formação, e a participação no Centro de Reflexão Cristã como espaço de aprofundamento teológico.

“Vejo um contínuo que converge, desde a formação familiar mais estrita, a tomada de consciência em contextos onde me inseri quer de Igreja, como também como cidadã, para o que sou hoje, até como mulher”, explica.

Nascida alguns anos antes da revolução que pôs fim ao Estado Novo de António Oliveira Salazar e Marcelo Caetano, Helena Valentim cresceu com “histórias de relatos familiares” de conversas “em surdina”, que se mantinham “depois de ver se não estava alguém atrás da porta”, conhecendo uma “limitação de acesso ao conhecimento e ao mundo”.

Recusando a ideia de ser “uma militante de bandeira em riste”, a professora de Linguística reconhece uma intervenção “cívica discreta”, e recorda a “sensibilidade social, o debate e a procura de discernir” com que cresceu, resultando numa postura de cidadã ativa.

“Talvez isso possa em mim ter contribuído para fazer sínteses, para estar atenta e interessada em dimensão políticas e sociais, com sentido de adesão e reconhecimento neste caso do cristianismo, em particular do catolicismo. Entendo porque a própria incarnação traz o gérmen de estar empenhada e atenta, interventiva a lutar por maior justiça social, melhores condições de vida para todos. Está no ADN do cristianismo uma forma de estar civicamente ativo – é a síntese que faço e a maneira como procuro viver”, reconhece.

Helena Valentim parte da memória celebrativa do 25 de abril para assinalar “um motor, um milagre” que “congregou pessoas em torno de um ideal”, que continua a fazer sentido, pois é um horizonte para o qual se quer caminhar.

“Eu acho que Jesus está, esteve, estará sempre (na revolução do 25 de abril). Está no que pode ser a nossa forma de incorporar, renovar e recriar a novidade que deixa em nós, que ele representa para nós. É um eterno novo, porque é eterna a abertura, esperança e vontade de que o mundo seja aberto para todos e sejamos uma comunidade de comunhão”, finaliza.

As “Conversas na ECCLESIA” desta semana ficam online às 17h00 e apresentam, ao longo desta semana, reflexões e testemunhos sobre o 25 de abril de 1974.

LS

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