Construção do mundo: tarefa, reflexão e compromisso

D. Armindo Lopes Coelho no encerramento das Jornadas dos Leigos Ao ritmo da Liturgia e das actividades pastorais diocesanas, celebrámos a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Em tempos de maior entusiasmo porventura triunfalista e talvez de mais fervoroso e sentido ardor apostólico, celebrava-se a festa de Cristo Rei, com menor fundamentação teológica e mais aparente verdade histórica. A Palavra de Deus, que acabamos de ouvir, permite-nos encontrar os fundamentos objectivos de uma Realeza que vem de Deus, passa por Jesus Cristo e permanece em nós como dom e missão. O Profeta Ezequiel fala-nos da realeza de um Deus que é Pastor e que concretiza essa realeza através das tarefas, tão diversas e numerosas, que são próprias de um exímio Pastor, sem mediação: “Eu próprio, diz o Senhor Deus, irei em busca das minhas ovelhas e hei-de encontrá-las” (Ez. 34,11). As funções pastorais que Deus reivindica e anuncia culminam conceptualmente com a palavra que é síntese e compreensão mais vasta: “Eu apascentarei as minhas ovelhas” (Ez. 34,14). E depois de enumerar, diríamos exaustivamente, todas as acções e gestos de um Pastor, termina dizendo: “Hei-de apascentar com justiça” (Ez. 34,16). E a nós seu rebanho nada pede para de novo garantir: “Hei-de fazer justiça (entre todos) entre ovelhas e ovelhas, entre carneiros e cabritos” (Ez. 34,17). Porque o conceito bíblico de justiça corresponde essencialmente à santidade, devemos concluir que o Pastor que é Deus enquanto Pai nos afirma profeticamente que é a fonte da santidade que o Seu povo é chamado a cultivar como sinal de realeza, que consiste sobretudo na vitória sobre o pecado e na consciência do que é a “imagem e semelhança com Deus” (cf. Gen. 1,26). Jesus Cristo apresentou-se ao mundo como pastor. Depois de ter contado uma parábola sobre o pastor e o comportamento do rebanho, afirmou: “Sou Eu o Bom Pastor; o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas” (Jo. 10,11). Se confrontarmos as palavras de Ezequiel sobre Deus Pai (“Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas” – Ez. 34,11) com as palavras de Cristo em S. João (“Sou Eu o Bom Pastor” – Jo. 10,11), descobrimos e concluímos que Cristo é Deus, um com o Pai: “Assim como o Pai Me conhece, também Eu conheço o Pai e dou a minha vida pelas minhas ovelhas” (Jo. 10,15). O mesmo Evangelista tinha já apresentado a chave deste mistério quando escreveu: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu filho único… porque Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo. 3,16-17). S. Paulo integra estes factos no âmbito de uma Cristologia salvífica que se percebe quanto possível pela lógica do contraditório: “Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos; porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida” (1 Cor. 15,21-22). Esta é a situação em que vivemos, na expectativa e esperança da ressurreição depois da morte, mas na consciência de uma vida em Deus, como consequência e fruto das sementes que a ressurreição de Cristo difundiu como “primícias dos que morreram”. Esta situação, nossa e do mundo em geral, consta de um processo histórico e escatológico. O apóstolo fala da sujeição a Cristo por parte de “todos os inimigos”, “de todas as coisas”, e diz que “o último inimigo a ser aniquilado é a morte”. “É necessário que Ele reine”. “Depois será o fim, quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai” (cf. 1Cor. 15,20-26). A figura do Pastor que apascenta e dá a vida por aqueles que ama manifesta-nos a profundidade da Realeza de Deus em Cristo – e chama-se Amor misericordioso e infinito. “É necessário que Ele reine”. De facto acreditamos neste Amor que reina e venceu a morte pela ressurreição, e acreditamos nesta vitória não só escatológica mas também histórica e terrena. Mas continuamos a celebrar a Realeza de Cristo e a proclamar com solicitude e zelo apostólico: “É necessário que Ele reine”. O próprio Cristo reassumiu o cenário do Pastor que vem na sua glória e esplendor sentar-se no trono que lhe pertence, convocar todas as nações como convoca o rebanho a quem pede contas. E julgar-nos-á a partir da justiça que foi prometida mediante o profeta e a partir do amor infinito que Deus manifestou pela morte do Filho que nos enviou. Sabemos que “todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade (justiça), segundo a palavra do Apóstolo: “esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” – 1 Tess. 4,3” (L.G.39). “Todas as coisas Lhe estão sujeitas, até que Ele se submeta, e a todas as criaturas, ao Pai, para que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor. 15,27-28)”. A Constituição sobre a Igreja (Lumem Gentium) recorda que Cristo “comunicou este poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos em régia liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado; mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos outros, conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, a quem servir é reinar. Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz” (LG.36). Estes são conceitos do Prefácio da Solenidade de Cristo Rei. Assim rezamos porque assim acreditamos (Lex orandi, lex credendi). A Lumen Gentium comenta: “Grande é a promessa, grande o mandamento que é dado aos discípulos” (Ibid.). Grande o mandamento, em profundidade e extensão. É o próprio Cristo que o dimensiona, quando, ao falar da herança que é o “reino preparado desde a criação do mundo”, integra no âmbito do amor os seguintes problemas: a fome e sede, o acolhimento ao peregrino, a atenção ao que não tem que vestir, a visita ao doente e ao preso. São exemplos de manifestações de amor e expressões de justiça. E se alguém se surpreender com estes modos, critérios e processos de constituir o reino de Deus neste mundo, e se tiver esquecido de que o segundo mandamento (amarás o teu próximo como a ti mesmo) é semelhante ao primeiro (amarás o Senhor teu Deus), Cristo lembra ainda outra vez: “Em verdade vos digo: Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes” (Mt. 25,40). A Solenidade de Cristo Rei tem vindo a ser recuperada, nesta Diocese, como oportunidade para reflexão e compromisso. Como Jornadas Diocesanas do Apostolado dos Leigos, abrangem reflexão e celebração, reflexão neste ano sobre Carisma e Missão, sobre caminhos andados e sugestões para caminhar, oração que culmina com esta Celebração da Eucaristia. Presentes estão representantes dos Movimentos e Obras, e também uma representação especial do Secretariado Diocesano de Educação Cristã, constituída por um grupo de 31 Catequistas que completaram o Curso Geral de Formação Catequística, e vão receber o respectivo Diploma. Torna-se assim mais forte e mais visível o sinal do propósito que nos anima na grande tarefa comum de evangelizar e construir o Reino de Deus cuja realidade e amplitude celebramos nesta Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

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