Constantinopla, o verdadeiro destino do Papa

Segundo dia na Turquia dá início a contactos mais profundos com o mundo ortodoxo A capital do Império Romano do Oriente já não existe enquanto tal, mas é Constantinopla o verdadeiro destino desta viagem de Bento XVI, ontem iniciada. Na Istambul de hoje, o Papa vai encontrar-se várias vezes com o Patriarca Bartolomeu I, “primus inter pares” dos Patriarcas Ortodoxos e um homem capaz de estimular, de forma significativa, o diálogo entre as duas Igrejas. O primeiro convite para a visita pastoral partiu, efectivamente, do Patriarcado de Constantinopla, para a celebração da Festa litúrgica de Santo André, a 30 de Novembro. O irmão de São Pedro, considerado fundador da Igreja nesta localidade, mostra, de certa forma, que também as duas “Romas” são Igrejas irmãs e é isso que Bento XVI quer potenciar. “Não contam os números, nem a quantidade. É o peso simbólico, histórico e espiritual que conta”, referiu Bento XVI ainda antes da sua partida, consciente de que os ortodoxos de Istambul são hoje poucos milhares, muito poucos quando comparados, por exemplo, com os de Moscovo. O Papa lembrou que “Constantinopla, como segunda Roma, sempre foi uma referência para a Ortodoxia, que nos deu a grande cultura bizantina ortodoxa e permanece, ainda, como uma referência para o mundo ortodoxo e todo o cristianismo”. O encontro entre os dois líderes – embora Bartolomeu I não tenha uma jurisdição universal, ao contrário do Papa – constitui o momento fundamental desta viagem e um passo importante na busca da unidade dos cristãos. Bartolomeu I escreveu um artigo para o jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, no qual manifesta a “grande alegria” com que recebe o Papa. A visita, assegura, “demonstra a nossa profunda convicção e a nossa disponibilidade para intensificar o diálogo”, que deve passar pelas dimensões do “amor, da verdade e do respeito recíproco”. Hoje, no encontro de oração que decorreu na Igreja Patriarcal de São Jorge, o Papa deixou votos de que “este encontro renove o nosso afecto mútuo, o compromisso comum para perseverar no itinerário que leva à reconciliação e à paz entre as Igrejas”. Amanhã de manhã, na “Divina Liturgia” que decorrerá no mesmo local, o Papa e Bartolmeu I trocarão uma saudação de paz e, posteriormente, assinarão uma declaração conjunta. A igreja de São Jorge é a igreja-mãe do Patriarcado de Constantinopla. O Patriarca e o Papa abençoarão juntos a assembleia, no entanto, dado que não existe comunhão eucarística entre as duas Igrejas, o Papa não concelebrará durante a Liturgia do dia 30 de Novembro, permanecendo numa posição de honra. A viagem papal inclui ainda um encontro com o Patriarca arménio Mesrop e com o Metropolita siro-ortodoxo Filuksinos. Esta terceira deslocação de um Papa à Turquia, depois de Paulo VI (1967) e João Paulo II (1979), responde à prática do Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla, já com meia centena de anos, de receber cada novo Bispo de Roma após a sua eleição, para a Festa de Santo André. Percurso atribulado A aproximação ao mundo ortodoxo tem sido uma prioridade do pontificado de Bento XVI e, neste contexto, o contributo do Patriarca de Constantinopla – empenhado em promover o diálogo entre Igrejas Ortodoxas – é fundamental. Por causa desta relação, as relações entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas estão a melhorar de forma significativa. Prova disso foi o retomar, em Setembro, dos trabalhos da Comissão mista internacional para o diálogo teológico católico-ortodoxo, sobre o tema “A Teologia da comunhão”. A nona sessão plenária da Comissão para o diálogo teológico ocorreu em Belgrado, após quase seis anos de paragem, devido a desentendimentos sobre o estatuto das Igrejas Católicas do Oriente, chamadas “uniatas” pelos Ortodoxos. A comissão mista de diálogo entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa conheceu fortes dificuldades na última década, mas o empenho do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla permitiu o regresso aos trabalhos. Foram reorganizadas as duas Comissões de diálogo, compostas por 30 membros de cada parte, e o comité de coordenação, que é um instrumento técnico que prepara as sessões plenárias da Comissão. No mundo ortodoxo, contudo, há discussões interna e relativas ao primado de honra da sede de Constantinopla entre as Igrejas Ortodoxas. Moscovo acusa a sede turca de lhe retirar protagonismo e impõe a um diálogo directo com a Santa Sé, tendo mesmo feito questão de anunciar, antes da viagem do Papa, que não está ainda disponível para receber Bento XVI na Rússia. Cronologia 1964 – Abraço entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I em Jerusalém. Declaração “Nostra Aetate”, do II Concílio do Vaticano. 1965 – Declaração comum Pénétrés de reconnaissance, de Paulo VI e Atenágoras I, em que as excomunhões foram reciprocamente levantadas. 1967 – Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I declaram a intenção de promover um “diálogo de caridade” entre as duas Igrejas, com um paralelo “diálogo de verdade”. 1979 – João Paulo II e Dimitrius I anunciam a abertura do diálogo teológico entre as duas Igrejas. Primeira sessão plenária da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico. 1982 – A Comissão publica o seu primeiro documento oficial: “O mistério da Igreja e da Eucaristia à luz do Mistério da Santíssima Trindade (Munique) 1987 – Segunda declaração oficial: “Fé, Sacramentos e Unidade da Igreja” 1988 – Terceiro documento oficial: “O Sacramento da Ordem na estrutura sacramental da Igreja”. 1990 – Início dos trabalhos, em Moscovo, sobre um novo documento: “Consequências eclesiológicas e canónicas da natureza sacramental da Igreja”. Os trabalhos foram interrompidos a pedido da Igreja Ortodoxa, para abordar a questão do “uniatismo”. 2005 – A Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas concordam em retomar o diálogo teológico. 2006 – Encontro da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico, em Belgrado.

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