Conflito mudo nos Balcãs

Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz testemunhou «complexidade e esperança no díálogo» nesta região martirizada da Europa Complexidade e esperança define a visão com que Manuela Silva, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, regressou de Belgrado, na Sérvia. Presente na Assembleia Geral da Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz, Manuela Silva contactou com as duas visões do conflito entre sérvios e kosovares. A Assembleia anual que junta os representantes das Comissões Justiça e Paz europeus tem a preocupação de realizar a assembleia plenária em países onde se vivem, ou viveram recentemente, conflitos ou guerras. Este ano a escolha recaiu na Sérvia e o lema do encontro foi “Curar as feridas e as memórias da guerra: enfrentar o passado e o presente da Sérvia”. Esta é uma forma de mostrar “solidariedade com os povos da região que sofreram as consequências da guerra e que apresentam marcas ainda muito visíveis do conflito, mas que procuram encontrar caminhos de convivência mais pacífica”, afirma à Agência ECCLESIA, Manuela Silva. A Presidente portuguesa dá conta que no encontro houve “uma preocupação grande de dialogar e escutar experiências dos líderes da Igreja Ortodoxa e das comunidades albanesas, de líderes políticos e religiosos”. O seminário que antecede a Assembleia plenária conseguiu “sentar na mesma mesa o bispo da Igreja católica e da Igreja ortodoxa”, sendo este “um sinal muito importante”. Deslocação ao Kosovo Os participantes tiveram ocasião para conhecer algumas comunidades. Manuela Silva recorda o que encontrou no Kosovo, na capital Prístina, onde a presidente portuguesa esteve com membros da comunidade islâmica. “Ouvimos o Mufti, o representante da comunidade islâmica e os membros do conselho, num encontro oficial, onde ouvimos os pontos de vista dos representantes políticos da comunidade”, recorda. Os representantes das CJP estiveram ainda no parlamento “onde têm assento representantes de minorias locais, e diferentes facções, num diálogo franco que ofereceu um olhar mais próximo da complexidade da situação nestes países”. No próprio Kosovo vivem-se realidades muito diferentes. A maioria da população é albanesa e de religião muçulmana. “Estes vêem a situação actual como uma vitória e enfrentam-na com grande esperança no futuro”, afirma Manuela Silva. Mas neste mesmo território vivem ainda sérvios que ficaram no território, constituindo uma minoria. “Os albaneses afirmam o seu respeito pela minoria que acolhem, mas quando ouvimos os sérvios a versão não é a mesma”. Manuela Silva recorda “grandes queixas da Sérvia, pois a minoria sente-se abandonada por ter ficado no Kosovo”. Em Dečani, onde se situa um dos maiores mosteiros ortodoxos, a comitiva esteve com sérvios que se conseguiram manter no território. “São uma comunidade nova, com cerca de 30 monges, mas que para poderem proteger as suas propriedades e as suas vidas contam com os soldados italianos que continuam presentes no local”, explica a presidente portuguesa. “Apesar de ser um país pacificado, continuam a existir sinais de guerra e de presença militar”. Compromisso de diálogo Manuela Silva não subestima as dificuldades. “A situação é muito complexa, tanto nas suas raízes históricas mas também na situação actual”. A Presidente da CNJP aponta que os responsáveis políticos que teve oportunidade de ouvir “dão sinais de uma grande esperança em relação ao futuro e de abertura ao diálogo entre as diferentes partes”. Numa perspectiva prática Manuela Silva afirma haver diálogos que correm bem. “A Igreja católica, mesmo minoritária no Kosovo e na Sérvia, é um interlocutor importante e respeitado, precisamente pelo pouco poder que tem”. O Bispo Leo Schwarz, representante da Igreja Católica na Sérvia “é uma pessoa de grande abertura, cordialidade e muito favorável ao diálogo”, afirma. Um factor que “dá esperança ao futuro”. Sobre os líderes ortodoxos, Manuela Silva, aponta ter percebido “no interior da Igreja Ortodoxa, sensibilidades diferentes. Há pessoas de ponta muito empenhados no diálogo e há outros menos favoráveis ao diálogo, quase recusando-o”. A Presidente sublinha a importância de reconhecer que “o processo de reconciliação leva tempo”. Sobre o papel que a UE pode desempenhar “existem grandes expectativas”. Manuela Silva aponta a “pressão que a UE pode ter, uma vez que, tanto na Sérvia, como no Kosovo e na Croácia, há o desejo de uma maior aproximação à UE. Este desejo pode ser aproveitado para colocar algumas condições, ajudando a resolver problemas das minorias que continuam em situação de vitimização”. A Presidente da CNJP aponta a importância de continuar a manter um olhar atento sobre a realidade nos Balcãs e estabelecer um “relacionamento com as pessoas que vivem estes problemas, nomeadamente com a Comissão sérvia”. Manuela Silva afirma que a opinião pública dos vários países “deve manter em aberto este dossier da paz nos Balcãs e essa é uma tarefa em que as comissões nacionais poderão continuar empenhadas”, finaliza.

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