Comunidades portuguesas moldam identidade da Nação

O secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, concedeu uma entrevista à Agência ECCLESIA a respeito do Dia de Portugal, na qual sublinha a importância da presença de emigrantes e lusodescendentes em todo o mundo como fator identitário e como ativo para o país, a todos os níveis. O responsável elogia ainda o trabalho desenvolvido pelas missões católicas e por todo o movimento associativo na diáspora.

Agência ECCLESIA (AE) – Há milhões de portugueses e lusodescendentes nos cinco continentes, um sentimento de portugalidade espalhado pelo mundo. Até que ponto é que isso marca a ação governativa?

José Cesário (JC) – A verdade é que Portugal é um país de comunidade. De acordo com as estatísticas que resultam dos dados dos nossos consulados, temos referenciados 2,3 milhões de pessoas nascidas em Portugal espalhadas pelo mundo; temos de somar todos aqueles que têm nacionalidade portuguesa, o que se aproximará dos 5 milhões, no total. Evidentemente, há as ligações que eles têm com muitos outros lusodescendentes que, não tendo a nacionalidade, são pessoas de origem portuguesa.

Portugal vale no mundo, em termos humanos, não por aqueles que estão cá, mas pelo conjunto de pessoas que estão espalhadas por praticamente todos os países, haverá muito poucos exceções – não temos ninguém referenciado na Coreia do Norte. Isto dá ao país uma dimensão extraordinária, uma mais-valia, mas evidentemente causa também muitas preocupações.

É inquestionável que se tem de ver do ponto de vista positivo: esta presença no mundo é um ativo político, cultural, económico, diplomático, social. É um ativo que tem de ser avaliado sob todos os prismas e tem de ser, tanto quanto possível, trabalhado numa ótica de aproximação, eu diria de proximidade permanente entre todos os que aqui estão – os poderes públicos, também a esfera privada – e os que estão lá.

Eu devo dizer, pessoalmente, que é uma experiência extraordinária ter podido ao longo destes anos – mais ou menos 15, de relação mais próxima -, tentar servir da melhor maneira possível esta gente nos diversos lugares por onde passei. É surpreendente, é extraordinária esta presença no mundo e a sua relação com o país de origem.

 

AE – Quais são os principais eixos dessa política de proximidade com as comunidades?

JC – Nós definimos já há muito tempo várias áreas em que nos movemos com maior intensidade, para poder garantir essa proximidade: um eixo muito ligado à língua e à cultura; outro muito ligado à esfera administrativa, nomeadamente através da rede consular; um eixo que tem a ver com o acompanhamento dos fluxos migratórios, particularmente na ótica social, porque temos aí problemáticas muito complexas; finalmente, a participação cívica e política, não apenas ligada à presença às esferas administrativas do país onde estão mas também a relação com o país de origem, a dimensão do associativismo que é muito importante para quem está fora.

 

AE – Historicamente, há comunidades consolidadas em vários países e movimentos algo diferentes nas últimas décadas, em particular nos anos mais recentes, com alguma amargura na hora da saída. Como é que acompanha todo este processo?

JC – Historicamente, os fluxos são muito claros: nos fins do século XIX e início do século XX, essencialmente Brasil e outros países da América do Sul, particularmente a Argentina, um caso pouco analisado, mas muito interessante; também nesta altura, aparece muito a América do Norte, um fluxo com uma dimensão enorme, e a presença em África que, naturalmente, tem muito a ver com a história das nossas antigas colónias.

A partir dos anos 50 do século XX começa a haver uma inflexão: o Brasil ainda tem muita dimensão, também os Estados Unidos e o Canadá; nos anos 60 e 70, a emigração começa a ser predominantemente europeia, com a França, o Luxemburgo e a Alemanha a despontar.

Nos últimos anos, surgem outros países, como a Suíça e a Espanha, que foi um epifenómeno de 20 anos que durou fundamentalmente até 2007, e o Reino Unido, que hoje se destaca.

Há caraterísticas sociológicas diferentes entre a emigração que tínhamos até há meia dúzia de anos e a que temos hoje. Agora a emigração é um fenómeno mais urbano e não rural. O emigrante proveniente de meios rurais estava mais predisposto ao sacrifício, para um trabalho mais intenso, mais duro; o emigrante de meios urbanos tem um nível de formação mais elevado, em regra, mas não quer dizer que em termos práticos essa habilitação académica lhe sirva de muito ou que não vá fazer a mesma coisa que os pais e os avós. Estamos a falar de realidades muito diferentes.

Começamos a ter uma emigração por opção, que é muito de quadros: como a Economia muda completamente, num quadro completamente globalizado, as empresas não olham para o mercado do seu país, apenas. Olhar para o mercado global significa que o emprego já corresponde a essas necessidades e é por isso que alguém que entre numa dessas empresas – e não estou a falar apenas das grandes multinacionais – leva na sua cabeça um itinerário de vida que passa por vários países.

 

JC – Também não podemos esquecer o que se passou no Oriente, determinando que lá tivessem ficado até hoje comunidades lusodescendentes de grande dimensão e com uma ligação espiritual, cultural muito intensa a Portugal. Este é o quadro em que nos movemos, quando analisamos de um modo geral, quantitativa e qualitativamente, a nossa presença no mundo.

Esta realidade é muito diversificada, multifacetada e não deixa de ser complexa para quem quer desenvolver as tais políticas de proximidade.

 

AE – A Igreja Católica foi criando uma rede própria junto das comunidades e mantém um conjunto de missões portuguesas. Como é que o Governo articular a sua ação com esta presença?

JC – Diria que é para nós das entidades absolutamente fundamentais neste diálogo, nesta relação. Através da Obra Católica Portuguesa de Migrações, temos desenvolvido várias ações e parcerias, desde o apoio aos presos portugueses que estão no Peru – 68, neste momento – até ao acompanhamento de pessoas que ficam desempregadas ou em situações de exploração, como tem acontecido na Suíça, na Alemanha, em vários pontos do mundo.

Essa relação faz-se diretamente com a Obra Católica e pontualmente com as missões. Há uma relação de muita proximidade entre estas e realidades com história, no contexto da solidariedade social, realidades muito portuguesas: as misericórdias, as sociedades de beneficência. São instituições indispensáveis sob o ponto de vista da relação com públicos específicos que têm problemáticas sociais.

Não me esqueço de que uma grande parte do trabalho que temos desenvolvido no domínio do aconselhamento a quem quer emigrar – nestes quatro anos realizamos uma campanha destinada a transmitir informação, lançar alertas – decorreu muito em articulação com algumas missões, com a Obra Católica. Esta organização que a Igreja Católica tem, a nível das comunidades, é absolutamente insubstituível, é talvez a grande rede das nossas comunidades.

Atualmente há outra que também tem de ser considerada, embora seja muito menos conhecida em Portugal, que é a rede das Academias do Bacalhau.

 

AE – Há um desejo assumido a ajudar alguns dos nossos emigrantes a voltar ao país, além de todos os lusodescendentes que se pretendam instalar em Portugal. Como é que o Governo espera que este processo se venha a desenrolar?

JC – Nós estamos a trabalhar nalguns mecanismos que possam vir a facilitar esse regresso ou essa aproximação, de vinda de pessoas que nasceram lá fora. Ainda não estão totalmente definidos, mas independentemente disso, não há dúvida de que esse fluxo não deixou de existir, é muito significativo: gente que sem vem fixar cá definitivamente ou tem vidas divididas entre os locais para onde foi, há longos anos, e a sua terra de origem ou aquela que adotaram como sua, em Portugal.

Houve uma coisa, sobretudo, que me encheu de júbilo nos últimos anos: foi ver nascer em Portugal as primeiras associações de lusodescendentes. Pessoas que começaram a fixar-se cá, descobriram que Portugal não era o país atrasado que se divulgou durante muito tempo, que é igual ou até mais desenvolvido do que os países onde eles estavam. É um país com uma realidade económica, cultural, seguro, muito interessante. Vieram uma vez, duas, três, quatro, trouxeram amigos, foram-se fixando por cá. É uma realidade muito associada aos fluxos turísticos, são pessoas que à partida têm uma grande facilidade de relação com os que estavam no país de onde vieram, são quadros muito interessantes para as empresas que se dedicam a essas atividades, para a área do imobiliário. Muitas vezes o interlocutor é exatamente um lusodescendente.

Este é um aspeto que me enche de satisfação e que é a prova de que Portugal é mesmo o centro claro de toda esta realidade humana que são as comunidades, a diáspora portuguesa. Esta mantém uma relação muito intensa com o seu pais, que às vezes é o dos seus avós, dos seus bisavós.

Deixo uma nota final que vale a pena ter em consideração e se prende com um facto muito recente. Na última semana, a Assembleia da República tomou uma decisão muito importante, de modo a permitir que os netos de cidadãos nacionais com o mínimo de laços com Portugal possam vir a adquirir a nacionalidade originária, que nunca tiveram. Esta decisão é das decisões com maior alcance político e humano que já alguma vez tivemos, que vai ao encontro de muitas comunidades, sobretudo de países da chamada imigração transoceânica – Venezuela, Argentina, Brasil, EUA, África do Sul – em que havia um fenómeno: as pessoas emigraram e os seus filhos nasceram lá, estavam longe dos consulados, pelo que nunca puderam tratar dos documentos e não adquiriram a nacionalidade; os netos dos emigrantes sofreram essa consequência, que para os pais não era um problema, porque se sentem portugueses, às vezes até são cá proprietários, e não podiam ter a nacionalidade. É uma decisão que representa uma aproximação muito grande a essas comunidades e eu fico muito satisfeito por ver esse passo dado.

 
Octávio Carmo
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