Desde há muito, que o sentimento liberal e romântico, caracterizado pela sua argúcia questionadora e pelo seu pendor subjectivo, se sentia desintegrado das diversas variações e sensibilidades religiosas, sobretudo nos meios urbanos.
A liturgia barroca harmonizava arquitectura e decoração, oratória e música, palavra e gesto, conseguindo formar um universo integrado. Eram suficientemente consensuais, a comunicação e o sentimento humano, o Estado e a Religião, a Fé e a Ética, a ponto de tornar inquestionável cada rito católico. Pelo contrário, durante a Monarquia Constitucional, nunca mais, se conseguiu fazer um diálogo pleno, e em muitos casos, nem sequer satisfatório, entre a Liturgia da Igreja, com a sua Oratória Sacra, e a nova sensibilidade liberal, muito especialmente nas sociedades citadinas.
Dom Manuel Clemente sintetiza magistralmente a relação vivida entre a Igreja e a sociedade em Portugal, no século XIX: «Ora, quando novas questões exigiram novos discursos e outros sentimentos pediram outras representações, a Igreja portuguesa estava desfalcada de criadores e de meios doutrinais e estéticos para lhes responder, sobretudo depois da extinção de mosteiros e conventos, ou de instituições de culto de grande envergadura, como fora a antiga patriarcal joanina, também desaparecida com o Liberalismo.»[1]
Nos anos 40 do século XIX, passada a guerra civil, Portugal viveu algum ressurgimento religioso, à volta de nomes como Lamennais, Montalembert e Lacordaire, importados de França, ou a partir dos nossos portugueses Herculano, Garrett e Castilho. Tal como em toda a Europa, também em Portugal, mesmo os cristãos com sensibilidade romântica e com preocupações sociais assumiram algumas atitudes religiosas de pendor restauracionista. É curioso observarmos, que em 1842, o príncipe Félix Linchnowsky, de visita a Portugal, achava que a religião no nosso país era vivida de modo ainda mais exuberante que no país vizinho e escrevia: «não tem sofrido coisa alguma a religiosidade do povo, o que é particularmente digno de elogio, se isto se compara com a desmoralização das grandes cidades espanholas». Percebemos, que apesar das grandes mudança de mentalidade, em Portugal continuavam a perdurar sentimentos religiosos de pendor tradicional, sobretudo nas populações rurais.
O Liberalismo tinha introduzido em Portugal um espírito crítico face ao catolicismo, então em dificuldades de diálogo com a nova sociedade. A designação, «Fanatismo», aplicada às expressões de Fé Católica, era utilizado nos círculos liberais mais radicais, com fácil frequência. A propósito desabafava o Padre José Agostinho de Macedo, (1828-1892), «Estou cansado, e aborrecido de ouvir falar de dia e de noite a estes Filósofos Políticos em Fanatismo, e Fanatismo Religioso: todos os católicos são Fanáticos […] Quem, quanto pode ser ajudado, e auxiliado pela Graça, observa os Mandamentos de Deus, e da Igreja, é um Fanático. Tirar o chapéu a uma Cruz, quando por ela se passa, ajoelhar ao Viático Sagrado, quando se leva a um enfermo, tudo é Fanatismo; nem se pode exercitar uma só obra de misericórdia, nem fazer um acto das Três Virtudes Teologais, que não seja tudo a eito Fanatismo. Chegou a corrupção do século a fazer termos idênticos e convertíveis estes dois termos – Cristianismo – Fanatismo»[2].
A propósito desta mentalidade, considerada destruidora do Cristianismo comentou o futuro Arcebispo de Évora, Dr. Fortunato de São Boaventura: «O plano de chegar às coisas por intermédio das pessoas, ou de envilecer primeiro que tudo os Ministros da Religião, para que não havendo nada que respeitar fosse para diante mais fácil destruir, foi executado literalmente por todo o Reino, e com especialidade na Capital, onde a perseguição dos Ministros do Senhor foi pública, descarada, e subida a um auge de violência, que nunca se deveria esperar em uma cidade Cristã»[3].
Para ele a destruição planeada por Maçons, visava a destruição da Igreja, começando-se por envilecer os Sacerdotes.
Perante as dificuldades colocadas pelos «Novos Tempos» à Igreja, uma das formas mais comuns de comunicação utilizada por esta foi a Oratória Sacra. Enquanto, por palavra homilia se compreende uma breve alocução sobre as leituras da Missa, o termo sermão aplicava-se a todas as exposições, sobretudo de índole espiritual e moral, com explanação mais demorada, inseridas numa celebração litúrgica, ou numa devoção piedosa, no interior do templo, ou em contexto processional, de peregrinação, romarias ou desfile religioso.
O sermão era normalmente pronunciado num sitio elevado, como são os púlpitos, permitindo ao orador, auxiliado pela energia e pela expressividade do gesto, que prendesse a atenção dos ouvintes, os quais separados por sexos, assistiam quase sempre de pé, ou sentados no chão, em tapetes, esteiras, almofadas ou bancos trazidos para o efeito de casa. A afluência era tão grande, que não raramente, os ouvintes se precaviam, com bastante tempo de antecedência, em marcar o seu lugar no espaço disponível para poderem «ouvir o sermão».
O sermão era um meio de comunicação de massas, assumindo a dupla função de ensinar e exortar, de transmitir e defender a Fé. Enquanto exercício de retórica, interpelava, estimulava e deleitava através da palavra e do gesto e das expressões fisionómicas.
A Oratória Sacra, também chamada parenética, tinha por intuito persuadir os ouvintes, tornando a mensagem da salvação compreensível. Por isso, importava que a linguagem utilizada como veículo de comunicação de massas fosse compreensível e eficaz. Os sermões, conforme o contexto em que eram pregados, caracterizavam-se por pregações pastorais ordinárias, ou por pregações em ocasiões extraordinárias. As primeiras caracterizavam-se pelo seu género catequético e homilético, sempre com preocupações pedagógicas, em que Bispos e Párocos, procuravam, no exercício do seu ministério pastoral, educar na Fé os fiéis e as comunidades.
Os sermões proferidos em ocasiões extraordinárias, assumiam varias dimensões: Encomiásticas, como nos panegínicos dos Santos e nas orações fúnebres; Deprecatórias, como nas preces, eucarísticas, e nas acções de graças; Gratulatórios, como no caso dos grandes momentos de regozijo.
Grandes variações encontramos na Oratória Sacra, variando a sua expressão, consoante os auditórios, as temáticas e as finalidades pastorais específicas.
Perante as dificuldades crescentes que a Igreja sentia nos meios urbanos, onde as populações intelectualizadas e o nascente operariado manifestava algum desinteresse perante a Oratória Sacra, que perdia impacto nestes ambientes, surgiu o Manual da Eloquência Sagrada, da autoria do Padre Roquete[4]. Este livro indicava as normas de um discurso eclesiástico, preocupando-se já com a necessidade de que as pregações surgissem com temáticas e interesses actualizados.
Em 1859, surgiu um livro que abordava as temáticas religiosas com imagens fortes, referimo-nos à Missão Abreviada, de autoria de Padre Manuel do Couto, com primeira edição publicada em 1859, o qual para além da grande expansão, 16 edições, inspirou muitos oradores sacros, sobretudo do mundo rural. No fim do século, surgiram grandes nomes na oratória sacra portuguesa, salientamos o Catedrático de Teologia em Coimbra, Silva Ramos, o apologista Sena Freitas e os pregadores afamados, como Alves Mendes e Alves Mateus.
Em 1910, três nomes surgiam na Oratória Portuguesa com conteúdo doutrinário, beleza literária e eloquência: Augusto Eduardo Nunes, Sena Freitas e Luís Gonzaga Cabral. Muitos outros nomes grandes enriqueciam a pregação nas diversas dioceses, porém aqui referimo-nos só aos expoentes nacionais, sem esquecer Alves Mateus, Alves Mendes e Aires de Gouveia, que se increverão mais na história da literatura do que na história do aprofundamento doutrinário do apostolado Cristão.
Uma das formas mais eficazes da Oratória Sacra comunicar com as grandes multidões era através das Missões Populares, quase sempre no interior do país. As famílias missionárias que mais se distinguiram em Portugal nas Missões Populares foram os Missionários Apostólicos, os Vicentinos, também chamados Lazaristas, os Jesuítas e os Oratorianos. Com a extinção da sua ordem em 1759, os Jesuítas tiveram que abandonar esta actividade em que foram exímios. A partir de 1834, só os Vicentinos conseguiram prosseguir com esta actividade, com efeitos bastante significativos durante todo o século XIX.
Como se pregavam estas Missões Populares? Através de uma linguagem acessível a todos, abordando temas úteis e apresentando-os com prudência. Utilizando muita brandura, suavidade e doçura nas palavras durante as advertências necessárias, porém deviam insistir com severidade, repreendendo, instruindo e ensinando os duros e obstinados. Chegava-se mesmo a aconselhar, em caso de necessidade, a que se usassem meios violentos e espectaculares, podendo o sermão alongar-se de hora e meia a mais de três horas. Perante o cansaço dos ouvintes o missionário recorria ao toque forte de uma campainha colocada ao seu dispor no púlpito, gesticulava, proferia exclamações com a finalidade de criar impacto no auditório e recordava a todos os “Novíssimos do Homem”.
O tempo médio de uma missão oscilava entre 10 a 15 dias, porém houve missões em Faro, Loulé, Borba, Serpa e Évora que ultrapassaram os dois meses.
Entre 1871 e 1910 realizaram-se em Portugal vários Congressos, que foram outra forma da Igreja comunicar com a sociedade. Estes congressos manifestavam um novo protagonismo dos leigos na sociedade e a capacidade dos católicos reflectirem com um olhar crente sobre as questões nacionais e internacionais, colocando a reflexão da Igreja no centro das atenções.
Na última década de oitocentos, os congressos debruçavam-se ainda em temáticas gerais. No final do século e inícios do século XX, os Congressos Católicos passaram a assumir questões mais específicas, as quais envolviam iniciativas, então actuais do catolicismo português. Temas relacionados com a sociedade, a cultura, a educação e o trabalho e o operariado. O modo de abordar estas temáticas era sempre de cariz confessional.
A Igreja contava também com um vasto número de publicações periódicas, muitas das quais com efémera duração. Quase todas elas exprimiam as correntes de pensamento e os debates assumidos pela Sociedade Católica e a Associação de Propaganda da Fé. A publicação católica mais duradoura foi o jornal legitimista A Nação, fundado em 1847.
Graças as diversas publicações católicas, tornou-se possível que os diversos autores católicos debatessem as suas ideias e polemizassem as suas divergências. Vários autores leigos entraram neste debate. Nele, ganharam protagonismo leigos como Canais e Azevedo Gomes dos Santos, contribuindo assim para uma nova compreensão de laicado na vida da Igreja.
Estes debates entre católicos foram contribuindo para a melhor distinção entre as causas religiosas e as acções politico-partidárias, problema apesar de tudo nunca definitivamente resolvido até 1910.
Em anexo deixamos um elenco das publicações existentes em Portugal no ano 1910.
Concluímos com um olhar sobre a comunicação com as crianças através da catequese.
Até ao pontificado de Pio X (1913-1914), constatamos a existência de grandes disparidades no referente aos Catecismos para crianças. Na perspectiva regalista, era o Conselho de Instrução Pública que aprovava os Catecismos e Manuais de Doutrina Cristã, o que acontecia com muita disparidade de critérios e de conteúdos. Os Prelados e Párocos assistiam muitas vezes à divulgação de heterodoxias sem quase poderem intervir, somente os pais e encarregados de educação, no interior da família, poderiam ajudar nesta questão, através da aprendizagem da catequese e na transmissão da mesma às novas gerações.
Foi Pio X quem aprovou e difundiu um catecismo universal, promovendo-se assim, mais e melhor catequese infantil, antecipando-se a idade da primeira comunhão.
Periódicas Católicas publicadas em Portugal no ano de 1910
Jornal/Revista/Boletim |
Localidade |
Período de existência |
A Nação |
Lisboa |
1847-1917 |
Comércio do Funchal |
Funchal |
1866-1867. Reaparece em 15 de Maio de 1910 e é suspenso em 15 de Agosto do mesmo ano |
Diário ilustrado |
Lisboa |
1 de Julho 1872 a 7 de Janeiro 1911 |
Commercio do Minho |
Braga |
1873-1922 |
O Progresso Catholico |
Guimarães |
1878-1923 |
Novo Mensageiro do coração de Jesus |
Lisboa |
1881-1910 |
A cruz e a espada |
Braga |
1882-1889. Foi reeditado entre 1909 e 1910 |
Jornal de Santo Thyrso |
Santo Tirso |
1882-1935 |
Novidades |
Lisboa |
1885-1974. Esteve suspenso entre 1913 e 1923 |
O amigo da religião |
Braga |
1888-1920 |
Revista Catholica |
Viseu |
1891-1955 |
Portugal em África |
Lisboa |
1894-1973 |
Voz da Verdade |
Braga |
1894-1917 |
A voz de santo António |
Braga |
1895-1910 |
Boletim da obra de S. Francisco de Sales |
Matosinhos |
1896-1960 |
Propaganda Catholica |
Fafe |
1896-1915. Recomeçou em 1908 |
O Grito do povo e a Democracia Cristã[5] |
Porto |
1899-1907 |
Almanak do operário |
Porto |
1900-1911 |
Jornal/Revista/Boletim |
Localidade |
Período de existência |
Notícias de Évora |
Évora |
1900-1951 |
Quinzena Religiosa da Ilha da Madeira |
Funchal |
1900-1912 |
A Folha |
Viseu |
1901-1911 |
Quinzena Religiosa |
Funchal |
1901-1912 |
Boletim Salesiano |
Turim |
1902-Esta publicação ainda existe |
Brotéria |
Lisboa |
1902- Suspensa entre 1910 e 1912, existe ainda, com o subtítulo de “Revista de Cultura e Informação” |
O Evangelho |
Matosinhos |
1902-1919 |
O Petardo |
Porto |
1902-1910 |
Echos de Roma |
Roma |
1903-1910 |
Leituras Cristãs |
Lisboa |
1903-1976 |
A Restauração |
Guimarães |
1903-1911 |
O Mensageiro |
Lisboa |
1904-1940 |
União Nacional |
Braga |
1904-1910 |
O Bem Público |
Lisboa |
1905-1911 |
Guarda |
Guarda |
1905-1936 |
Mensageiro de Maria |
Lisboa |
1905-1950 |
S. Miguel |
Ponta Delgada |
1905-1911 |
A associação operária |
Lisboa |
1906-1914 |
A opinião |
Lisboa |
1906-1907 |
Boletim mensal das missões franciscanas e ordem terceira |
Braga |
1907-1947 |
O Rosário |
Lisboa |
1907-1936 |
União |
Santarém |
1907-1910 |
Boletim mensal |
Braga |
1908-1910 |
Boletim da união cristã da mocidade portuguesa |
Porto |
1908-1918 |
Jornal/Revista/Boletim |
Localidade |
Período de existência |
A liberdade |
Lisboa |
1908-1910 |
Sul da Beira |
Covilhã |
1908-1910 |
Brado d´Oeste |
Ponta do Sol |
1909-1918 |
Calendarium et ordo officii divini recitandi…funchalensis dioceseos |
Coimbra |
1909-1917 |
Jornal Popular |
Viana do Castelo |
1909-1910 |
A voz da juventude |
Lisboa |
1909-1915 |
O Christianismo |
Ovar |
N.º1 (1910)-N.º11(1910) |
O Combate |
Braga |
1910-1911 |
Correio do Norte |
Porto |
1910-1911 |
Defesa Monarquica |
Lisboa |
1910 |
A Fé catholica |
Porto |
1910-1911. Suspenso em Março de 1911 |
Mensageiro do coração de Jesus |
Lisboa |
1910 |
União Popular |
Braga |
N.º1(1910)-N.6(1910) |
Vida catholica |
Évora |
N.º1(1910)-N.º (1910) |
A voz da juventude |
Lisboa |
N.º1(1910)-N.º (1910). Continua como revista em 1913 e como jornal em 1914 |
Obs. Em 1910, publicava-se um periódico da Igreja Baptista em Portugal:
Estandarte baptista. Orgão da Igreja Baptista Portuguesa |
Porto |
1910 |
[1] Cf. História Religiosa de Portugal, vol. III, pág. 72.
[2] Cf. História Religiosa de Portugal, vol. III, pág. 70.
[3] Cf. História Religiosa de Portugal, vol. III, pág. 70.
[4] J.I. Roquete – Paris: Guillard e C.a, 1878, 422 p.
[5] Hebdomadário defensor dos interesses do operariado Catholico, 1899-1907. Em Agosto de 1907 foi fundido com «Democracia Cristã», dando origem a «O Grito do Povo e a Democracia Cristã», 19.Agosto.1907 – 15.Março.1913.