Comunicação social é protagonista no crescimento das crianças

Infância, Cidadania e Jornalismo estão em debate na Fundação Calouste Gulbenkian. Um seminário, que termina amanhã, e pretende aprofundar, com base num estudo científico, a forma como as crianças recebem os meios de comunicação, são neles retratadas e, a partir deste quadro, envolver entidades para a promoção do seu crescimento e direitos. Nuno Leandro, da Comissão Organizadora do Seminário admite ser essencial envolver as crianças na discussão sobre os riscos que correm com os meios de comunicação. Numa sociedade globalizada, complexa e mutante, “uma sociedade que é de risco em muitos aspectos”, a comunicação social tem uma influencia determinante “na interiorização da concepção dos direitos da criança e na contribuição para que essa concepção de direitos se traduza na concretização em cada criança”, refere ao programa ECCLESIA. Este seminário permite reflectir, com base científica, sobre as notícias que têm como objecto a criança, para que “a partir da realidade já interpretada cientificamente, possamos elaborar políticas, estratégicas e acções compatíveis com essa necessidade”, aponta o responsável. A criança é um sujeito de direito, logo “o seu direito à imagem e à privacidade deve ser respeitado”. Veiculada está também a ideia de que a criança “não é passiva, estando cada vez mais presente a sua participação e interactividade”. Para isso, é necessário “dar-lhe a palavra, ouvir os seus interesses e possibilitar um respeito grande, colocá-la no centro da nossa preocupação, afastá-la de circunstâncias que afectam o seu desenvolvimento, como a pobreza, a disfuncionalidade familiar, ou outras formas de exclusão”. Foram lançadas desafios de educação para a auto protecção da criança e auto desenvolvimento, sem ser apenas objecto de protecção, aponta Nuno Leandro, que acrescenta ser de evitar a «histeria colectiva» que alguns meios de comunicação social fazem nascer. “Os casos negativos devem ser noticiados”, mas enquadrados num contexto que a investigação jornalística fornece, proporcionando uma reflexão que evite preconceitos, “desenvolvam o dever de cidadania e promovam os direitos da criança”. “Não actuarmos com base em medos mas com afectos e responsabilidades”, acrescenta. A coordenadora do “Projecto de Investigação Crianças e Jovens em Notícia” explica que se pretendeu fazer um trabalho exaustivo centrado num ano de notícias. “No dia a dia não há percepção dos padrões das notícias, mas é possível fazê-lo num ano”, afirma Cristina Ponte, professora da Universidade Nova e do Centro de Investigação Media e Jornalismo – CIMJ, que analisou mais de seis mil itens noticiosos de jornais impressos e televisionados portugueses do ano de 2005, que abordavam temas como educação, situações de risco social, saúde, assistência, segurança, entre outros. O Projecto de Investigação Crianças e Jovens em Notícia é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e desenvolvido pelo Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ) e pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC) com a colaboração da Direcção-Geral da Reinserção Social do Ministério da Justiça, do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa do Ministério do Trabalho e de Solidariedade Social, de estabelecimentos de ensino do Ministério da Educação e da Associação “Crescer Ser”. Maior maturidade para os media Este estudo teve como objectivo dar uma atenção a tudo quanto saiu sobre crianças e jovens até aos 18 anos e dar conta dos temas mais e menos recorrentes, chamando a atenção para essas lacunas e para uma “certa hegemonia”, pois os temas são muito poucos e recorrentes. “É interessante dar conta desta realidade aos jornalistas, a quem está na sociedade e a quem trabalha com direitos de crianças e jovens”, chamando a atenção para a necessidade de terem “uma atitude mais pro activa, fazendo chegar aos jornalistas matérias que podem ser alvo de um tratamento mais profundo e interessante”. O medo é o assunto mais retratado nas notícias. As preocupações dos pais com a falta de segurança, é outra questão abordada, mas não exclusivamente portuguesa. “A forma como o jornalismo se cinge a uma pequena notícia sem procurar alternativas e enquadramentos que capacitem as pessoas para enfrentem situações difíceis, alimenta esse discurso do medo”, explica a docente da Universidade Nova. Sobre a violência sexual, um tema que “aparecia menos em 2000 do que em 2005”, alimenta-se a ideia de que “existe quase um pedófilo em cada esquina”. É evidente que o problema da violência sexual “é grave, mas deve ser tratado do ponto de vista complementar”, abordando a educação dos filhos e preparando-os para que saibam identificar as situações em que estão a ser abusados e fornecendo informações sobre as denúncias, “numa cobertura jornalística que seja mais do que a mera exposição”. Acerca de maus tratos infantis, Cristina Ponte recorda, em 2005, alguns casos dramáticos e da parte do jornalismo “houve interpretação sobre o que está a corre mal no sistema de protecção, demonstrando um trabalho que não ficou pela exposição do facto, mas procurou dar uma perspectiva mais explicativa e mais interpelativa das responsabilidades públicas e políticas”. A educação é outro tema muito presente na agenda, mas as crianças são apresentadas enquanto alunos e “servem para colorir as peças”. O coordenadora do projecto avança que seria interessante dar conta de “todo o ambiente escolar, onde as crianças chegam com culturas e línguas diferentes, apresentando-a como uma local de integração”, pois acredita que a “agenda pode ser mais aberta, diversificada e interessante do que a que encontramos”. Pede-se por isso uma “maior maturidade aos media, uma maior sensibilidade, onde a ética tem um papel fundamental”, na defesa das imagens de crianças que estão em situações de risco social e que não devem ser expostas, “uma maior interpelação da sociedade para que não espere sempre as mesmas fontes, que em geral são as oficiais”. Este projecto, que ouviu crianças e jovens sobre notícias, deu conta que “elas não vivem alheados das notícias”, aponta Cristina Ponte, “acompanham notícias que os preocupam e é importante que haja, da parte da sociedade, uma maior atenção dos jornalistas para a forma como alguns temas são cobertos para contrariar esse discurso do medo”. Aproximar jornalistas e realidade Maria João Malho, em representação do Instituto de Apoio à Criança – IAC, aponta que uma das conclusões apontadas é a pouca visibilidade da criança portuguesa na comunicação social. “Há muitas notícias sobre crianças mas sempre sobre o mesmo assunto”, explica, ficando de fora “a parte positiva que queremos mostrar, com o outro lado de projectos de intervenção comunitária, que defendem e promovem as leis de protecção das crianças, levar para o público em geral, a noção da criança e o que se passa em Portugal sobre a criança”, defende. Daí a importância que o IAC atribui a esta parceria com o CIMJ e na divulgação pública dos dados recolhidos por uma pesquisa científica. No seminário, a decorrer até amanhã, serão ainda apresentados resultados de estudos exploratórios onde as crianças foram ouvidas, na zona de Lisboa e Castelo Branco, que se encontram em instituições tutelares e centros de acolhimento. “Fomos conversar com as crianças sobre o que elas pensam sobre as notícias que falam delas, qual a percepção que têm de um jornalista, como se escreve uma notícia”, explica a Maria João Malho. “Demos conta que a maioria das crianças vê os telejornais mas não conversa com ninguém sobre as notícias”. Em 2008 o IAC vai organizar, em parceria com a Comissão Nacional e com o CIMJ, oficinas ou workshops para estabelecer relações com jornalistas “e vice versa”, pois Maria João Malho aponta a necessidade de se aprender a linguagem rápida, concisa e eficiente, “mas os jornalistas têm que nos saber escutar e saber interpretar os dados científicos”, sublinhando ainda que “este é um percurso que deve ser feito em conjunto para bem das crianças, para uma sociedade melhor, onde os direitos da criança e humanos sejam respeitados”.

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