Combater a pobreza, um compromisso global

Alfredo Bruto da Costa assume funções como novo Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz Bento XVI associa o Dia Mundial da Paz, assinalado a 1 de Janeiro, à erradicação da pobreza. Para o Papa a erradicação da pobreza é uma forma eficaz de construir a paz. Convidado do programa Ecclesia, Alfredo Bruto da Costa, novo Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz e também Presidente do Conselho Económico e Social comenta a mensagem do Papa e reflecte sobre as várias dimensões da pobreza na sociedade portuguesa e internacional. Ecclesia – Independentemente da ganância dos homens, a pobreza, nas suas diversas vertentes, é hoje um terreno extremamente fértil para o conflito e para a violência? Alfredo Bruto da Costa- Um dos aspectos mais importantes da mensagem do Papa é precisamente a relação estabelecida entre a pobreza e os conflitos. Existe um círculo vicioso. Por um lado, a pobreza é um terreno propício até para conflitos armados. Por outro lado, uma situação de conflito também gera pobreza. É mais fácil as pessoas perceberem que uma guerra pode produzir pobreza do que perceberem que a pobreza pode conduzir as massas a actos de violência graves. É muito importante que o Papa tenha realçado este lado do círculo vicioso. Outro ponto importante é que o Papa vai ao fundo das questões. Em diversas passagens, ele não se limita a atitudes mais ou menos benévolas perante os pobres. O Papa fala mesmo de mudança de comportamentos e atitudes, fala da injustiça dos sistemas, e levanta dúvidas sobre se não estaremos a dar ênfase exclusivamente a acções assistênciais com prejuízo de ir às causas dos problemas. Aqui, Bento XVI está a dizer que a assistência é má. Se uma pessoa tem fome é preciso dar-lhe alimento, mas o problema está em ficar-se por aí. Ecclesia – A pobreza e os conflitos trazem à memória imagens recorrentes de algumas regiões africanas e também em algumas zonas do Médio Oriente. Mas aumenta o fosso entre ricos e pobres, em especial nos países desenvolvidos. Recentemente vimos as ruas de Paris e da Grécia incendiadas. Podemos afirmar que a tensão social mora na nossa rua? ABC – Poderemos dizê-lo mas com algum cuidado, pois não podemos ser alarmistas. Devemos afirmar que os problemas que estão relacionados com a fragmentação da sociedade, estão a ser abordados sectorialmente. O problema dos pobres, dos imigrantes, dos marginalizados de diferentes áreas são abordados parcelarmente. Penso que falta uma reflexão global sobre todos estes factores de fragmentação que poderia conduzir a uma linha que o Conselho da Europa tem designado por coesão da sociedade. Para além de resolver aspectos sectoriais de vários factores de fragmentação social, devemos fazer uma análise sobre o que é uma sociedade coesa. A meu ver, falta esta reflexão. Tenciono nos primeiros meses do ano ter alguma iniciativa neste âmbito. Ecclesia – Portugal aparece, recorrentemente, quando falamos de níveis de desenvolvimento, nos últimos lugares do ranking da Europa comunitária, e no primeiro quando se trata de apontar índices de pobreza. Há coesão social no nosso país que nos permita ter optimismo nos próximos tempos? ABC – Penso que não. O problema da coesão social não é só detectável em função da violência ou de actos de conflito. Uma parte da nossa pobreza é a chamada pobreza tradicional e os pobres, tradicionalmente pobres, em muitos casos pobres ao longo de várias gerações, têm normalmente uma atitude conformada. Não são estes que criam o desassossego ou a instabilidade social. O que está a acontecer é que, entre os pobres, estão a surgir grupos que nunca foram pobres, e por isso, a pobreza, surge para este grupo como um factor de instabilidade emocional e psicológica que é propicia a actos violentos. Por outro lado, não sabemos qual a razão que pode desencadear uma situação de instabilidade social. Enquanto esta instabilidade social se mantiver na periferia, até geográfica, corremos o risco de não a valorizarmos o suficiente. A somar aos novos tipos de pobreza, há ainda um outro factor, apontado por sociólogos – a desigualdade, mais do que a pobreza, pode ser um factor de instabilidade social. Quando as pessoas percebem a sua condição de pobreza, mas que há outros que são ricos no mesmo contexto, e são ricos de uma forma que ninguém entende, isto é mais propício a criar revoltas e contestações e, em última instância, a contestar o status quo da sociedade. Pobreza esquecida Ecclesia – Os governos reagem em função da manifestação de rua. São frequentes os relatórios que anunciam estes dados, dando a sensação que todos estes fenómenos já eram conhecidos e as próprias pessoas já estavam habituadas a ouvir falar neles e, de repente, as coisas só mudam politicamente e a nível legislativo quando a multidão sai à rua descontrolada. ABC – Eu recordo uma nota da mensagem do Papa onde ele aponta que um dos males é a desproporção entre a gravidade da pobreza e os meios que são colocados para lutar contra a própria pobreza. Alguns sinais que temos, tanto na Europa como no mundo, são um indicador da nossa falta de atenção à violação dos direitos humanos, ao desrespeito pela dignidade humana que corresponde a situações de pobreza. Esperamos pela instabilidade social para nos darmos conta do que é mau. Enquanto isto não acontece, vamos gerindo a pobreza com algumas medidas, normalmente de cariz social. A pobreza é um problema de política social, mas antes de mais, é um problema de política económica. Ecclesia – Bento XVI, na sua mensagem, foca também um outro tipo de pobreza – a pobreza amoral, relacional, espiritual, falando de pessoas confortáveis a nível económico, mas desorientadas pessoalmente. Isto pode gerar igualmente uma situação de pobreza merecedora de reflexão? ABC – A palavra pobreza pode ser aplicada de forma extensa. Hoje não podemos entender a pobreza sem entender o que, cientificamente, chamamos de exclusão social. Pobreza está mais ligada a falta de recursos. Sabemos que hoje existem inúmeras situações de pessoas idosos, de imigrantes, de pessoas deficientes, cujo problema central não é a falta de recursos, embora possa haver uma duplicação de problemáticas, mas são pessoas que mesmo que sejam abastadas são excluídas da sociedade. Este é um problema que não pode ser ignorado e que tem de ter o mesmo tratamento e atenção que a pobreza material. Mas Bento XVI levanta ainda outra questão. De uma forma pouco explícita, o Papa foca formas de egoísmo, modelos de felicidade e um centralismo no interesse pessoal. O Papa afirma que uma forma de olhar a globalização de modo completo, é acrescentar à dimensão económica e sociológica, uma dimensão moral e espiritual. Bento XVI afirma que para entendermos a globalização temos de ter em conta estas duas dimensões. Podemos partir do princípio que tudo é resolúvel por políticas económicas, por medidas ditadas pela sociologia, quando a globalização é um fenómeno humano muito mais complexo. Bento XVI retoma uma expressão de João Paulo II – «a ecologia humana». O ser humano tem de ser visto em todo o seu contexto – material, ambiental e social. Só assim podemos dizer que se respeita a dignidade humana e os direitos humanos. Ecclesia – Bento XVI recorda também João Paulo II ao referir que os pobres não podem ser um fardo a carregar e a alimentar, mas têm de ser inseridos no processo produtivo e considerados. Mas ultimamente, e fazendo referência à crise financeira e económica, os Estados dos país mais desenvolvidos mobilizaram-se em medidas suplementares de apoio. Isto está a criar alguma perturbação na sã concorrência e, mais uma vez a dificultar o acesso dos pobres aos circuitos de produção de riqueza. ABC – Devemos reflectir sobre se o sistema, tal como se encontrava, estava correcto. João XXIII falou em 1963, na sua Encíclica Pacem in terris na necessidade de se criar o conceito de bem comum mundial. Já nessa altura se sentia que o próprio conceito de bem comum não podia ficar limitado às fronteiras dos Estados-nações. Por isso mesmo, João XXIII dizia ser preciso criar uma autoridade pública mundial. Bento XVI indica uma ordem jurídica e um quadro legal efectivo quando fala em ordem mundial, em comércio e noutras transações. As décadas do neoliberalismo, completamente dependentes do mercado, pensando que este faria a justiça por si próprio, mostraram o contrário. Tal como acontece com o mercado, acontece também com a globalização. A globalização tem muitas virtudes, mas entregue a si própria não resolve o problema da pobreza e da paz. Tem de ser orientada e guiada. Ecclesia – O Papa dirige-se aos homens de boa vontade mas também aos crentes, católicos e comunidades cristãs. No seu entender que desafio toca a cada cristão neste momento? ABC – O Papa utiliza um conceito e uma citação da Bíblia que, no meu entender, são muito importantes neste contexto. O conceito aponta a opção preferencial pelos pobres. Isto não é um elemento secundário do pensamento cristão. O amor pelo próximo é um amor universal, mas dentro desta condição, há um amor preferencial pelos pobres e os cristãos não levam isto a sério. A citação do Evangelho de São Lucas da multiplicação do pão e peixe mostra de forma clara que os apóstolos sacudiram o problema e Jesus contrariou essa tentação. Há um calculo meramente humano por detrás deste pensamento, mas Deus não faz nada sem o contributo dos homens. Por pouco que seja o nosso contributo, desde que colocado nas mãos de Jesus, nunca sabemos o resultado final. Novidades na CNJP Ecclesia – Neste dia 1 de Janeiro assume a presidência da CNJP. Não faltarão desafios para a Comissão intervir neste momento particularmente tenso de injustiças sociais e instabilidade económica. ABC – Ainda não reuni com a Comissão e por isso não posso falar claramente das grandes linhas do programa do meu mandato. O que posso afirmar é que vou apresentar à CNJP algumas preocupações que tenho e colocar ao nível do mandato de três anos o problema da coesão da sociedade portuguesa. Na linha do que referi, há várias dimensões que tendem para a fragmentação da sociedade e gostaria que a Comissão contribuísse para promover uma reflexão séria e, eventualmente, produzir intervenções e propostas públicas. Como são três anos, em cada ano, gostaria de desenvolver um aspecto importante dessa coesão. Ecclesia – Que vias de comunicação pode encontrar a CNJP para tocar os portugueses e chegar aos cristãos? ABC – Um grande desafio colocado à Comissão conseguir ser uma presença real na sociedade. Conto convosco, antes de mais. Mas também com essa ideia, quis incluir um perito em comunicação social que nos ajude a dialogar e a estabelecer relações úteis com os meios de comunicação social. Para além dos meios de comunicação social, há outras formas de ter uma presença pública, através de seminários e conferências. Lançaremos mão a todas as oportunidades. A Comissão tem também uma função dentro da Igreja seguindo a Doutrina Social da Igreja. Sem prejuízo da linha ad extra, gostaria que a CNJP ajudasse a colocar a Igreja no serviço ao mundo. Gostaria que a Comissão adoptasse este modelo no seu modo de ser e de intervir.

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