Com os media e com os imigrantes

Ao deixar há três anos o Secretariado Diocesano de Pastoral de Migrações, de Setúbal, para assumir funções na Direcção Nacional da OCPM, o meu relacionamento com a comunicação social mudou do dia para a noite. Sinto saudades do anonimato a que me tinha habituado. Permanecendo um consumidor assíduo de informação, passei, por inerência do cargo que os bispos me confiaram, a ser também actor e produtor de informação, fazedor de opinião e divulgador de ideias e acções do meu pequeno mundo: a migração. No início do meu mandato, um homem experiente nesta área, deixou-me sabiamente este conselho: “Mantém bom relacionamento com os Media. Procura estar disponível. Tem também cuidado com o que dizes. O resto aprenderás com o passar do tempo”. Reconheço que tem sido bastante difícil esta aprendizagem porque obriga a que a minha voz, rosto, imagem, ideias e meus limites sejam expostos, de maneira fragmentada e sem possibilidade de recurso imediato, na opinião pública. O expor-me não é uma situação totalmente nova para mim. Desde há algum tempo que estou habituado a ser julgado por quem me ouve numa igreja ou numa reunião, mas ser julgado por todo o tipo de público através da rádio, televisão ou jornal, em directo ou em diferido, é outra coisa, é outra responsabilidade. Este mundo exige profissionalismo no comunicar e muito cuidado com a imagem. Parece-me não interessar prioritariamente a “realidade real”, mas a sua percepção. Talvez com o tempo eu… Na verdade, o tempo tem-me ensinado que a Comunicação social possui as suas “estações do ano” e “obsessões informativas”. Muitas vezes, nós – sociedade civil – temos que esperar o momento oportuno para lançar alguma mensagem, iniciativa ou protesto com a devida eficácia e espaço. Por exemplo, andando (pre)ocupados com os incêndios ou entretidos morosamente com a pedofilia, os Media deixam tudo o resto, por mais importante que seja, na penumbra de um desesperado limbo porque secundário é pouco rentável para os editores e empresas. À sociedade civil não resta mais que o silêncio e a satisfação de ter sido ouvida pelo pequeno grupo. A sociedade civil (as grandes organizações já aprenderam a fazer, mas as pequenas enfrentam maiores obstáculos) têm de ir ao encontro dos media, sejam de âmbito nacional ou regional. Têm que saber seduzir e, ao mesmo tempo, saber estar disponível. Têm que procurar captar a atenção, interesse e amizade de algum jornalista ou órgão de informação para que cresça a difícil relação da sociedade civil – onde se insere a Igreja – com os poderosos meios de Comunicação social. Urge uma sensibilização recíproca sobre a imigração. Uma aliança de transparência. Ambos olhares sobre a mesma realidade tem que se encontrar e desencontrar, dialogar e desafiar pois nenhum consegue dizer toda a verdade sobre a realidade. A experiência do recém Colectivo de Organizações Católicas para a imigração (CORCIM) tem procurado uma aliança com os media. Temos “entregado” aos media os nossos comunicados e apelos para rasgar os limites do nosso auditório. Queremos ser sinal de uma Igreja que é transparente e que toma, em nome do Evangelho, posição sem medo sobre as grandes questões ao redor da Imigração. O silêncio nesta matéria é altamente lesivo dos direitos humanos dos imigrantes e da coesão social. Os media tem sido bons aliados, apesar de nunca dizerem tudo como nós gostaríamos…. Porém, tem dado atenção aos nossos apelos e é isso que, afinal, interessa. Se não aparece nos media parece que não existe! Queremos contribuir para o debate nacional e público sobre a Imigração e os media tem enriquecido este debate com a sua pluralidade de posturas e de denúncias, notícias e reportagens. Enfim, o tempo tem-me ensinado que a Imigração é uma realidade muito mediática, para o bem e para o mal. As nossas organizações já se viram desfocadas na imagem e distorcidas nos seus textos ou declarações. Contudo, compreendemos que este é o risco que se tem de correr quando se quer ser voz de outros que não têm voz ou são sistematicamente silenciados por alguns Media nas mãos de alguns grupos económicos que querem manter os imigrantes na irregularidade e exclusão para assim poderem, sem entraves, engrossar os seus lucros. Não obstante tudo, quero afirmar a nossa gratidão para com a Comunicação social portuguesa que se tem revelado um parceiro fundamental na divulgação da diversidade cultural, das denúncias e na integração social e religiosa das diferentes comunidades, chegando mesmo a “pressionar” o poder político para que intervenha positivamente em favor da justiça e da solidariedade e o “poder económico” para que deixe a sua atitude hipócrita assumindo, de uma vez por todas, que os “indesejáveis” imigrantes são afinal precisos por que decisivos para a sobrevivência da economia e do “modelo social” de Portugal e da Europa. No tempo questiono-me sobre o que deverá fazer a Igreja, em sintonia com toda a Sociedade civil, para contrariar a enraizada estigmatização dos imigrantes negros, a demonização crescente das mulheres brasileiras, a histórica exclusão dos ciganos, a exaltação desmedida dos europeus de Leste ou mesmo a imagem desfocada que, em geral, os media apresentam da própria Igreja? Algo terá que ser feito para a construção de uma sociedade integrada. E se um dia toda a sociedade civil se juntasse de forma organizada e plural e realizasse uma grande manifestação de rua em defesa da regularização e integração dos imigrantes para chamar a atenção da opinião pública do país e do mundo para a actual situação destes cidadãos, qual seria a atitude e interesse da Comunicação social? Conhecendo com apreensão os resultados de alguns estudos sobre a percepção dos portugueses a respeito da Imigração, seria um grande desafio ao papel formativo e pedagógico que os media também encerram… Pe. Rui Pedro cs

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