Coimbra: Homilia da Missa Crismal de D. Virgílio Antunes

Caríssimos irmãos e irmãs!

Ao proclamar o texto da Profecia de Isaías na Sinagoga de Nazaré, Jesus assume a linha condutora de todo o seu ministério público, inicia a sua ação de libertação e salvação da humanidade e dá cumprimento à realização da vontade do Pai.

As suas palavras conclusivas são de comentário ao texto que acaba de ler e de confirmação da sua missão: “Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”. Naquele “hoje”, Jesus inicia o cumprimento da grande promessa de Deus que é todo o Antigo Testamento e inaugura a proclamação do “ano da graça do Senhor”, que continuará presente dali para a frente.

Ao mesmo tempo, aquela ação e proclamação dirige-se à comunidade cristã nascente, à Igreja e a todos os leitores do Evangelho: a Igreja assumirá a missão de continuar a fazer a mesma proclamação de Jesus e os que a ouvirem poderão acolher o presente da salvação de Deus que lhes é oferecida nos futuros momentos da história.

O Evangelista Lucas precede este texto com uma referência à presença do Espírito Santo na Pessoa de Jesus, numa alusão ao batismo em que foi ungido e à missão que vem realizar em favor da humanidade. É o mesmo Espírito Santo que realizou em Maria a obra de Deus, que conduziu Jesus ao deserto e que, agora, está presente n’Ele para que se cumpra a vontade salvífica de Deus.

O conteúdo do texto de Isaías lido por Jesus na Sinagoga de Nazaré está diretamente ligado à situação daqueles que regressaram do exílio da Babilónia a Jerusalém e que se encontram numa situação particular de pobreza material, de cativeiro por causa da sua situação económica e social, de cegueira devido à sua falta de esperança e de opressão por causa dos seus pecados.

Jesus assume a sua missão na relação com todos eles e em todas as suas situações, como a assumirá na relação com os que hão de experimentar situações análogas naquele tempo e nos tempos que virão. Para eles proclama uma realidade nova, uma salvação que é radicalmente diferente da que experimentaram naquela experiência história enquanto Antigo Povo de Deus. Estamos diante de algumas categorias de pessoas que sempre existiram e que sempre existirão.

Num primeiro sentido, os pobres no Evangelho de Lucas são os que não têm os meios materiais necessários para viver. Várias vezes Jesus fala da necessidade de os ricos os acolherem, de os auxiliarem e de partilharem com eles os seus bens, em atitude de justiça e de caridade. Mas, os pobres, num segundo sentido, são os que sentem necessidade de Deus e estão disponíveis para aceitar a Boa Nova de Jesus, de acordo com a primeira das bem-aventuranças, na versão de Lucas: “felizes vós, os pobres” Lc 6, 20), ou na versão de Mateus: “felizes os pobres em espírito” (Mt 5, 3). Deste modo, nos pobres estão incluídos todos os que, humildemente, acreditam que a salvação está no Senhor e não nas suas próprias capacidades ou na sua própria vontade, pois é sempre um dom recebido sem mérito da sua parte.

Os outros grupos de pessoas referidos, os cativos, os cegos e os oprimidos, são sempre constituídos por pessoas dependentes e necessitadas de auxílio, libertação, perdão e consolação. Com o anúncio da Boa Nova por meio da pregação e com a realização de sinais miraculosos, Jesus vem ao seu encontro e fá-los experimentar a misericórdia de Deus. A fé que alguns manifestam é o sinal de que viram, ouviram e experimentaram na carne, na mente e no coração a ação de Deus por meio do seu Filho Jesus, o Messias prometido e agora presente no meio deles.

 

Caríssimos irmãos, sacerdotes! Sendo esta a feliz notícia do Senhor, somos verdadeiramente abençoados e felizes se a acolhemos como pobres, cativos, cegos e oprimidos. Abundam em nós os sinais dessa debilidade e pecado, que nos mostram como estamos carenciados dela e como precisamos de a escutar e de a acolher, com humildade de espírito. Não pode haver em nós nenhuma forma de superioridade ou arrogância que nos impeçam de acolher a salvação de Deus como um dom.

Sempre que agimos como senhores do Evangelho ou como os ricos referidos pelos profetas ou por Jesus, estamos a confiar mais em nós do que n’Ele, estamos a rejeitar os méritos da salvação alcançada por Cristo na cruz e a pôr-nos no lugar do Único Salvador. Nós somos servos de Deus e chamados a proclamar por palavras e obras a Boa Nova de Jesus Cristo, não por mérito, mas por graça.

No exercício do ministério que nos foi concedido e no lugar que ocupamos dentro da comunidade cristã, há muitas tentações, e uma das maiores consiste precisamente em nos deixarmos deslumbrar pelo poder, tanto humano como espiritual, que é sempre prejudicial para a vida do Povo de Deus. Reafirmamos, hoje, a consciência de que somos servos e de que é na pobreza material e espiritual que realizamos a nossa vocação de discípulos de Jesus, Aquele que, sendo rico se fez pobre e que, sendo Deus, se aniquilou para assumir a nossa condição.

Como havemos, então, de anunciar a Boa Nova aos pobres, de proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, de restituir a liberdade aos cativos e proclamar o ano da graça do Senhor?

Jesus é o nosso mestre e o nosso modelo, o mestre e o modelo de toda a Igreja. As nossas palavras serão vazias de significado se não são as palavras de Cristo; os nossos gestos não entrarão no coração da humanidade se não são realizados segundo o coração de Cristo. Precisamos de nos deixar preencher pelo Espírito Santo, Aquele que realiza em nós a obra de Jesus; precisamos de um espírito verdadeiramente pobre.

Os teólogos têm-nos recordado frequentemente que sabemos pouco de Deus e conhecemos pouco do mundo, ou seja, das realidades experimentadas e vividas pela humanidade. Podemos ser cristãos e sacerdotes pouco adentrados nos mistérios de Deus, por falta de teologia, de espiritualidade e de fé encarnada na entrega da própria vida. Nessa altura, tornamo-nos mundanos e emudecemos a Feliz Notícia que devia ecoar em nós. Podemos também ser cristãos e sacerdotes distantes da realidade da vida dos nossos irmãos, incapazes de compreender e partilhar as suas alegrias e sofrimentos.  Nessa altura, ofuscamos a luz de Cristo que devíamos fazer brilhar.

Jesus mantem-se constantemente em união íntima com o Pai, conhece o Pai, ama o Pai, acolhe a sua vontade e realiza a obra que o Pai lhe entregou até à morte de cruz.

Jesus conhece os homens e mulheres, que vivem, se alegram e sofrem. Jesus conhece o mundo ao qual foi enviado, entra nas realidades humanas que encontra nos seus caminhos. A sua palavra é libertadora, é de perdão, é de estímulo, é de confiança e dirigida a pessoas concretas. Os seus gestos e sinais brotam do coração de Deus e são suscitados por cada um dos que se lhe apresentam com coração de pobre.

Caríssimos irmãos, este é o caminho da Igreja e é o nosso caminho de sacerdotes e ministros do Evangelho. Com coragem renovada, comprometamo-nos a conhecer e amar mais a Deus, a conhecer e amar mais a humanidade que Jesus liberta e salva.

Coimbra, 14 de abril de 2022

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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