José Maria Montenegro
Tomando consciência das múltiplas ocasiões em que fomos e somos esses «eles», mesmo não sendo os tais políticos de que nos queixamos, entra a pergunta mais difícil: como somos «nós» quando somos «eles»?
A ideia – a sedutora e mediatizada ideia – de que vivemos uma crise de líderes, de representantes, de políticos em geral, que, depois, desagua num vazio de propósitos coletivos, identificáveis e mobilizadores, é tão incontestável quanto ambígua. Sim, ambígua. Porque é uma ideia (ou um diagnóstico) que tem muito pouco de consequente, que se fica comodamente pela conclusão e que não penetra na consciência pessoal (que é sempre onde se gera a eventual e desejável mudança).
É nesta ambiguidade que se inscreve o «nós» e «eles» a que deu eco o João Miguel Tavares no seu tão propalado discurso do 10 de Junho último.
Não é propriamente a imagem do «nós» e «eles» que aqui enjeito – porque corresponde a um sentimento geral que tem arrimo nos factos tal como os podemos descrever e testemunhar. O que enjeito nesse «nós» e «eles» é o que venha a ser isso do «nós» e «eles», ou quem são, afinal, os «nós» e os «eles» que protagonizam o ambiente de crise que sentimos. Porque não chega preencher esses grupos com base na divisão fácil em que de um lado estarão os «cidadãos comuns» (nós) e do outro os «políticos» (eles). Isso, convenhamos, qualquer um, com mais ou menos eloquência e de voz mais ou menos grave, saberá fazer dos púlpitos a que possa aceder ou, pelo menos, de um qualquer teclado ou smartphone à sua disposição.
A pergunta a colocar é parecida, é igualmente simples, mas é outra. E, em boa verdade, são duas.