Cinema: Ruínas com histórias para contar

O filme abre de forma bastante grotesca: a narração de um sórdido e verídico caso de “embalsamamento” cometido por uma mulher que a todo o custo quis garantir, enquanto viva, a presença de alguém que muito amava e acabava de morrer. Não lhe bastava, pois, a memória nem a evocação.

Deste extremo para diante, “Ruínas” de Manuel Mozos segue uma linha bem mais simpática, enveredando por um caminho de histórias contadas, como o nome sugere, a partir de fragmentos de existências passadas.

“Ruínas” é um documentário com o seu quê de ficção se pensarmos que aos tais pedaços de história que encontra – ou melhor, procura, pois nada é destituído da intencionalidade do realizador -, Manuel Mozos escolhe o que deve acrescentar: se apenas uma multiplicidade de planos, criteriosamente escolhidos, se o som natural, se a palavra, através de registos escritos, narrados, de fontes várias que nos levam a desvendar o completo retrato do objecto focado.

É assim que descobrimos o restaurante, outrora ilustre, “Panorâmico de Monsanto” (que recentemente vimos no curioso, crítico e interessante filme de Inês de Oliveira, “Cinerama” como cenário para uma mordaz perspectiva sobre a decadência de alguns ambientes empresariais); a memória do bairro social da central eléctrica de Picote, com detalhes e planos que ilustram bem a sua arquitectura e a sua história habitada. Assim nos são, igualmente, desvendadas, sem palavras, as ilusões e desilusões de parte dos trabalhadores da antiga CUF, no Barreiro, ao longo do tempo. Ou, ainda, a história do Sanatório das Penhas da Saúde, com o sentido da sua existência plenamente evocado.

De uma forma única, com o recurso estritamente necessário ao som, imagem ou movimento, “Ruínas” tem a extraordinária capacidade de, por momentos contados por um relógio, fazer renascer a vida destes e de outros lugares e daqueles que os habitaram.

Margarida Ataíde

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