Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
No dia 22 de Abril celebramos o Dia da Terra. Vale a pena? Há muitos anos que a Conferência das Partes (COP) juntam inúmeros países de todo o mundo e mesmo diante dos compromissos, as nações demonstraram a sua incapacidade de cumprir aquilo a que se comprometem. Na prática, o valor económico sobrepõe-se à necessidade ambiental. Por isso torna-se legítimo questionar: que visão temos da Terra do Futuro?
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No dia 19 de Maio começa mais uma semana Laudato Si’ que dura até ao dia 26 de Maio. Nesta semana, várias actividades ocorrerão por todo o mundo para sensibilizar o nosso interior e os nossos actos para a emergente necessidade de rever os nossos estilos de vida física e intelectual. Porém, de entre estes dois estilos de vida, a visão da Terra do Futuro é mais afectada pela nossa vida intelectual, não entendida como ser-se muito erudito e inteligente, mas antes como assente na sede de saber, curiosidade em aprender coisas novas e humildade no reconhecimento de que não compreendemos sempre bem tudo o que pensamos saber.
Na década de 1970, o inventor James Lovelock propôs a Teoria Gaia que concebe a Terra como um organismo vivo, capaz de autorregular as suas condições ambientais para sustentar a vida. Inspirado pelo seu trabalho como cientista independente e através da colaboração com a NASA em projetos de exploração espacial, Lovelock desenvolveu a teoria ao observar os padrões de composição atmosférica e interações entre os sistemas biológicos e abióticos da Terra. A visão que oferece da Terra assemelha-se a um corpo, como o nosso, que se aumentar 1.5-2ºC fica doente e cheio de febre e tudo o que de cataclísmico se passa com o corpo reflecte a intenção de reencontrar um novo equilíbrio.
Na Laudato Si’ e Laudate Deum, o Papa Francisco apresenta uma outra visão da Terra: uma casa comum. A Terra partilhada entre a humanidade e todas as formas de vida e matéria, é a casa onde habita a família da criação. Inúmeras vezes, Francisco reforça a ideia de que tudo está interligado, não apenas nós com os nossos sistemas de comunicação digital e presencial. Estamos ligados à natureza e convidados a uma união particular com Deus através da experiência desses relacionamentos. Na visão da Terra como Casa Comum, Francisco orienta com as palavras o nosso coração para a responsabilidade de proteger e cuidar dos ambientes naturais como uma expressão de cuidado com o próximo e lugares de vivência da presença do Criador. Serão estas visões da Terra como organismo ou casa comum suficientes para afectar a vida intelectual que nos orienta na vida física?
Toda a mudança profunda leva tempo. Não podemos esperar mudar a cultura como mudamos de tecnologia com um modelo novo. E a aceleração vivida pela capacidade que temos em nos movermos digitalmente de um canto ao outro deste planeta em instantes, é incompatível com as alterações culturais necessárias para enfrentar os desafios das alterações climáticas. Talvez o que não esteja em causa seja o conteúdo da visão da Terra como corpo e casa, mas o modo como orientamos o nosso olhar. Olhamos demasiado para o que é imediato, instantaneamente gratificante, em vez de contemplarmos longe e profundamente. Longe em tempo, menos em distância, e profundo na compreensão das reais implicações das escolhas que fazemos. Mas serão estas as únicas visões da Terra? Serão visões somente do presente ou para o futuro?
O filósofo Timothy Morton propõe uma outra visão orientada por hiperobjectos, ou seja, coisas que estão sempre em mudança e são complexas demais para serem inteiramente compreendidas por qualquer pessoa ou comunidade, como seria o caso do clima. Outros ainda, como os indígenas, vivem uma visão da Terra como mãe, indo para além da noção do planeta como um organismo e atribuindo-lhe um aspecto essencial mais relacional. Porém, com a diversidade de visões no presente corremos o risco de no futuro gritar como Vasco Santana — «Visões há muitas, meu palerma!» — pelo que não vale a pena insistir numa única visão ou curso para a acção.
Em última análise, não importa que visão cada um tem, mas se tem visão sequer. Pela rua vejo sistematicamente as pessoas a olhar para o seu ecrã, imersas na última foto ou reel (pequeno vídeo), e questiono-me se se preocupam com a vida intelectual que alimenta o seu pensar. Todos pensamos, mas distraídos como estamos, arriscamo-nos a viver sem pensar ou pensar sem a necessária profundidade. Dito isto, a visão que cresce dentro de mim em relação à Terra do Futuro é a de uma humanidade que pensa mais sobre o que vive e sobre a ligação entre as razões de viver e o planeta que a alimenta e lhe oferece abrigo.
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