CIBERCULTURA – Para que servem os propósitos anuais?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Estamos a caminho do fim do ano 2023. Chegou o momento de rever os propósitos que fizemos e pensar naqueles que gostaríamos de definir para 2024. Alguns poderão sentir frustração nessa revisão, outros não. Por isso, questiono se valerá a pena ainda pensar em propósitos quando o mundo é tão incerto. Como alinhar os nossos propósitos com a Vontade de Deus? Qual a melhor via para esse discernimento dada a nossa nata incapacidade para qualquer tipo de futurologia? E se a realidade fosse que os nossos propósitos não se definem para ser cumpridos?

Imagem do DALL-E com prompt de Miguel Panão

A nossa vida não se reduz ao que fazemos, mas envolve todo um entrelaçar de decisões, circunstâncias, recursos, mas sobretudo, envolve uma visão. A dificuldade em cumprir com os nossos propósitos pode dever-se à pouca ou nenhuma clareza da visão que temos sobre a nossa vida. Por outro lado, uma vez ouvi que se quisermos fazer Deus rir, contemos-lhe os nossos planos. Ele não ri por troçar das nossas aspirações, mas talvez por serem superficiais e demonstrarem a tal falta de visão sobre o arco narrativo da nossa vida. Que tipo de vida é a tua?

Existem essencialmente três tipos: 3 D’s. A vida Determinada independentemente das circunstâncias, onde as pessoas centram-se de tal forma nos objectivos que pretendem atingir que não consideram relevante as interacções com os outros e o ambiente à sua volta. É um tipo de vida que leva à exaustão. Depois existe a vida à Deriva pelas circunstâncias, onde as pessoas não têm quaisquer objectivos e navegam ao sabor daquilo que lhes aparece no momento. É um tipo de vida que leva à desilusão. Por fim, existe a vida Desenhada com as circunstâncias, onde as pessoas são intencionais nas suas escolhas e procuram equilibrá-las com as escolhas dos outros. Parece o tipo de vida ideal, mas quando confrontada com a real, apesar do seu valor face às anteriores duas, pode levar ainda a uma certa frustração. Porém, existe um tipo de vida que desenvolvo no meu recente livro “Tempo 3.0” e que aproxima mais a Desenhada da realidade: a Vida Plena.

Na vida plena considera que em cada um de nós existe sempre um pouco dos anteriores três tipos de vida. Umas vezes, a vida está mais determinada, outras vezes, um pouco mais desorientada e das vezes em que é clara a intenção, a vida é realizada. A experiência do tempo como algo intrínseco a uma vida plena leva-nos a reconhecer que essa está em permanente transformação. É como se existisse uma dança entre as razões de fazer seja o que for e as circunstâncias como condições que tornam esse fazer possível.

Não chega organizarmo-nos melhor para sabermos gerir o nosso tempo sequencial, ou estarmos mais atentos para podermos aproveitar melhor as oportunidades que se revelam no tempo certo, ou ainda estarmos mais conscientes do tempo epocal que enquadra a nossa vida num arco narrativo da história que é maior e mais profundo. Por analogia à pericorese em Deus Trindade, onde não podemos contemplar o Pai, o Filho ou o Espírito Santo, sem ver em cada um deles os outros dois, a experiência do tempo numa vida plena é uma só na diversidade de expressões (sequencial, oportuno, epocal). Na vida plena procuramos definir e clarificar uma visão para o sentido e significado da nossa passagem por esta Terra. Uma visão contemplada por Deus em “sonho” antes de nascermos, mas que Ele nos dá a liberdade de encontrar, se quisermos.

A maior parte de nós define propósitos com a intenção de os cumprir e isso é positivo. Um exemplo pessoal. No dia 1 de janeiro de 2023 comecei a escrever o meu novo livro e criei o hábito de escrever todos os dias o número de palavras que pretendia. Umas vezes custou-me pouco e a escrita fluia. Outras vezes era mais difícil e a escalada pela parede daquela ideia parecia demasiado íngreme, mas optei sempre por persistir, em vez de desistir. Terminei o primeiro rascunho a 15 de março, celebrei contrato com uma Editora no final desse mês e o livro foi lançado a 15 de dezembro. Propósito cumprido. Porém, não foi isso que tornou a minha vida mais plena.

A metamorfose aconteceu no passo de consolidação da faceta da minha vida como escritor. Ou seja, eu já era escritor pelo facto de escrever, independentemente de ser publicado ou não o que escrevia. Ser escritor fazia parte da visão que tornava a minha vida plena, mas o propósito serviu para consolidar essa visão. E mesmo que possa haver quem faça duras críticas ao que escrevi, serão o carvão que alimenta a chama da humildade de reconhecer que posso sempre melhorar. Como diz a canção da fadista Mariza — «Sei que o melhor de mim está pra chegar…» — Por isso, mais do que serem cumpridos, os nossos propósitos servem para clarificar ao longo do tempo o sentido e significado do sonho que Deus teve quando pensou em ti. Nasceste por amor de Deus pela humanidade e para o amor que Ele quer ver realizado na ínfima parte consciente do universo que és tu. Fazer da nossa vida algo grande não implica tanto fazer coisas grandes e importantes, quanto ter uma visão clara da direcção que nos leva a experimentar uma Vida Plena. Pode levar algum tempo a encontrar essa clareza. Pode levar algum tempo a acertar o passo dos propósitos com a visão, mas vale a pena persistir e não desistir.


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