CIBERCULTURA – O burnout do tempo pelo excesso de actividade

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Cheguei ao fim de setembro e já estou cansado. Era suposto? Não sei se está a acontecer o mesmo com mais pessoas, mas no meu caso, e de muitos dos meus colegas na Universidade, a impressão que tenho é a de um excesso de actividade após o período de férias. Para além disso, olho para o calendário de actividades dos grupos e movimentos que compõem a parte espiritual da vida e está tudo cheio. Será que estaremos diante de um burnout do tempo consumido com tanta actividade?

Imagem criada pelo DALL-E com prompt de Miguel Panão

O burnout é um fenómeno em que as pessoas se sentem desadaptadas quando trabalham, manifestando-se num certo cansaço, dificuldade em lidar com a pressão e as tensões laborais, resultando numa certa indiferença ou insensibilidade à narrativa social que se desenrola à sua volta e na relação com os outros. O burnout experimenta-se como uma insatisfação geral em relação aquilo que fazemos. Um vazio. É uma situação que vai além de uma simples desmotivação ocasional. Ao darmo-nos conta de tantas actividades a realizar e participar, ou compromissos assumidos cujas datas que estavam por marcar agregam-se no mesmo período, podemos sentir um certo cansaço só de pensar no assunto. Pode acontecer que a vontade e o entusiasmo diminuam, antes mesmo das coisas acontecerem. Se um calendário cheio inclinar o nosso viver para um certo ativismo, seria interessante pensar nas razões. Na actual cibercultura, creio que essas estão no facto da informação fluir à velocidade da luz. Sabemos tudo, a toda a hora e em qualquer lugar e isso consome muito (senão a quase totalidade) do nosso tempo.

É muito fácil comunicar com alguém no total desconhecimento do número de pessoas que faz o mesmo. A tendência de cada um será pensar que a nossa mensagem é a única que o outro recebe e a mais importante. Por isso, penso que seja natural a diminuição acentuada dos tempos de espera na resposta ao longo dos últimos anos. Por outro lado, a tensão de responder ao outro também aumentou significativamente com a emergência da comunicação digital móvel, existindo cada vez menos razões para haver longos tempos de espera. Queremos evitar a ansiedade no outro e se a resposta não exige grandes pensamentos, fazemo-lo de imediato. O problema desta imediatez na comunicação está nos hábitos que criamos nos outros em relação à velocidade com que respondemos. Porém, quanto mais rápidos formos nessa interacção, mais solicitações de informação superficial receberemos por ser essa a cultura comunicativa que criámos. Ao olhar para os calendários de actividades cheios, fiquei a pensar se a cultura de saber tudo, a todo o momento, e em qualquer lugar, estaria a induzir a redução dos tempos de espera entre actividades que pretendem dar vida às nossas comunidades.

As inúmeras actividades vêm na sequência do valor que damos ao encontro presencial com o outro. Esse foi um aspecto que sofreu um grande embate com a pandemia da Covid-19, quando fomos obrigados a parar e a nos distanciarmos uns dos outros. Nessa altura havia uma tecnologia de videoconferência amadurecida, internet de alta-velocidade, e computadores de processamento rápido que tornavam a experiência dos contactos on-line por ecrã fáceis e de qualidade. A elevada capacidade da informação fluir acabou por facilitar a comunicação a viva-voz e com nítida imagem, de tal modo que assistimos a um multiplicar das reuniões e encontros por não haver qualquer tempo gasto em viagens. Porém, o retorno aos encontros presenciais implica necessariamente o retorno dos tempos de espera para percorrermos os trajectos, voltando a fazer a experiência da não-imediatez de estarmos de novo juntos. Será que a sensação de calendário cheio deve-se à inércia em querer manter o número que havia anteriormente de encontros on-line, mas agora em formato presencial?

A solução para o burnout profissional passa por aprender a arte de dizer “não” se nos quisermos manter vivos ao ponto de poder continuar a dizer “sim” quando é preciso. E todos estamos mais ou menos cientes de que não é preciso ir a todos os encontros, por mais desejada que seja a nossa presença. Por outro lado, o excesso de encontros poderá ser um problema de excesso de informação no nosso calendário. Contudo, o perigo de encontros a mais poderá ser que nem todos estejam dispostos a trabalhar para isso, acabando por ser sempre os mesmos a organizar e a estar presentes. Nesse sentido, o risco do burnout do tempo pode tornar-se eminente, deixando um vazio interior indesejado. O que fazer?

«Less is more.» — “Menos é mais” começa a ser o lema daqueles que trabalham por um mundo mais suficiente, onde se salvaguardam os espaços livres para que a Vontade de Deus se possa manifestar. Ele usa de todos os meios para nos dizer o quanto nos ama e quer que sejamos felizes. Mas se estivermos muito ocupados com muitos encontros, poderemos não nos aperceber tanto disso. Um calendário com menos coisas não quer dizer que não existam todas as iniciativas planeadas, mas reflecte a nossa liberdade de não dizer sim a tudo, de modo a manter aberto o tempo para alguma surpresa.


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