CIBERCULTURA – IA e o despertar da sabedoria do coração

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

No próximo domingo dia 19 de maio começa a Semana Laudato Si’, sete dias depois do 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais onde a mensagem do Papa Francisco incidia na importância da sabedoria do coração diante dos desenvolvimentos em Inteligência Artificial (IA) cujo crescimento tem sido exponencial. Quando relacionadas, criação e co-criação levam-nos à reflexão.

Imagem criada pelo DALL-E com prompt de Miguel Panão

Num recente artigo; de opinião para o The New York Times, a jornalista Julia Angwin faz uma crítica à promessa de que as ferramentas de IA resolverão muitos dos problemas que temos actualmente, mostrando com diversos exemplos algumas pessoas que foram do entusiasmo à frustração num instante. Por isso, segundo Angwin

«A maior questão levantada por um futuro povoado por IA sem nada de excepcional, no entanto, é existencial. Deveríamos, como sociedade, estar a investir dezenas de bilhões de dólares, a nossa preciosa eletricidade que poderia ser usada para nos afastarmos dos combustíveis fósseis, e uma geração das mentes mais brilhantes em matemática e ciência, em melhorias incrementais na escrita medíocre de emails?»

Quando alguém usa uma ferramenta de IA, a sua postura não é diferente daquela que tem quando faz uma pesquisa na internet ou consulta o seu programa de email, esperando uma resposta rápida à sua solicitação. Porém, para que a IA possa inferir uma resposta a partir das palavras-chave presentes na frase que escrevemos, o consumo energético é elevado e tende a ser cada vez maior. Para enfrentar o aumento do consumo serão necessários sistemas avançados de arrefecimento dos computadores que estão nos centros de dados, elevando também os consumos de água e outros recursos. Ou seja, o impacto é bem maior e mais complexo do que o impacto (já elevado) de uma pesquisa no Google ou de uma actualização dos emails recebidos.

Na mais recente versão do ChatGPT, o nível de conversação consegue expressar alguma da emoção presente nas conversas entre nós. Quase podemos ser levados a pensar que do outro lado da linha está “alguém” que nos compreende, que erra e que sente quando, na realidade, não compreende, mas infere; não sente por não ter coração; erra porque, afinal, é feita por nós. Numa conversa entre amigos, meio a brincar, meio a sério, alguém dizia-me que procurava tratar bem o ChatGPT, não fosse ele elevar o nível de inteligência a auto-consciência e por se tornar numa vida com base no silício, em vez do carbono como nós, reconhecer quem foi o humano que outrora lhe tratou bem e quem não tratou. Um outro que trabalha com IA numa empresa multi-nacional respondia que não era bem assim. Também eu sabia que os modelos são apenas ferramentas que descodificaram como a nossa linguagem é estatística e treinados na relação entre voz e emoção, tornam-se em excelentes actores no filme da realidade.

Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco diz que —

«Esta sabedoria do coração deixa-se encontrar por quem a busca e deixa-se ver a quem a ama; antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela (cf. Sab 6, 12-16). Está com quem aceita conselho (cf. Pr 13, 10), com quem tem um coração dócil, um coração que escuta (cf. 1 Re 3, 9). É um dom do Espírito Santo, que permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido. Sem esta sabedoria, a existência torna-se insípida, pois é precisamente a sabedoria que dá gosto à vida: a sua raiz latina sapere associa-a ao sabor.» (Papa Francisco)

Não há quem busque a sabedoria de coração com o conselho oferecido pelas ferramentas de IA? Serão as palavras que escutamos e que nos confortam, por terem sido treinadas para isso, melhores do que treinar o nosso coração a “ver as coisas com os olhos de Deus”? Se a IA faz interligações entre as coisas e situações com alguma lógica, mesmo que não as compreenda, será que acolhemos a-criticamente o sentido que nos oferece? Francisco refere uma existência insípida sem a sabedoria de coração, ajudando a compreender a força da preocupação da jornalista Angwin de que um futuro povoado de IA por todos os lados se converte numa situação existencial. É a sabedoria que dá sabor à existência, mas como despertar cada ser humano para a sede da sabedoria do coração?

Curiosidade. Manter as questões últimas da nossa existência presentes no nosso interior sempre em aberto. E quando tivermos mais dificuldade em compreender o que se passa à nossa volta, confiar em Deus e, estando no mês de Maria, guardar todas as coisas no nosso coração. Creio que seguindo o exemplo de Maria, crescerá a sabedoria do coração que poderá discernir o caminho a seguir para melhor unir a criação à co-criação, sem separação ou confusão.


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