CIBERCULTURA – As máquinas estarão conscientes?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Ao observar a natureza e pensando na história do universo até então contada pela astronomia, Pierre Teilhard de Chardin SJ deu-se conta de como ao longo de milhares de milhões de anos, a complexidade das interacções entre os diferentes elementos do cosmos foi aumentando. Por isso, concluiu que algo como a consciência humana só poderia dever-se ao incremento de complexidade, chamando-lhe de Lei da Complexidade-Consciência. Quando pensamos no incremento de complexidade que estamos a assistir com o desenvolvimento das ferramentas de Inteligência Artificial, é legítimo questionar se nos movemos na direcção de criar uma máquina consciente. Porém, Ferenc Patsch SJ acha que não.

Imagem de DALL-E com prompt de Miguel Panão

Num artigo; para La Cività Cattolica, o jesuíta Ferenc Patsch conclui que, apesar dos avanços impressionantes da tecnologia, as máquinas nunca alcançarão o nível de inteligência humana em termos de consciência e autoconsciência. Ele argumenta que a compreensão é um fenómeno não algorítmico, isto é, que não se traduz em linhas de código com sequência lógica, permanecendo algo exclusivamente humano, ecoando as preocupações filosóficas sobre a redução da consciência ao processamento de informações. Se a consciência é algo mais, o que é esse algo inacessível para a máquina?

Um primeiro paralelo fora da esfera da espécie humana seriam os animais, considerados por Patsch como incapazes de consciência. Porém, no dia 7 de Julho de 2012, um grupo alargado de cientistas emitiu uma declaração; sobre a questão da consciência nos animais, afirmando que

«A ausência de um neocórtex não parece impedir um organismo de experienciar estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não-humanos possuem os substratos neuroanatómicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados conscientes, bem como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências sugere que os seres humanos não são únicos na posse dos substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não-humanos, incluindo todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem estes substratos neurológicos.»

Porém, estes substratos não existem nas máquinas, indicando que essas do ponto de vista físico são incapazes de sentir. Porém, poderão simular esse sentimento? Futuristas como Richard Yonck pensam que sim e escrevem livros sobre isso (“Heart of the Machine”), mas usam expressões como computação afectiva, uma noção que tem mais de 20 anos de Rosalind Picard do MIT, mas que na opinião de neurólogos como Richard Cytowick da Universidade de George Washington continuam a estimular a pergunta — «Por que razão os futuristas erram tantas vezes, e por que motivo lhes damos ouvidos, tendo em conta o seu histórico de previsões falhadas?» — Talvez porque a imaginação cinematográfica continua a alimentar a mente das pessoas ao ponto de começaram a acreditar nessa possibilidade. Por outro lado, a computação afectiva dirige-se mais ao uso da máquina para reconhecer as emoções humanas, do que conferir emoções humanas à máquina, pelo que por aqui se nota a mistura de conceitos que gera confusão suficiente para levar as pessoas a pensar que a possibilidade inexistente de emoção na máquina seja uma porta para a emergência da sua consciência.

Há centenas de anos que existem relógios entre nós que marcam o tempo cronológico, independentemente de estarmos ou não presentes. São processos inventados para realizarem uma ou mais acções sem qualquer consciência de que o estão a fazer. Por que razão haveríamos de pensar que uma ferramenta de inteligência artificial poderia chegar a uma fase “geral” (General Artificial Intelligence) que demonstra autonomia e capacidade de escolhas impensáveis?

Depois do AlphaGo da Google ter derrotado o sul-coreano Lee Sedol no primeiro jogo, o resultado foi atribuído a movimentos precisos e eficientes, mas no Jogo 2, o movimento 37 do AlphaGo foi algo que nenhum ser humano no seu perfeito juízo faria. O jogador profissional do Go, Michael Redmond, chegou mesmo a dizer que a jogada do AlphaGo foi “única” e “criativa”. Nos bastidores, os que faziam a gestão do AlphaGo, sobretudo um dos coordenadores do projecto, Demis Hassabis, entraram em pânico por não fazerem a mínima ideia da origem daquela jogada. O certo é que Lee Sedol demorou bastante tempo a responder e acabou mesmo por perder.

O que leva muitas pessoas a pensar na possibilidade das máquinas tornarem-se conscientes seriam episódios como este onde a máquina, inesperadamente, dá um aparente sinal daquilo que poderia ser um rasgo de génio, mas eu penso que o sinal é outro.

Há muito tempo que a espécie humana está demasiado segura de si mesma e das suas capacidades de poder dispor de todos os recursos do planeta para satisfazer os seus desejos, independentemente das consequências. E muito daquilo que achamos ser o nosso rasgo de génio, afinal, não passa de algo simulável por uma máquina. Talvez não seja a linguagem, a arte, ou até o som que demonstra o real salto evolutivo que a espécie humana deu quando se revelou como a parte do universo consciente de si mesma.

Aquilo que continua a caracterizar-nos, como em mais nenhuma outra espécie, é a dimensão espiritual. A dimensão desprezada por muitos que cedem com as suas vidas ao paradigma tecnocrático, acreditando que a tecnologia é a solução para todos os nossos problemas, e que a espiritualidade não passa de um passatempo das mentes fracas. Um dia, essas pessoas poderão despertar do sono cognitivo criogénico em que se encontram. As máquinas poderão ser até mais inteligentes do que nós a realizar inúmeras tarefas, mas a consciência que advém da complexidade do mundo abriu o coração da nossa espécie à espiritualidade como qualidade insólita daquilo que realmente significa ser humano. Mas não acreditem em mim. Reflitam, experimentem explorar a vossa dimensão espiritual e verifiquem com a vida se isto faz sentido ou não.


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