Chiara Lubich: 1920-2008

Fundadora do Movimento dos Focolares “Deus é Amor; aquele que está no amor habita em Deus e Deus nele”. Estas palavras da primeira carta de São João exprimem com clareza o centro da fé cristã: “Cremos no amor de Deus”. Desse modo o cristão pode expressar a escolha fundamental da sua vida. O início da vida cristã não se constitui numa decisão ética ou numa grande ideia, mas num acontecimento, um encontro com uma Pessoa, que abre à vida um novo horizonte, um rumo decisivo”. (Bento XVI) A centelha inspiradora: Deus Amor É exactamente a descoberta de Deus Amor que abre um novo horizonte e um rumo decisivo não só na vida de Chiara Lubich, mas de milhões de pessoas. Durante a Segunda Guerra Mundial, em Trento, sob os bombardeamentos que destruíam tudo, Chiara, que na época tinha pouco mais de 20 anos, vivendo naquele clima de ódio e violência, experimenta o encontro com Deus Amor, o único que não passa. Uma descoberta que ela define “fulgurante”, “mais forte do que as bombas que atingiam Trento”, e que foi imediatamente comunicada e compartilhada por suas primeiras companheiras. A vida delas muda radicalmente. Se morressem, gostariam que em seus túmulos fosse colocada uma única inscrição: “E nós acreditamos no amor”. Esta descoberta descortina o horizonte que se tornará o objectivo da vida delas: contribuir para realizar o testamento de Jesus – “Que todos sejam um” –, o seu projecto de unidade para a família humana. O Evangelho vivido em todas as dimensões da vida Desde então Chiara intuiu que estava para nascer algo que chegaria aos confins do mundo, iluminando e renovando a sociedade. Chiara não vê na descoberta do Evangelho um facto apenas espiritual, mas tem a certeza de que o Evangelho vivido provoca a mais potente revolução social. A primeira experiência acontece nos anos 40, quando Chiara e suas primeiras companheiras partilham seus poucos bens com os pobres dos bairros mais necessitados de Trento. Elas vêem as promessas evangélicas se realizarem: “Dai e vos será dado”; “Pedi e recebereis”. Em plena guerra chegam, com uma abundância inesperada, alimentos, roupas e medicamentos para que fossem atendidas muitas necessidades. A chave da unidade Nas incontáveis expressões do sofrimento, das divisões e traumas humanos, Chiara reconhece o semblante de Cristo, do Homem-Deus que na cruz grita o abandono do Pai. Nele encontra a chave para recompor a unidade entre Deus e os homens. É principalmente nessas expressões do sofrimento que Chiara descobre os sinais da vontade de Deus que a conduz a iniciar uma obra, o Movimento dos Focolares, que, pela diversidade de sua composição, assumirá a forma de um “povo”, de um “laboratório” para um mundo unido na fraternidade. Chiara repete que esta Obra “não foi pensada apenas por uma mente humana, mas vem do Alto. São as circunstâncias que manifestam o que Deus deseja. Nós procuramos seguir a Sua vontade dia após dia.” A unidade entre pessoas, categorias sociais, e povos, constantemente indicada como o principal objectivo do Movimento, é alimentada por Chiara com escritos, palestras, encontros, viagens, mencionando sempre a inspiração e o radicalismo originário do carisma. Novos caminhos abertos por um novo carisma Percorrendo as principais etapas do desenvolvimento do Movimento, emergem, muito além das previsões, os novos caminhos abertos por este carisma, como uma resposta aos constantes questionamentos da humanidade. Uma nova espiritualidade na Igreja – Da resposta radical a Deus Amor e à escola do Evangelho, tem início uma nova corrente de espiritualidade, a Espiritualidade da Unidade, que – centralizada no Amor e na Unidade, inscritos no DNA de cada homem – se revela cada vez mais universal. Um número cada vez maior de homens e mulheres, das mais diversas categorias sociais, idades, raças e culturas encontra a linfa vital da sua existência nesta nova espiritualidade que nasce na Igreja. Depois de alguns anos, unem-se aos católicos cristãos de outras Igrejas, judeus e seguidores de outras religiões, além de pessoas sem uma convicção religiosa, de 182 países, em todas as latitudes. Como instrumentos a serviço da unidade, Chiara dá origem a movimentos específicos para as novas gerações, para as famílias, para actuar no social e na Igreja. Como principal caminho de unidade abrem-se diálogos muito fecundos; com o incentivo de Chiara, pouco a pouco nascem modelos de uma nova “socialidade”: as Cidadelas, presentes nos cinco continentes. Para difundir a cultura da unidade multiplicam-se os meios de comunicação social, como as editoras, as revistas, os centros de audiovisuais, os sites na Internet, etc. Novas perspectivas nos mais diversos âmbitos da sociedade, como na economia e na política são abertas por Chiara a partir dos anos 90. Em 1991, diante do enorme desequilíbrio social do Brasil, propõe o Projecto da Economia de Comunhão; em 1996 funda o Movimento Político para a Unidade, que propõe aos políticos de diferentes partidos a fraternidade comocategoria política, em vista do bem comum. Um sim marca um novo início Os primórdios do Movimento são marcados por uma data: 7 de Dezembro de 1943, dia no qual Chiara pronunciou o seu sim para sempre a Deus, na capela dos Frades Capuchinhos, em Trento. Estava só. Tinha 23 anos. Não existia nenhuma previsão de tudo o que nasceria a partir de então. Busca da Verdade, busca de Deus – Esta escolha radical marca a primeira etapa de um caminho na busca apaixonada da Verdade, de um conhecimento mais profundo de Deus. Para encontrar essa resposta, depois de se ter formado como professora, inscreveu-se na Faculdade de Filosofia da Universidade de Veneza. Mas não pôde continuar os estudos, primeiramente por causa da guerra e depois porque deveria acompanhar o desenvolvimento do Movimento que estava a nascer. Intuiu que encontraria a resposta em Jesus, que tinha dito: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Ele seria o seu Mestre. Loreto, um anúncio de sua aventura espiritual. Em 1939, participando num curso para jovens da Acção Católica , em Loreto, no Santuário onde, segundo a tradição, é conservada a casinha de Nazaré, que hospedou a Sagrada Família, Chiara intuiu a sua vocação: uma reprodução da Família de Nazaré, uma nova vocação na Igreja, que muitos haveriam de seguir. Na Igreja Católica A primeira audiência com o Papa – Em 1964 Chiara foi recebida pela primeira vez numa audiência com um Papa, Paulo VI, que reconhece no Movimento uma “Obra de Deus”. Daquele momento em diante multiplicam-se as audiências privadas e públicas, primeiramente com Paulo VI e depois com João Paulo II, que em diversas ocasiões, em manifestações internacionais, dirigiram-se aos membros do Movimento. Em 1984 João Paulo II visita o Centro Internacional do Movimento, em Rocca di Papa. Reconhece no Movimento a fisionomia da Igreja do Concílio, e no seu carisma uma expressão do “radicalismo de amor” que caracteriza os dons do Espírito Santo na história da Igreja. Desde a festa de Pentecostes de 1998 teve início um caminho de comunhão entre Movimentos e Novas Comunidades – No primeiro grande encontro dos Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades, na Vigília de Pentecostes, em 1998, na Praça de São Pedro, João Paulo II reconhece nestas novas realidades eclesiais a resposta imediata do Espírito Santo ao processo de descristianização da sociedade e pede para que eles sejam “frutos maduros de comunhão e de empenho”. Discursando, juntamente com outros três fundadores, Chiara Lubich garante ao Papa o compromisso de contribuir para a realização desta comunhão “com todas as nossas forças”. Inicia um caminho de fraternidade e comunhão entre muitos movimentos e novas comunidades no mundo todo. Sínodos e Assembleias das Conferências Episcopais – Chiara participa, no Vaticano, de vários Sínodos dos Bispos: pelo 20º aniversário do Concilio Vaticano II (1985), sobre vocação e missão dos leigos (1987) e sobre a Europa (1990 e 1999). É nomeada Consultora do Pontifício Conselho para os Leigos (1985). Em 1997 é convidada a apresentar o Movimento na Assembleia Geral da Conferência Episcopal filipina, em Manila. Nos anos seguintes, é convidada pelas Conferências Episcopais de Taiwan, Suíça, Argentina, Brasil, Croácia, Polónia, Índia, República Checa, Eslováquia e Áustria. Ecumenismo A página ecuménica do Movimento se abre em 1961, quando o Papa João XXIII coloca a unidade dos cristãos entre os primeiros objectivos do Concílio por ele anunciado em 1959: Chiara comunica a experiência do Evangelho vivido no Movimento num encontro com um grupo de evangélicos luteranos, em Darmstadt (Alemanha). É o início da difusão da Espiritualidade da Unidade nas diversas Igrejas. Alguns anos depois se instauram relacionamentos pessoais: no mundo ortodoxo, com o Patriarca ecuménico de Constantinopla, Atenágoras I, e posteriormente com os seus sucessores; na Comunhão Anglicana, primeiramente com o arcebispo anglicano de Canterbury, M. Ramsey, até ao actual, Rowan Williams; no mundo evangélico-luterano, com o então Presidente da Federação Luterana Mundial, o bispo Christian Krause, e com os Secretários-gerais que se sucederam no Concilio Mundial de Igrejas, em Genebra. Todos incentivam a difusão da Espiritualidade da Unidade nas diversas Igrejas. Diálogo inter-religioso Diante dos desafios da sociedade cada vez mais multi-cultural e multi-religiosa, se evidenciam os frutos de paz gerados pelo diálogo com seguidores das diversas religiões, iniciado nos anos 70. Chiara e o Movimento mantêm contactos não só com personalidades ou seguidores de diversas religiões, mas também com movimentos. Budistas – Em Tóquio, em 1981, diante de 10 mil budistas, Chiara Lubich é a primeira mulher cristã a expor a sua experiência espiritual num templo budista; e em 1997, na Tailândia, a monjas e monges budistas. Muçulmanos – alguns meses depois, ela fala na histórica Mesquita ‘Malcolm X’, do Harlem, em Nova Iorque, diante de 3 mil muçulmanos afro-americanos; Judeus – No mesmo ano, em Buenos Aires é recebida por organizações judaicas. Hindus – Em 2001, na Índia, abre-se uma nova página no diálogo do Movimento com o mundo hindu. Em 1994 é nomeada presidente honorária da Conferência Mundial das Religiões pela Paz (WCRP). No campo civil Desde o início, a pacífica revolução evangélica que se desencadeou em Trento suscita o interesse também de pessoas sem um referencial religioso. Com o mundo laico se desenvolve um diálogo com base nos grandes valores humanos como solidariedade, fraternidade, justiça, paz e unidade entre pessoas, grupos e povos. Chiara é convidada para falar da unidade dos povos em um simpósio no Palácio de Vidro da ONU, em Maio de 1997. Faz um pronunciamento em Berna (Suíça), na celebração do 150° aniversário da Constituição Suíça (Março de 1998). Em Estrasburgo (França), apresenta o compromisso social e político do Movimento a um grupo de deputados do Parlamento Europeu. (Setembro de 1998). Ainda em Estrasburgo intervém na Conferência pelo 50° aniversário do Conselho da Europa sobre “Sociedade de mercado, democracia, cidadania e solidariedade”, apresentando a experiência da Economia de Comunhão (Junho de 1999). Em Innsbruck (Áustria), no Congresso “1000 cidades para a Europa”, fala do “Espírito de fraternidade na política, como chave da unidade da Europa e do Mundo”, na presença de numerosos Presidentes de Câmara, de altas personalidades da política europeia e das autoridades austríacas (Novembro de 2001). A obra de unidade, de paz e de diálogo entre povos, religiões e culturas promovida por Chiara Lubich foi reconhecida publicamente por organismos internacionais, culturais e religiosos. Ela recebeu, entre outros reconhecimentos, o Prémio Templeton para o Progresso da Religião (1977); o Prémio Unesco 1996 para a Educação para a Paz; o Prémio dos Direitos Humanos do Conselho da Europa (1998), doutoramentos honoris causa conferidos por Universidades de diversos países, cidadanias honorárias, além de reconhecimentos por parte de grandes religiões e de líderes de diversas Igrejas.

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