Especialistas analisaram escritos da Irmã Lúcia
Lisboa, 26 mai 2017 (Ecclesia) – O delegado do Conselho Pontifício da Cultura (Santa Sé), D. Carlos Azevedo, disse hoje em Lisboa que os historiadores têm de “sujar as mãos” nos arquivos e nos documentos de Fátima para continuar o seu trabalho sobre os acontecimentos de 1917.
“Nenhum discurso histórico pode prescindir do contacto direto com as fontes”, sustentou o bispo português, que esteve ligado à publicação da Documentação Crítica de Fátima, durante o colóquio ‘Fátima. História e memória’.
A iniciativa conjunta da Academia Portuguesa de História e do Santuário de Fátima, que começou esta manhã em Lisboa e prossegue no sábado em Fátima.
D. Carlos Azevedo sustentou que “continua a haver ignorância das fontes por parte dos escritores de Fátima”, lamentando a “ligeireza” com que alguns falam dos acontecimentos, “repetindo olhares apriorísticos e ideológicos”.
“A história de Fátima não se reduz aos três ciclos de visões que lhe deram origem”, precisou o especialista em História da Igreja.
Para o delegado do Conselho Pontifício da Cultura, os “factos e os testemunhos primitivos são essenciais”, mas é essencial observar a evolução do Santuário de Fátima, nestes 100 anos, do ponto de vista “religioso, urbano, social, religioso, artístico”.
“Hoje situamo-nos perante a história de um Santuário e não apenas a reconstrução histórica das visões”, explicou.
D. Carlos Azevedo recordou depois a importância de “validar” as fontes com edições críticas, científicas, apresentando uma listagem de documentação existente em Fátima, vinda de várias fontes, incluindo “recados e pedidos” dirigidos a Nossa Senhora.
A estas fontes somam-se outras, como Arquivo Episcopal de Leiria, os epistolários de e para a Irmã Lúcia ou o chamado ‘Arquivo Formigão’, “grande difusor eclesial das experiências vividas em Fátima”.
Para o bispo português, não faz sentido “repetir as mesmas coisas sem ir às fontes” quando se fala de Fátima, “um dos acontecimentos maiores do século XX, declaradamente universal e profético”.
Os trabalhos desta manhã abordaram ainda a primeira edição crítica das memórias da Irmã Lúcia, permitindo ao leitor um encontro com os escritos originais da vidente, publicada pelo Santuário de Fátima em 2016.
Cristina Sobral, responsável pelo projeto, diz que a intenção nestes casos é sempre “dar a conhecer o texto segundo a última vontade do autor”, realçando que, inicialmente, Lúcia não se via propriamente como “autora, mas como informante”, uma testemunha privilegiada que entrega a outros a divulgação dos seus escritos.
A curadora da obra, docente e investigadora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, aludiu, por exemplo, à publicação inédita do texto de um questionário de 315 perguntas enviadas pelo Santuário de Fátima à religiosa e a divulgação da chamada “quinta memória” numa versão que não estava publicada, a partir do manuscrito que estava no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra.
Já a professora universitária e especialista em Paleografia, Maria José Azevedo Santos, analisou o manuscrito da terceira parte do segredo de Fátima, destacando a “uniformidade assinalável” na caligrafia da Irmã Lúcia.
A análise paleográfica-diplomática, que concluiu pela autenticidade do escrito, estudou a letra, o uso de abreviaturas, o esmero na execução gráfica, a assinatura (que o documento não possui), a data de lugar e a data cronológica, o tipo e tamanho de papel, a tinta.
Para a especialista, a ausência de assinatura não é um dado que permita “fazer ou negar prova da verdade ou autenticidade de um documento”.
A este respeito, Maria José Azevedo Santos recordou uma conversa mantida a 8 de agosto de 2016, conversa com a prioresa do Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, Madre Celina de Jesus Crucificado, que faleceu em março de 2017 e viveu com a Irmã Lúcia durante décadas.
“A Irmã Lúcia não assinou porque considerava que o texto não lhe pertencia”, precisou.
O Santuário de Fátima, Centro Pastoral Paulo VI, acolhe os participantes no segundo dia onde são abordados os temas: ‘Fátima, O Estado Novo e o 25 de Abril’; ‘A questão religiosa ao tempo do Estado Novo’ e ‘Fátima e o discurso religioso contemporâneo’.
OC