Católicos e oposição ao Estado Novo

João Miguel Almeida oferece uma análise da acção católica no fim do regime Após a campanha para as eleições presidenciais de 1958, em que se candidatou pela oposição o general Humberto Delgado, as relações entre o Estado Novo e os católicos portugueses mudaram na aparência e no ser. A tese é defendida na obra “A oposição católica ao Estado Novo – 1958-1974”, da autoria de João Miguel Almeida, com prefácio de Fernando Rosas (Edições Nelson de Matos). Desde 1958 até 25 de Abril de 1975 o Estado Novo teve de enfrentar a contestação às suas instituições e políticas por parte de alguns católicos portugueses, o que significava o questionamento de um dos pilares ideológicos do regime – a relação Estado-Igreja Católica. Esta obra, ao estudar os homens e mulheres que integraram a oposição católica ao Estado Novo, as suas ideias, formas de acção e organização, aspirações e expectativas, permite compreender a contestação de alguns sectores da Igreja Católica portuguesa ao regime autoritário que governou os destinos de Portugal durante 48 anos, e contribui de forma indirecta para que se possa lançar um novo olhar sob as dominações sociais, a crise da Igreja Católica e as recomposições do catolicismo em Portugal. Em entrevista ao Programa ECCLESIA, o autor da obra assinala que havia a intenção “de que os católicos que desejassem participar na vida política o fizessem na União Nacional”, partido único durante o Estado Novo, limitando o espaço para a crítica. João Miguel Almeida refere que “sempre que em jornais da Acção Católica se criticava o regime, não necessariamente de forma directa, havia censura em muitas vezes”. Com cerca de 300 páginas, a tese de mestrado mostra que um “grupo de católicos nega o carácter cristão do regime, a sua pretensão de defender os interesses da Igreja Católica e até a sua legitimidade à luz da doutrina católica”. O autor lembra que António de Oliveira Salazar chegou a ameaçar o fim da Acção Católica, em 1958. O preâmbulo da obra refere que “a 6 de Dezembro de 1958, António de Oliveira Salazar, no discurso da tomada de posse da nova Comissão Executiva da União Nacional, ameaça a Igreja Católica: se a Hierarquia não fosse capaz de assegurar a manutenção da ‘frente nacional’ entre o Estado Novo e os católicos, a Concordata poderia ser revogada. O discurso omitia o caso do bispo do Porto, mas focava as eleições de Humberto Delgado e um aspecto particularmente incómodo para o ditador – as tomadas de posição de alguns católicos”. Liberdade e crítica O movimento de contestação engloba figuras como Nuno Teotónio Pereira, António Alçada Baptista, outros que vinham das Juventudes Católicos, como João Bénard da Costa ou Pedro Tamen, bem como dos movimentos operários, como João Gomes ou Manuel Serra e mesmos padres, como foi o caso de Abel Varzim. Para entender que reflexões dos oposicionistas católicos motivavam a sua acção politica, foram analisados os debates travados e os textos teóricos publicados em O Tempo e o Modo, durante a direcção de Alçada Baptista e Bénard da Costa, e Cadernos do GEDOC. Outros textos constituíram, em diferentes momentos, referência para este campo intelectual e político: o pró-memória do bispo do Porto, o ‘documento dos 101’ e a exposição do P. Felicidade Alves em Abril de 1968. João Miguel Almeida fala de 1958 como o ano em que se “rompem as aparências de harmonia entre Estado e Igreja”, o que não implica que antes não tenham existido focos de conflito. A diferença está na visibilidade pública ganha, com críticas, desde logo, aos métodos de tortura da PIDE. A questão da Guerra Colonial ganhou grande importância neste contexto, a que se soma uma nova imagem de Igreja, desenvolvida a partir do Concílio. “A ideia, muito subjacente no Estado Novo, de que a presença de Portugal em África era justificada, de certo modo, pela expansão da fé, vai-se perdendo”, afirma o autor. Este conjunto de mudanças vem, de alguma forma, “legitimar” a oposição ao regime, apesar dos receios manifestados por grande parte do episcopado. A esse nível, coube a D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, lançar publicamente a questão da liberdade política dos católicos, “fora da União Nacional”. O seu exílio acaba por fazer do prelado “uma referência” e “um símbolo para muitos católicos”, refere João Miguel Almeida, que descarta qualquer intenção de criar um novo partido político a partir da Acção Católica, acusação repetida por Salazar. “Acredito que o Bispo do Porto não queria criar um partido, mas que os católicos tivessem liberdade política”, explica o autor, frisando que a criação de um partido resultaria, na prática, num novo “confessionalismo político”. João Miguel Almeida lembra também que D. António Ribeiro, Patriarca de Lisboa, era uma pessoa que o regime via com “suspeição”, desde que o mesmo quis noticiar a visita de Paulo VI na RTP, sendo afastado das suas funções por defender o “carácter missionário” da viagem. A condenação à repressão policial na vigília da Capela do Rato (1973) é outro dos momentos de tensão, apesar da capacidade do Cardeal de agir “com prudência e moderação”. Em Moçambique, D. Sebastião Soares de Resende é uma “consciência da política colonial do regime”, criticando a discriminação e a “contradição entre a prática e os princípios do Estado Novo”. Em conclusão, o historiador afirma que “a importância deste tipo de oposição e de movimentos”, no período revolucionário, foi a “afirmação plural” da democracia, sem a instituição de um partido político católico, evitando uma “questão religiosa” no pós-Revolução.

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