Católicos e judeus lembram massacre de 1506

No próximo dia 22 de Abril, às 11h00, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, o Presidente da Comunidade Israelita e o Presidente da Câmara de Lisboa inauguram, no Largo de S. Domingos (Baixa de Lisboa), os Memoriais evocativos do massacre de judeus ocorrido na cidade há cerca de 500 anos, do gesto de “purificação da memória” celebrado por D. José Policarpo no Ano Jubilar de 2000 e da dedicação do Largo, pela Câmara, aos valores da tolerância e da reconciliação. A cerimónia será pública e as comunidades da Igreja Católica na cidade de Lisboa são convidadas a fazer-se representar. O memorial da Igreja Católica será constituído por duas colunas de pedra unidas por uma faixa em metal, onde estarão inscritas as palavras pronunciadas no Largo de S. Domingos pelo Cardeal Patriarca de Lisboa no âmbito do encontro inter-religioso “Oceanos de Paz” (26/09/2000): “Irmãs e irmãos caríssimos,/Este centro histórico de Lisboa, onde hoje fraternalmente nos abraçamos, foi no passado palco de violências intoleráveis contra o povo hebreu. Nem devemos esquecer, neste lugar, a triste sorte dos «cristãos novos»: as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações, os processos temíveis da Inquisição /Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos, a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia./Em atitude de conversão pessoal e comunitária, quero retomar hoje, solenemente, perante Deus e diante de todos vós, a advertência do Concílio Vaticano II:/A Igreja Católica em Lisboa “reprova como contrária ao espírito de Cristo qualquer discriminação, ou qualquer perseguição feita por questões de raça ou de cor, de condição de vida ou de religião. E … roga ardentemente aos [seus fiéis] que … façam quanto deles depende para estarem em paz com todos (cf. Rom 12,18), de modo que sejam verdadeiramente filhos do Pai que está nos céus (cf. Mt 5,45)” (Nostra Aetate, 5)”. Notas Históricas A Matança da Páscoa (1506) A chamada “Matança da Páscoa” ocorreu em 1506. Entre duas e quatro mil pessoas terão sido mortas por serem judias. O país e a cidade viviam um período de seca prolongada com surtos de peste quando, a 19 de Abril, alguém na igreja do Convento de S. Domingos, na baixa de Lisboa, afirmou ter visto o rosto de Cristo iluminado sobre um dos altares – sinal auspicioso da misericórdia divina e de futura bonança. Outro circunstante terá duvidado, considerando tratar-se de um simples reflexo do sol. Imediatamente identificado como cristão-novo, foi agredido pela multidão e espancado até à morte. Um frade dominicano inflamou ainda mais os ânimos, prometendo 100 dias de indulgências a quem matasse os hereges. Durante três dias dessa Semana Santa, bandos de cidadãos percorreram Lisboa, pilhando, violando e matando judeus convertidos ao cristianismo na sequência do decreto real de 1497. A corte estava fora da capital e as primeiras tentativas do rei D. Manuel para controlar a situação revelaram-se infrutíferas, até que a morte de um seu escudeiro, vítima dos tumultos, precipitou o envio de tropas reais, que puseram cobro aos desmandos. O rei mandou confiscar os bens dos responsáveis, o dominicano envolvido foi condenado à morte e o Convento terá sido fechado durante alguns anos. O gesto do Patriarca de Lisboa No ano 2000, decorriam os preparativos para o encontro inter-religioso “Oceanos de Paz”, promovido pelo Patriarcado de Lisboa, a Comunidade de Santo Egídio e a Fundação Mário Soares, quando os organizadores depararam com um problema. Estava previsto que o cortejo final, através da Baixa da cidade até à Praça do Município, partisse do Largo de S. Domingos, mas o representante da comunidade judaica manifestou o seu desagrado pelo ponto de partida, atendendo às memórias do massacre associadas ao local. A dificuldade foi superada quando o Cardeal Patriarca de Lisboa propôs um gesto e umas palavras de reconciliação, na linha da “purificação da memória” pedida por João Paulo II para esse Ano Jubilar. O abraço dado aos rabinos presentes e as palavras pronunciadas tiveram uma repercussão na comunidade judaica, bem para lá dos participantes no encontro. Os Memoriais Nos 500 anos da “Matança da Páscoa”, a Comunidade Israelita de Lisboa propôs à Câmara o descerramento de um pequeno memorial no Largo de S. Domingos. A Igreja Católica prontificou-se a acompanhar essa proposta com um memorial do gesto e das palavras de reconciliação do Cardeal-Patriarca de Lisboa no ano 2000.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top