Cónego António Rego
Caro Rui,
Isto é como se fosse um mail, daqueles que são mesmo próximos e quase íntimos como uma conversa de amigos que não constroem peças nem literárias nem jornalísticas. Deixam sair as palavras que vêm diretamente do coração.
Era assim quando nos encontrávamos no Porto, em Fátima, nos Açores ou nas nossas missões fora do país para partilharmos o mesmo: o nosso olhar sobre o mundo e a Igreja, as nossas benignas discussões sobre o rodar da história, que acabavam sempre com a mesma conclusão: ainda não foi desta vez que resolvemos todos os problemas do planeta, mas demos um pequeno contributo. Nunca nos levámos excessivamente a sério. Mas sabíamos que não era indiferente o que pensávamos porque nada ficava escondido.
A comunicação é um exercício de espalha-brasas a partir dos telhados e com as nossas vozes fortes ou frágeis espalhava-se não sabemos por onde. Falamos nisso: lançamos aos quatro ventos com ímpeto, alma, amor à nossa Igreja até e sobretudo quando tínhamos mais coragem para apontar algumas críticas, sempre com carinho. Mas nunca a separávamos do mundo.
Muito ficou por pensar e dizer. Por vezes faltava-nos força e jeito para acompanhar a velocidade dos acontecimentos. Doía-nos que a nossa Igreja, que às vezes ficava para trás. Lembro-me do nosso longo encontro nos Açores onde mais que ideias nos discutíamos a nós próprios na confidência de irmãos, atravessando as sombras que as árvores gigantescas do Parque das Furnas e o sussurrar das águas nos proporcionavam.
Dizíamos às vezes aquelas frases que um amigo nos disse uma vez em Espanha: “não resolvemos nada, mas houve grandes avanços”. No fundo, não termos levado muito a sério as nossas sentenças.
O Reino também se constrói com humor. Mas era sobretudo a consciência da nossa limitação. E nunca nos esquecíamos disto nos nossos encontros em voz baixa, mas que acabavam por subir connosco aos telhados. Um jornalista não fala para dentro.
Conta tudo isto ao Pai. Como se estivéssemos os dois apenas, onde o melhor do encontro era só a verdade que entrava na nossa agenda. E lembra-te dos que por cá continuam com a tua utopia. Trata-se de apontar teimosamente para mais longe, mesmo sabendo que lá nunca possamos chegar.