Cardeal Ruini substituído na presidência da CEI

Após 16 anos à frente da Conferência Episcopal Italiana, o cardeal Camilo Ruini, 76 anos completos, foi agora substituído pelo arcebispo de Génova, D. Ângelo Bagnasco, com 64. A nomeação é da responsabilidade directa de Bento XVI. Quanto à diocese de Roma, de que é Vigário em nome do Papa desde Janeiro de 1991, cardeal Ruini ficará em funções por mais alguns meses, até para distinguir claramente as duas responsabilidades. Como se esperava, o Papa preferiu não dar seguimento ao uso introduzido há vinte e cinco anos por João Paulo II, que atribuiu a condução da CEI, por inerência de cargo, ao Cardeal Vigário de Roma. A sucessão do cardeal Ruini mereceu amplo destaque em Itália, sendo como é o eclesiástico que, logo a seguir ao Papa, mais marcou a vida social, política e cultural do país, nas últimas três décadas. Aquando da publicação da “Deus caritas est”, os meios de comunicação italianos deram especial relevo ao número 28, onde o Papa adverte que “a Igreja não pode nem deve tomar nas próprias mãos a batalha política”, usurpando o lugar do Estado. Na luta pela justiça, na qual “não pode nem deve ficar à margem”, a Igreja está chamada a nela “inserir-se pela via da argumentação racional”, despertando sobretudo as “forças espirituais” indispensáveis à “abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem”. Dado o evidente protagonismo então assumido pelo cardeal Ruini, na campanha do referendo que tivera lugar em Itália sobre diversas questões de bioética, propugnando o abstencionismo como estratégia para invalidar o resultado das urnas, aquela advertência da Encíclica papal tinha aparecido a alguns como desautorizando aquele purpurado, nas suas intervenções mais abertamente “políticas”. Tal interpretação não estava certamente na mente de Banto XVI, mas a verdade é que se verificou um apreciável abaixar de tom nas posições assumidas publicamente pela presidência da Conferência Episcopal e pelo Vigário do Papa para a diocese de Roma. FIRME OPOSIÇÃO AO GOVERNO Nos últimos meses, porém, não passaram desapercebidas a insistência e veemência com que o cardeal Ruini se fez porta-voz da oposição frontal da Igreja ao projecto do governo Prodi de assegurar um certo reconhecimento civil às “uniões de facto”, não só heterossexuais. Tal medida estava no programa da actual coligação governamental. Tomando seriamente em consideração as críticas dos que, mesmo no interior do governo, receavam que a nova legislação constituísse um atentado à instituição familiar, o projecto proposto ao Parlamento limita-se a formalizar o reconhecimento de certas situações concretas, mas evita qualquer formalidade legal que se configure como uma espécie de casamento de segunda. Deixando de lado o modelo francês do “Pacs”, as duas ministras que se ocuparam do polémico projecto de lei conceberam o chamado “Dico”, isto é, uma “Declaração de convivência” (“dichiarazione di convivenza”). Não obstante as tentativas de reduzir ao mínimo o alcance das novas disposições, manteve-se uma total oposição da Igreja, intransigentemente reafirmada por todas as instâncias da hierarquia, e confortada aliás por frequentes alusões do próprio Papa, em variadas intervenções públicas das últimas semanas. A certa altura exaltaram-se os ânimos – mesmo em certas áreas da Igreja católica – quando o cardeal Ruini anunciou que a Conferência Episcopal italiana iria assumir posição definindo medidas “vinculativas” para os políticos católicos responsáveis pela eventual aprovação de leis contrárias à sacralidade da família. A afirmação foi interpretada como uma ameaça de excomunhão, o que na Itália evoca os tempos que se seguiram à unificação italiana (1870), quando os católicos foram expressamente proibidos, sob pena de exclusão dos sacramentos, de participar na vida política. Anomalia sanada apenas em 1929 com os Acordos de Latrão. Na situação actual, são bem conhecidos como católicos o primeiro-ministro Romano Prodi e a ministra da Família, Rosy Bindi, assim como dezenas de deputados e senadores. Perante a crescente radicalização de posições, algumas figuras de proa do laicado italiano reagiram publicamente. Foi o caso, por exemplo, do ex-presidente da República Óscar Scalfaro, senador vitalício, católico praticante, que, embora reconhecendo o direito e dever da Igreja de iluminar as consciências fornecendo directrizes para a avaliação dos problemas, considerou que transformar os leigos com responsabilidades políticas em meros defensores e executores do Magistério oficial provocaria um curto-circuito na vida política. De idêntico teor as declarações de um conhecido constitucionalista católico, assim como de um grupo de intelectuais que subscreveram um apelo lançado por Giuseppe Alberigo, professor universitário de Bolonha, especialista de História da Igreja e do Vaticano II. Neste delicado contexto, e não obstante o evidente mal-estar criado no interior do episcopado, raros foram os bispos que ousaram exprimir uma opinião pessoal. Foi o caso, ainda assim, do bispo de Pisa, antigo vice-presidente da Conferência Episcopal, que considerou que se CEI houvesse de tomar posição sobre os políticos católicos, tal responsabilidade não deveria ser assumida apenas pela Comissão Permanente, dadas as graves implicações em jogo. Também o arcebispo de Milão, cardeal Tettamanzi, convidou a evitar posições extremas, fazendo votos de que não se perca de vista a globalidade das questões sociais e políticas. Por sua vez, o cardeal Martini, arcebispo emérito da capital lombarda, que celebrou há pouco 80 anos e que costumava ser um contraponto profético perante as posições do cardeal Ruini, também desta vez não deixou de recordar que a Igreja, mais do que defender a família, está sobretudo chamada a apoiá-la e promovê-la. Uma observação que é bem mais do que mero jogo de palavras. Que posição assumirá o novo presidente da Conferência Episcopal? Alguma coisa mudará em relação à rigidez e inflexibilidade do cardeal Ruini? É convicção geral, em Itália, que o arcebispo de Génova seguirá de perto a linha de firmeza do seu predecessor, mas ouvindo mais atentamente os membros do Conselho Permanente e as diversas sensibilidades da Igreja italiana.

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