Capela do Rato: «Demasiado instalados», cristãos devem antes estar «unidos» e denunciar «atentados à paz» – cónego António Janela

D. Américo Aguiar ofereceu à comunidade da Capela do Rato o seu anel episcopal, sinal do sue compromisso na defesa da «liberdade, a verdade, a justiça e o amor»

Agência ECCLESIA/LS

Lisboa, 31 dez 2022 (Ecclesia) – O cónego António Janela criticou esta sexta-feira os cristãos “demasiado instalados” e pediu que estejam atentos aos “sinais dos tempos” para que ajam perante os atentados contra a “verdade, justiça, liberdade e solidariedade”.

“Nós hoje, como o Papa denúncia, vivemos num individualismo muito grande. Nós cristãos, estamos demasiado instalados e falta, de uma forma solidária, unidos, dar aquilo que podemos dar, tendo presente que os atentados à verdade são contra a paz; os atentados à justiça, são contra a paz; os atentados à liberdade, são contra a paz; e tudo aquilo que é a negação de uma solidariedade é contra a paz”, afirmou o último padre sobrevivente da equipa de três sacerdotes que há 50 anos presidiam à comunidade da Capela do Rato.

Em 1972, no dia 30 de dezembro, teve inicio às 19h hora uma vigília pela paz e pelo fim da guerra colonial, organizada por um grupo de católicos, inspirado pela mensagem do Papa Paulo VI, juntando crentes e não crentes; a comunidade era assistida pelo cónego António Janela, pelo padre Alberto Neto e pelo padre Armindo Garcia.

Passados 50 anos, a comunidade da capela do Rato realizou nova vigília de oração pela paz, “mais urgente do que nunca”, sublinhou o padre António Martins, atual capelão da comunidade.

“Pelo seu impacto nacional e internacional, esse acontecimento abalou o regime de então, comprometeu as relações entre a Igreja e o Estado e anunciou o caminho para a democracia. Passados 50 anos, numa fidelidade criativa a esta memória a comunidade reúne-se esta noite para celebrar uma nova vigília de oração pela paz, inspirada pela mensagem do papa Francisco para este ano «Ninguém se pode salvar sozinho». Escutando e fazendo silêncio, rezamos hoje pela paz, mais urgente do que nunca”, afirmou.

Na vigília estiveram presentes o padre Peter Stilwell, antigo capelão da comunidade e atual diretor do departamento das relações ecuménicas e do diálogo inter-religioso do patriarcado de Lisboa, o padre Natanael Mykola Harasym da Igreja greco-católica da Ucrânia, o Frei Jerónimo, hierodiácono da igreja Ortodoxa Autónoma na Europa ocidental, o pastor José Brissos Lino, da Aliança Evangélica, e Abilene Fisher, da Igreja lusitana de comunhão Anglicana, e contou ainda com a presença do presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Vera Jardim.

O bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, presente na vigília de oração, ofereceu, no final da celebração, o seu anel episcopal à comunidade da Capela do Rato, manifestando o seu compromisso na defesa da liberdade, a verdade, a justiça e o amor.

Agência ECCLESIA/LS

“Eu não tenho condecorações mas quero oferecer o que me identifica para significar essa gratidão. O sinal de fidelidade que os bispos têm é o anel, e por isso, nos 50 anos desta vigília, deixo-vos ficar um anel episcopal para significar da minha parte o compromisso de promover e defender a liberdade, a verdade, a justiça e o amor”, afirmou D. Américo Aguiar.

O bispo auxiliar de Lisboa assinalou que a paz “nunca está garantida” e que o conflito na Ucrânia evidencia essa mesma realidade.

“Que daqui a 50 anos, outros homens e mulheres deem graças por haver quem não deixou de lutar pela paz”, pediu.

Os participantes na vigília de oração renovaram um compromisso pela paz, “tal como aconteceu há 50 anos atrás”, e afirmaram que a guerra não é inevitável, e por isso, “a paz é possível”.

“O sentido sagrado da vida humana é espezinhado de tantas maneiras. Angustia-nos a incapacidade dos poderes políticos para tomarem medidas sérias de combate às alterações climáticas e de defesa do ambiente, bem como para adotarem uma estratégia dirigida à eliminação da fome e da pobreza. É a sobrevivência da humanidade que está em causa”, afirmou a jovem Madalena Hornig, ao ler o compromisso.

Os cristãos afirmaram a impossibilidade de “cruzar os braços e olhar para o lado” perante o “enorme sofrimento” que os conflitos continuam a gerar, e afirmaram o imperativo ético afastando “a indiferença, o cinismo, a radicalização e o isolamento”.

“Importa lutar contra a cultura da morte. É um imperativo ético, que implica também estimular os sentimentos de pertença de todos à mesma humanidade, afastando a indiferença, o cinismo, a radicalização e o isolamento nos nossos interesses egoístas. Como católicos, queremos renovar o gesto que aconteceu nesta Capela há cinquenta anos. «Vimos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar», disse então Sophia de Mello Breyner Andresen”, afirmou.

A vigília lembrou a guerra na Ucrânia, mas também os conflitos que acontecem em todo o mundo, lembrando a Síria, o Iémen, a Líbia, o Sudão ou a Etiópia, e os que matam e provocam a fuga “de milhões de pessoas”.

“A guerra nasce no coração do homem, como adverte o Papa Francisco. Nasce do egoísmo, do ódio, da não-aceitação do outro e do diferente. O Papa convida-nos a olhar para Jesus Cristo, a fim de compreendermos que o ódio e o mal são derrotados pelo perdão e pelo bem”, pode ler-se ainda no compromisso.

LS

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