Canonização: Vigília de Oração em Lisboa

Homilia de D. Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar 1. Nesta noite, unimo-nos aos cristãos que se deslocaram a Roma, para participar na canonização do Beato Nuno de Santa Maria, que se realiza amanhã, na Basílica de S. Pedro. Esta celebração ganha sentido e um particular significado, porque o Beato Nuno de Santa Maria é um Santo de Portugal e é também um Santo desta cidade de Lisboa, onde viveu a última parte da sua vida, como irmão da Ordem do Carmo. “Uma canonização é a proclamação, pelo Igreja, da santidade de vida de um cristão, apresentando-o como modelo e estimulo para a nossa fidelidade e intercessor junto de Deus. Num Santo o mistério da comunhão dos Santos ganha rosto concreto e exprime-se num irmão nosso que vivei na fidelidade ao seu baptismo, ideal que também nos move a nós” (Cardeal Patriarca, Carta aos Párocos e Comunidades cristãs Patriarcado, 17 Abril 2009). 2. Os textos proclamados na liturgia recordam a vocação à santidade de todos os baptizados. O texto do livro do Apocalipse apresenta a Páscoa dos Santos, de todos aqueles que seguiram o Cordeiro e deram testemunho da sua fé, mesmo em circunstâncias difíceis, de hostilidade e de perseguição violenta. Numa visão simbólica, o texto bíblico apresenta-nos, não só os cristãos do primeiro século, mas todos aqueles que, ao longo da história, foram fiéis à fé do seu Baptismo, e celebram agora a liturgia celeste, com Cristo ressuscitado. Entre eles, encontra-se o Beato Nuno de Santa Maria. 3. S. João Crisóstomo, no texto que lemos, diz que a “luz do cristão não pode ficar escondida, uma lâmpada resplandecente não se pode ocultar”. A vida e a santidade do Beato Nuno de Santa Maria constituem para todos nós, para a Igreja e para o mundo, uma grande luz. As referências históricas, as biografias e o culto que lhe é prestado, revelam que ele é uma referência importante na história e na vida de muitos portugueses. A sua canonização é uma oportunidade para o redescobrirmos e colhermos a mensagem da sua vida e da sua santidade, como estímulo, como caminho e como esperança para os tempos de hoje. 4. O escritor cristão Tertuliano diz que não se nasce santo, mas torna-se santo, correspondendo com empenho à graça baptismal. Assim aconteceu com o Beato Nuno. Nascido no seio de uma família cristã, aos 13 anos ingressou na Cavalaria e foi educado segundo o seu ideal, nas virtudes militares, religiosas e sociais: na coragem, na lealdade, na generosidade, fidelidade à Igreja, na obediência, na castidade, na cortesia, na humildade e na benemerência. A interiorização deste ideal e a prática destas virtudes fizeram dele um verdadeiro cavalheiro, um “honesto cidadão e um bom cristão”. O ideal de Cavalaria representou para Nuno e para muitos jovens do seu tempo um ideal de vida, uma autêntica norma de conduta. 5. No Beato Nuno de Santa Maria, este ideal de Cavalaria revelara-se sobretudo numa grande caridade para com o próximo, na prática da virtude da castidade e numa vida de fé profunda. A sua caridade para o próximo manifestava-se numa profunda humanidade e benignidade para com todos; na cordialidade, na compreensão e no respeito, num amor humano permeado do amor divino. Era de uma bondade exigente, em termos de princípios e de cumprimento do dever. Amável, mas firme e disciplinador, com um grande sentido de moderação e de justiça, pôs de pé um exército, exigindo dos soldados não somente virtudes e conhecimentos de índole militar, mas principalmente um conjunto de virtudes morais e de comportamentos, que fizera deles não somente valentes e abnegados soldados, mas também cristãos. Era próximo e amigo dos seus soldados; tratava-os com respeito e com justiça; era compreensivo e generoso, repartindo com eles os seus bens. Tinha um grande ascendente, prestigio e autoridade moral, que suscitava, nos seus soldados e em quantos o conheciam e privavam com ele, não só admiração, mas emulação e estima. Era para todos um verdadeiro exemplo de vida. Na actividade militar, a sua humanidade e a sua caridade cristã manifestava-se também em relação aos inimigos, cuidando dos prisioneiros e dos feridos. Não permitia que a sua gente devastasse aldeias nem searas, protegia as mulheres, as crianças e os pobres. Em tempos de carestia chegou a alimentar à sua custa 400 castelhanos, distribuindo 6.400 alqueires de trigo. “Todos lhe queriam bem e rogavam a Deus por ele”. Era um homem casto. “Através da castidade, soube guardar, em todos os momentos, a solidez dos sentimentos, a juventude do coração, a desinteressada e generosa frescura de convicções”. Fernão Lopes escreveu que ele «foi em seu tempo claro espelho de honestos costumes». «Como a estrela da manhã, foi claro em sua geração, sendo de honesta vida e honrosos feitos». O rigor e a sinceridade da sua virtude permitiam-lhe exercer uma indiscutível e enorme influência em redor de si, tanto na corte, como no exército de que era chefe. Não permitia desordens sexuais entre os seus soldados, procurou previne-las, por isso as suas tropas tornaram-se fermento de uma vida social mais sã e sinal do espírito cristão junto do povo. Confirma-o as palavras do rei, D. João I, que dizia frequentemente «que os bons costumes que em Portugal havia, que o Condestável os pusera todos». Era um grande crente, um homem de fé cristã profunda. A fé constituiu o fundamento de toda a sua vida. Oliveira Martins escreveu que «a sua fé em Deus era a chama em que ardia a sua dedicação patriótica e a sua energia militar. A religião era a raiz; a virtude, a coragem, o civismo, os ramos da árvore da sua vida, iniciada pela revolução mística da Cavalaria. Salvando Portugal, levantando um trono ao Mestre de Aviz, cumpria a empresa que lhe fora marcada; mas essa empresa, transcendentalizando-se, importava a própria exaltação da alma no seio de Deus amado». O Beato Nuno aliou aos dotes militares, uma espiritualidade sincera e profunda. A sua vida interior alicerçada numa fé profunda, alimentava-se de uma vida de oração intensa, de uma grande confiança em Deus, de grande amor à Eucaristia e de uma grande devoção à Santíssima Virgem. Participava diariamente na Eucaristia e jejuava vários dias por semana em honra da Santíssima Virgem. 6. Deus fora sempre a referência dos seus actos e de toda a sua vida, por isso, cumprida a sua missão em relação à Nação que amara e servira com dedicação, generosidade, fidelidade e amor, decidiu dedicar-se totalmente a Deus, entregando-se a vida de oração mais intensa e à caridade para com o próximo, servindo os pobres. Em 1422, repartiu todas as suas terras, perdoou a quem lhe devia em dinheiro, sal ou pão, despojou-se de tudo e foi residir para o Convento do Carmo, inicialmente como simples cristão, buscando o recolhimento. Um ano depois, em 1423, a 15 de Agosto, festa da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, professou como “irmão Donato”, tomando o nome de Nuno de Santa Maria, levando uma vida extremamente humilde, simples e pobre, servindo dedicadamente os pobres, pedindo esmola como eles e para eles, impressionando vivamente os habitantes de Lisboa de então. Fora sobretudo este exemplo vivo de caridade, mais do que as suas acções militares, que o entronizou no coração dos habitantes de Lisboa. Não podia deixar de impressionar que, aquele que fora, depois do Rei, o fidalgo mais poderoso do país, Condestável do Reino, Conde de Ourém, Conde de Arroiolos, Conde de Barcelos, Mordomo-Mor do Reino, donatário de muitas cidades e vilas, se despojasse de tudo, se entregasse a uma vida de pobreza, simplicidade, humildade, oração e serviço aos pobres! Morreu no dia 1 de Abril de 1431, domingo de Páscoa, com 71 anos incompletos. Após a sua morte, o reconhecimento e a proclamação pública da sua santidade deram origem ao culto público, agora reconhecido oficialmente. 7. A vida de Nuno de Santa Maria constitui «um exemplo superior da concepção cristã de vida», quer pela obra que realizou, quer pelo exemplo da sua vida. A sua obra foi a liberdade do País e tudo o que essa liberdade possibilitou daí em diante, em termos de futuro, como refere a “Crónica do Condestável”: «Nun´Alvares remiu Portugal do cativeiro castelhano, fê-lo renascer como país livre e independente. Depois de Aljubarrota encontrou-se, de uma vez para sempre, como nação”. A sua vida é um alto exemplo de heroísmo e de santidade, profundamente marcada pelo sentido do bem comum. Nela se pode ver a manifestação do poder da força da presença de Deus e da sua acção, no homem que se alia com Ele, para construir a história, a libertar da opressão e da violência, abrir caminhos de paz, de reconciliação, de liberdade, de estabilidade, e de prosperidade, contribuindo para a construção de um futuro digno do homem. A vida do Beato Nuno de Santa Maria mostra que é possível aliar a vida pública e a cidadania à fé, à santidade e à consagração a Deus. A sua vida, alicerçada numa fé inabalável e num espírito de radical caridade é um exemplo de vida para os homens de todos os tempos. 8. A Conferência Episcopal Portuguesa, na sua Nota Pastoral, por ocasião da sua canonização, de 6 de Março passado, apresenta-o como «exemplo heróico em tempo de crise”, desta “crise global que tem origem num vazio de valores morais” (…). Neste contexto, diz a Nota, o testemunho da vida de D. Nuno constituirá uma força de mudança em favor da justiça e da fraternidade, da promoção de estilos de vida mais sóbrios e solidários e de iniciativas de partilha de bens. Será, também, um apelo a uma cidadania exemplarmente vivida e um forte convite à dignificação da vida política como expressão do melhor humanismo ao serviço do bem comum”. E é-o, sem dúvida! Que o exemplo da vida do Beato Nuno, cuja santidade será publicamente reconhecida pela Igreja amanhã, suscite em todos os portugueses o desejo de uma ”vida pautada pelos valores evangélicos, orientada pelo maior bem comum de todos, disponível para lutar pelos superiores interesses da Pátria, solicita por servir os mais desprotegidos e pobres”, que são cada vez mais no nosso tempo. “Acolhendo e seguindo o seu exemplo, seremos certamente parte activa na construção da sociedade mais justa e fraterna que todos desejamos”. † Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar de Lisboa

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