Bragança-Miranda vê nascer mosteiro de monjas trapistas, que se sustentam com o seu trabalho

 

É uma cerimónia cheia de significado para a Diocese de Bragança-Miranda, para a vida contemplativa, para as monjas trapistas: no dia 24 de junho, decorre a bênção do início das obras da Casa de Acolhimento do Mosteiro Trapista, em Palaçoulo, Miranda do Douro.

D. José Cordeiro é o bispo de Bragança-Miranda e é o convidado da entrevista conjunta semanal Ecclesia-Renascença.

Entrevista conduzida por Paulo Rocha (ECCLESIA)

Fotos: Manuel Costa (ECCLESIA)

Agência Ecclesia/MC

Que relevância tem o início desta comunidade de vida contemplativa numa diocese que está em crescente desertificação?

É uma enorme graça e é um momento de grande esperança. Acreditamos profundamente que é um sonho de Deus, a presença monástica das monjas trapistas neste mosteiro que surge em Palaçoulo, o mosteiro trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja. Há três anos que começou este caminho: tive a graça de conhecer o mosteiro de Vitorchiano, mais ou menos a 80 quilómetros de Roma, já na Diocese de Viterbo.

 

Conheceu nos tempos em que estava em Roma?

Não, já como bispo da diocese, numa peregrinação diocesana, através dos beneditinos, com os quais tive muita relação, durante o tempo em que estive em Roma, em Santo Anselmo. A abadessa do mosteiro de Vitorchiano, onde estão cerca de 80 monjas, manifestou o desejo de fundarem o oitavo mosteiro e a intuição era em Portugal, a propósito do centenário das Aparições de Fátima. Isto foi em 2016, e na preparação do centenário, mas elas precisavam de um sinal, que houvesse um bispo português a manifestar esse desejo. Mas nenhum de nós, também, sabia…

Por isso, esta graça. E eu manifestei esse desejo de as acolher em Bragança-Miranda.

 

Foi imediato?

Foi imediato. Sim, porque São Bento é padroeiro da diocese, é a única diocese da Península Ibérica que tem como padroeiro São Bento, já tinha existido um mosteiro beneditino, há 474 anos e durante 400 anos. Depois, desde 1545, com a criação da Diocese de Miranda, deixou de existir, o mosteiro de Castro de Avelãs. Então, pela linha espiritual de São Bento, ‘ora et labora’ [reza e trabalha], nesta mesma continuidade, fizemos esse acolhimento. Depois, reunindo com o colégio dos consultores e com os organismos de comunhão da diocese, apresentamos três propostas. As irmãs rejeitaram as três…

 

Propostas de localização?

Exato. E, depois, eu disse: então, se não é possível em Bragança e se há este desejo tão grande de ser em Portugal, eu posso levar à Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa e, se houve algum bispo que vos queira receber, assim seja.

 

Não faltariam candidatos, não é?

Certamente que não. Então, elas comovidas com o gesto – contaram-me mais tarde – disseram-me: vamos esgotar as possibilidades, vamos reconsiderar. E então reuni de novo os organismos e encontramos no sítio onde a diocese tinha nascido, à volta de Miranda do Douro, três novas propostas, só de terreno e água, como elas depois pediam. Para que não houvesse esta correspondência, este intercâmbio só à distância, disse que o melhor era virem cá. Veio a abadessa e a ecónoma-geral, vimos os lugares e elas escolheram Palaçoulo. A paróquia de São Miguel já tinha um terreno, elas precisavam à volta de 20 hectares; depois, o pároco e a paróquia mobilizaram-se, as pessoas também, e aí aconteceu o grande milagre de trocas, de permutas, de vendas e conseguiu-se à volta dos 30 hectares, como está hoje. E este é outro dos sinais do sonho de Deus que, desde a primeira hora, começou e nós acreditamos nesta sua presença.

Esta centralidade do Interior também vem por aqui, não só do Interior, mas da interioridade. Porque é este olhar contemplativo, a partir de Palaçoulo, como este oásis de paz, de luz, nessa grande corrente da Regra de São Bento, não apenas para a Diocese de Bragança-Miranda, mas para toda a Igreja presente em Portugal e no resto do mundo, porque tem esta dimensão também universal e a rede dos vários mosteiros trapistas, tanto masculinos como femininos.

 

Palaçoulo surgiu assim de uma circunstância, ou foi o reunir de fatores e a vontade da madre abadessa e da ecónoma, quando cá vieram? O que é que levou a escolher aquela freguesia?

Quando eu as acompanhei, para aquele terreno, nós tivemos essa expressão de dizer que é um sonho de Deus. Portanto, foi a conjugação de vários elementos e também da boa vontade, do coração generoso e disponível daquelas famílias, da paróquia.

 

E é uma freguesia, uma paróquia com poucos habitantes?

Não, no conjunto da Diocese de Bragança-Miranda, até é uma aldeia bastante grande, deve ter à volta de 400 habitantes, e com algumas fábricas lá, não há desemprego. Têm a tanoaria, dos talheres, dos faqueiros, várias outras dimensões ligadas ao fumeiro e outras especialidades da região. Tudo isto também favoreceu: o mosteiro ficará à volta de 2 quilómetros da proximidade da aldeia, em conjugação com o Município de Miranda do Douro, porque depois este processo também levou algum tempo – foi necessária a revisão do PDM, tantas outas burocracias, jurídicas, canónicas. Mas, felizmente, agora estamos no prosseguimento efetivo da concretização da obra.

Esta primeira fase, que vamos benzer, no dia 24, o dia da solenidade de São João Batista e também significativo por isso, por ser o precursor, aquele que diz “é necessário que Ele cresça e eu diminua”. É este tal olhar contemplativo, na criação, no mundo, na sociedade contemporânea, esta atitude das próprias irmãs, desta comunidade de dez monjas, que já está constituída, que vivem do seu próprio trabalho. Fazem da Liturgia o trabalho principal, e – no alinhamento de São Bento, ‘ora et labora’, concretizam o seu dia a dia. A sustentabilidade do mosteiro virá do próprio trabalho das irmãs, com a ajuda de muitas pessoas, de alguns técnicos, professores, até, do Instituto Politécnico e da Universidade de Trás-os-Montes, que estão a ajudar a ver qual o melhor cultivo, as melhores árvores, o melhor aproveitamento do terreno. As irmãs já têm algumas indicações, seja na produção de mel, de compotas, até da “pasta” italiana, para pequenas e grandes superfícies. O próprio trabalho dá sustentabilidade à comunidade e também à própria casa de acolhimento, que é esta primeira fase.

 

Esta a iniciar-se então a construção da casa de acolhimento. As irmãs irão fixar-se aí?

Sim, numa primeira fase vão fixar-se na casa de acolhimento e, segundo a Regra de São Bento, é muito importante aquilo a que se chama a hospedaria – porque receber um peregrino, um hóspede, é como receber o próprio Jesus Cristo. Esta primeira fase é a construção desta casa, que depois do estudo da realidade, está perfeitamente insculturada, porque será com os materiais da região. Como as próprias irmãs chamam, é já o início de uma aldeia para Deus.

A construção da aldeia de acolhimento também tenta expressar aquilo que é o típico de uma aldeia transmontana, sobretudo do planalto mirandês.

 

Depois segue-se a Igreja?

Sim, a segunda fase será o mosteiro, propriamente dito, com a igreja abacial, que está pensada para 40 monjas. Dez já estão, nesta primeira comunidade…

 

Agência Ecclesia/MC

Que estão na Itália, ainda? Já a viver em comunidade?

Sim, estão na Itália ainda. E têm alguns atos já como comunidade – como a hora intermédia e os outros trabalhos ditos manuais. Isso já as configura como comunidade, têm superiora, têm ecónoma, têm a própria organização interna de uma comunidade monástica.

 

Terão só de mudar de local, brevemente. Dentro de um ano, será?

Esperemos que sim. Que depois se inicie de imediato, é esse o compromisso, o mosteiro propriamente dito. Para esta primeira fase, as irmãs também já têm os fundos necessários para isso; na segunda fase, estão já no início de uma campanha internacional e, esperamos, também da colaboração e generosidade de outros mosteiros, outras pessoas, outras famílias.

 

São elas próprias que conseguem os recursos financeiros para a construção?

Sim, sim. Nesta primeira fase, conseguiram elas mesmas, porque segundo a regra trapista, para se fundar um novo mosteiro, é preciso que haja um pequeno fundo, do início das obras. O resto, contarão certamente com a nossa colaboração e a nossa generosidade.

 

Quando uma fábrica se fixa no Interior, vêm os indicadores de desenvolvimento que essa indústria pode constituir e é sempre um fator louvável para a sociedade local. Porque é que entende a fixação de um mosteiro de vida contemplativa como um fator relevante para a sociedade e para a Igreja?

Ao longo da história da Igreja, todos os mosteiros foram fatores de desenvolvimento integral, cultural, espiritual…

 

Não está em causa apenas a vida contemplativa, de silêncio?

Sim, envolve todas as pessoas que irão ao mosteiro, como de resto os oito mosteiros fundados desde Vitorchiano e tantos outros têm sido esses fatores de desenvolvimento. Poderá não ser num momento inicial, mas depois, sim: não só aqueles peregrinos, as pessoas que vêm fazer a experiência ao mosteiro, mas tudo aquilo que de beleza de oração, do tal olhar contemplativo de que falávamos, que hoje é tão necessário, na busca do silêncio, da espiritualidade, do ir às fontes da fé e das raízes cristãs. Palaçoulo será, sem dúvida, um centro que há de atrair tantas pessoas que andam em busca de Deus e de um sentido para a sua vida.

 

É o Interior a permitir chegar à interioridade de cada um?

Sim, esta harmonia entre a interioridade e a exterioridade, a corporeidade e a cordialidade, fará também deste mosteiro trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja, à semelhança do que acontece em Vitorchiano, um lugar de peregrinação, de retiro e de recolhimento. Normalmente – por isso é que as irmãs pediram tanto espaço à volta do mosteiro – é muito frequente nascer uma aldeia, uma cidade, uma vila em torno dos mosteiros.

 

É para salvaguardar o ambiente delas?

Exatamente, porque a vida contemplativa exige o silêncio. Aquele lugar, como as irmãs têm dito, nas visitas que têm feito, não poderiam encontrar melhor. Cada vez que eu vou lá, redescubro novos olhares que poderão surgir, a partir dali, porque é uma construção de raiz. Nesta velha Europa, sobretudo num interior tão profundo como é o nordeste transmontano, a Diocese de Bragança-Miranda, é um novo desafio, mas é também este sinal luminoso de esperança e da tal centralidade do Interior e da interioridade.

 

Um facto que, por certo, vai marcar a Diocese de Bragança-Miranda, revitalizar, redinamizar e que acontece quando D. José Cordeiro foi constatando que a velhice, nomeadamente naquele ambiente, é deitada ao isolamento, é olhada só pelo aspeto da debilidade afirmou numa carta que publicou em março. Tudo isso aconteceu depois do contacto com muitas IPSS, creio. O panorama que encontrou foi de facto de rejeição do idoso?

Ao longo deste ano, e até novembro, continuo essa peregrinação pelas IPSS canónicas, aquilo que chamamos a visita pastoral da diaconia da caridade. Constato muitas boas práticas, a maioria, felizmente. Mas, constato também no terreno o isolamento, a solidão, e até o esquecimento. Aquilo que estamos mais habituados a sentir como notícias nas grandes cidades, infelizmente, na globalização em que vivemos e nesta cultura dominante, também já acontece no Interior e em muitas aldeias.

 

Pela saída dos filhos e dos netos?

Sim, mas também pela cultura do descartável em que vivemos, pela não-utilidade, e da fragilidade não olhando esta fase da vida como um dom e uma bênção de Deus. E aquelas pessoas que estão nas instituições, felizmente, estão bem cuidadas. O que dói é que há muitas famílias que já não visitam as pessoas, choca esta solidão não acompanhada das pessoas.

 

Falava na altura no desprezo dos idosos?

Sim, já temos muita experiência disso. No caso dalgumas pessoas, tem de ser a própria instituição ou a paróquia a cuidar das suas exéquias e do funeral. Isto é revelador do ambiente em que vivemos, que é desumano. Situações de abandono… Recentemente na visita a um centro social e paroquial encontrei uma senhora que estava como vaga da Segurança Social, não era dali, mas foi enviada. É mãe de oito filhos e está abandonada naquela casa, não há um, ao menos, que possa cuidar dela ou visitá-la e, agora, estamos nesse encaminhamento com o pároco e da proveniência dela.

Há outras situações, como conheci, algumas de violência doméstica de que os idosos são alvo e que desculpam sempre e são os filhos ou os parentes mais próximos encontram sempre justificações para dizer que não foi fruto disso mesmo. Isto interpela-nos, é muito preocupante e algumas situações já muito alarmantes.

Muito já foi feito, muito está a ser feito no terreno, mas muito mais poderemos fazer, sobretudo cuidar da boa vizinhança e nós sermos uma presença uns dos outros – sermos como que um anjo da guarda uns para os outros, e isso até nas aldeias mais pequenas. Estamos a refletir o modo como, porque também os párocos já são menos, têm menos capacidades de resposta na proximidade, mas com diáconos permanentes, com pessoas consagradas, com leigos e com alguém daquela terra que haja esse cuidado diário. Também já numa aldeia aconteceu aquilo que parecia inevitável, só depois de três dias de alguém ter falecido se ter dado conta da sua ausência na comunidade, isto é revelador, pelo isolamento.

 

Agência Ecclesia/MC

Acredito que as Instituições Particulares de Solidariedade Social tenham um papel relevante nesse acompanhamento. Como tem encontrado essas instituições, nomeadamente, na sustentabilidade económico-financeira?

De um modo geral, a realidade está positiva, mas em muitas delas, sobretudo aquelas que têm só o apoio domiciliário ou centro de dia, a realidade é muito preocupante. Felizmente, que na maioria dos casos há uma boa articulação com as autarquias, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, e todos em colaboração, atendendo às nossas características de despovoamento, envelhecimento, tudo aquilo que é mais do que conhecido, há esta boa cooperação, mas não basta porque, nalguns casos, as situações pode piorar se não houver aqui uma alteração na cooperação. Acho que é nesta linha que temos de colocar-nos, Igreja e Estado, nas suas várias instituições, porque doutra maneira não vamos lá e os cidadãos que estão a ser cuidados e a ser acompanhados nestas instituições não são cidadãos de segunda.

A cooperação tem de ser recíproca, como o próprio nome indica, e não podem ser criadas obstáculos – da nossa parte com a transparência, o rigor, aquilo que é próprio da nossa missão e é nessa atitude que nos queremos situar e continuar.

 

Também não são cidadãos de segunda as pessoas com deficiência e a Diocese de Bragança-Miranda tem feito um trabalho de atenção à pessoa com deficiência no âmbito diocesano. Que relevância tem esta prioridade da diocese, que ações vão sendo desenvolvidas nomeadamente da inclusão e da acessibilidade, como o tema foi debatido recentemente nas jornadas para pessoas com deficiência?

De facto, há cinco ou seis anos temos um Serviço Diocesano da Pastoral às Pessoas com Deficiência e, antes de mais, temos estabelecido o encontro entre as várias instituições que têm este especial cuidado, tanto canónicas, como civis e associações e isso tem sido feito um caminho muito belo e positivo.

Na questão da inclusão e das acessibilidades ao nível das comunidades, porque há famílias que ainda têm esse estigma e têm dificuldade em abrir as suas portas…

 

Nota isso na sua diocese e no isolamento das aldeias?

Na visita pastoral ainda noto…

 

Há pessoas com deficiência que vão permanecendo escondidas em casa?

Sim, sim, e que algumas famílias, se cuidam, não mostram e, às vezes, têm essa dificuldade na própria relação com eles; nisso temos avançado bastante. Ao nível das acessibilidades foi feito um levantamento a começar pela cidade de Bragança, inclusivamente, das igrejas e tantos outros lugares e em colaboração com as autoridades civis e públicas estamos a remediar muitas coisas que já deviam ter sido resolvidas. Mas nós temos sentido isso sobretudo nas nossas celebrações e nos vários encontros.

Ainda há pouco tempo, no dia arciprestal do Arciprestado de Bragança-Miranda foram várias pessoas com deficiência e foi contemplado na programação as atividades e que sejam assumidas com toda a naturalidade e que ninguém se sinta fora porque todos filhos de Deus e todos somos membros da Igreja e todos temos uma missão.

 

Acredito que enquanto presidente da Comissão Episcopal da Liturgia esse seja um tema que deva estar entre as prioridades. Pergunto se, de facto, se está tornando também o ambiente litúrgico inclusivo e acessível a todas as pessoas?

Já existem boas práticas, estamos também numa boa articulação com o organismo correspondente da Conferência Episcopal Italiana e, no que respeita a algumas publicações e algumas ações concretas, queríamos dar passos mais decididos. Sei que também outras dioceses em Portugal estão com estes serviços diocesanos e outras estão a criá-los, há uma coordenação nacional e estamos nesse diálogo constante para que todos possamos participar da mesma missão. Como também o lema deste ano missionário: “Todos, tudo e sempre em missão” e que ninguém se sinta, por qualquer motivo, fora da comunhão porque somos todos chamados a esta comunhão e que nos envolva a todos como o próprio sentido da liturgia: “O Pai, pelo Filho, no Espírito Santo”, e ai cabemos todos.

 

Uma última questão, diz respeito à concretização em cada diocese de uma comissão de proteção de menores. No caso de Bragança-Miranda em que ponto está essa concretização?

Esperamos em breve fazer a nomeação dessa comissão diocesana de proteção de menores e outras pessoas vulneráveis. Nós (bispos portugueses) na assembleia plenária, que se concluiu no dia 2 de maio, decidimos isso e de imediato procedemos a esses mecanismos. No passado dia 14 de junho tivemos o conselho presbiteral e espero nas próximas nomeações, que serão no dia 2 de julho, apresentar a nossa comissão diocesana.

 

(Uma equipa) Interdisciplinar?

Sim, sim, com aquelas características que já tinham sido apontadas nas nossas diretrizes e, agora, no Motu Próprio do Papa Francisco, segundo. também, aquilo que vamos partilhando entre os bispos e as várias dioceses.

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Agência ECCLESIA

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