Servidores da alegria e da esperança do Evangelho
Caríssimos Irmãos: D. António Montes, Senhor Vigário-geral, Presbíteros, Diáconos, Religiosas, Seminaristas, Acólitos e todos vós, Irmãos e Irmãs!
Como é bom e belo encontrarmo-nos aqui como irmãos, nesta Quinta Feira Santa, em clima de cenáculo, para voltar sempre de novo às origens do nosso ministério. Com fraterno afeto saúdo-vos a todos e cada um do íntimo do coração, agradecendo a vossa presença que muito me alegra e conforta.
Em nome pessoal, do Presbitério e de toda a Diocese, dirijo uma saudação de particular congratulação aos presbíteros que celebram os 25 anos ordenação sacerdotal: Padre Francisco Normando Lourenço Pimparel e o Padre José do Espírito Santo Rodrigues e também às consagradas que neste ano celebram festivamente a sua doação total a Deus, nomeadamente a Irmã Florbela. Saúdo o Diácono João Paulo de Magalhães Pereira, da congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição (MIC), que será ordenado presbítero no sábado de Pentecostes, em Macedo de Cavaleiros e o seminarista Nelson Vale que se prepara para receber o Diaconado, no domingo mais próximo da Festa S. Bento, nosso Padroeiro.
Na comunhão dos santos temos presentes os sacerdotes que não puderam vir por motivo de saúde e grata recordação daqueles que partiram para a casa do Pai.
Para se apresentar e descrever a sua missão, Jesus, na Sinagoga de Nazaré, pediu emprestadas palavras ao profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres” (Is 63, 1). Sentimos que a primeira e segunda leitura têm expressão máxima no Evangelho, numa tarde de sábado, na sinagoga de Nazaré, mas também nesta manhã de Quinta-feira Santa, nesta catedral de Bragança. Também nós, envolvidos pelo Espírito e reunidos em unum presbyterium, pedimos em empréstimo as mesmas palavras, sem esquecermos que Jesus não só as pronunciou em Nazaré, mas lhe deu sentido pleno, corpo, rosto e voz; fazendo-as saltar da superfície plana da folha de papiro.
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres” (Is 61,1) – que expressões mais belas e profundas poderíamos encontrar para o presbitério de uma diocese poder afirmar, em uníssono, a sua identidade diaconal e não patronal ou clerical.
Há certamente consenso entre nós. Esta é mesmo a única maneira de podermos dizer quem verdadeiramente somos e qual a missão que devemos realizar. Por isso nunca será demais repetir palavras que soaram primeiro na boca de Isaías e de Jesus: “ungido, enviado, curar, libertar os cativos, dar vista aos cegos” e clarificamos ainda “enviado a anunciar a boa nova aos tristes, a curar os corações atribulados, proclamar redenção e liberdade aos cativos e prisioneiros, proclamar o ano da graça de Deus em que todos os pecados e débitos são perdoados, a proclamar a justiça de Deus, que salva, a consoar os aflitos”. De facto, bastariam estes termos para nunca esquecermos a beleza, a grandeza e a dignidade da nossa vocação presbiteral. Eu e vós somos os Sacerdotes do Senhor e a nossa Missão é clara e comprometida com a humanidade, comprometida com os mais frágeis e esquecidos, com últimos entre os últimos da humanidade. Os jovens, mais audazes e sedentos da bondade da humanidade, diante desta oferta vocacional não podem ficar indiferentes. Temos a missão de lhe dar a conhecer o verdadeiro sacerdócio!
Guardemos connosco, hoje, amados irmãos, a unção que nos torna sacerdotes. Sim, somos um presbitério de Ungidos: bispo, sacerdotes e diáconos. Ungido diz-se em hebraico Mashîah, e em grego Christós, termos que, em português soam Messias e Cristo.
Somos ungidos no corpo e, verdadeiramente, ungidos no coração. Não podemos mais deixar de ser quem somos, outros Cristos. É este óleo do Crisma que vai ser, nesta Missa Crismal, confecionado e consagrado pelo bispo, com o testemunho e cooperação dos sacerdotes. Vão igualmente ser benzidos o óleo dos enfermos, destinado a servir de remédio e de alívio aos doentes, e o óleo dos catecúmenos, destinado a dispor os catecúmenos para o Batismo.
O óleo do Crisma que vamos consagrar, e os óleos dos enfermos e dos catecúmenos que vamos benzer, constituem, para nós, um autêntico manancial ou programa de vida. Igual ao de Cristo. Outros Cristos, ungidos no coração, para levar o anúncio do Evangelho a todos os nossos irmãos.
O mais importante na vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. Por isso, é decisivo que o dia comece e acabe com a oração; que escutemos Deus na leitura da Sagrada Escritura; que Lhe digamos os nossos desejos e as nossas esperanças, as nossas alegrias e sofrimentos.
«Fixar os olhos em Jesus» é uma graça que devemos cultivar como sacerdotes. No fim do dia, é bom olhar para o Senhor e deixar que Ele contemple o nosso coração, juntamente com o coração das pessoas que encontramos. Não se trata de contabilizar os pecados, mas duma contemplação amorosa em que vemos o nosso dia com o olhar de Jesus repassando assim as graças do dia, os dons e tudo o que Ele fez por nós a fim de Lhe agradecermos. E mostramos-Lhe também as nossas tentações, para as identificarmos e rejeitarmos. Trata-se de compreender que a missão de Cristo é unir todos ao Pai e entre si e a nossa missão é ligar todos a Jesus Cristo e entre si. Somos chamados a uma doação total a Cristo e aos irmãos, procurando ser discípulos felizes, fiéis, fiáveis e missionários.
A imagem do sacerdócio, por si, já marcante na primeira leitura, é clarificada na segunda leitura, nós somos um reino de Sacerdotes, graças a Jesus Cristo, trespassado. Mais do que estar ao serviço dos últimos da humanidade, tal como Jesus, olhando para Ele configurando-nos com Ele, temos de aceitar ocupar o lugar do último. Aceitar a cruz, porque o amor é mais forte que a morte. Ali está o sacerdócio autêntico. Quando sentis que a vossa vida pastoral vos trespassa, e movidos por amor perseverais na vossa missão, nesse momento, estais na cruz com Jesus, estais a salvar a humanidade, num momento pleno de sacerdócio.
O seguimento de Cristo pode ser vivido de formas variadas, mas é nas ações litúrgicas que Cristo, especialmente na celebração da Eucaristia, que está de modo especial e realmente presente. Por isso, “a liturgia é estar à volta da pessoa do Senhor, escutá-lo, falar-lhe, rezar-lhe, deixá-lo rezar por nós. Tudo isto que os Evangelhos referem de Jesus entre a gente é uma antecipação da liturgia e por sua vez a liturgia é uma continuação dos evangelhos” (C. Martini).
O essencial do ministério sacerdotal é a unidade com Cristo e a unidade com os irmãos. A missão fundamental do padre é unir as pessoas a Cristo e entre elas, imitando o Bom Pastor. O padre é, portanto, alguém descentrado, centrado e concentrado. Descentrado de si mesmo, centrado em Cristo, concentrado na comunhão e no serviço a todos, procurando construir a unidade na diversidade.
O sacerdote foi ungido com o óleo da alegria para ungir com o mesmo óleo da alegria. Podemos dizer, recordando palavras do Papa Francisco, que “o sacerdote é o mais pobre dos homens, se Jesus não o enriquece com a sua pobreza; é o mais inútil, se Jesus não o trata como amigo; é o mais louco dos homens, se Jesus não o instrui pacientemente como fez com Pedro; os mais indefeso dos cristãos, se o Bom Pastor não o fortifica no meio do rebanho. Não há ninguém menor que um sacerdote deixado meramente às suas forças; por isso, a nossa oração de defesa contra toda a cilada do Maligno é a oração da nossa Mãe: sou sacerdote, porque Ele olhou com bondade para a minha pequenez (cf. Lc 1, 48). A partir da nossa pequenez, recebemos a alegria que nos unge, incorruptível e missionária”. (Papa Francisco, Missa Crismal de 17 de abril de 1014).
Como padres, somos ungidos para ungir. Perdoados para perdoar. Curados para curar. Amados para amar. Ungimos, oferecendo-nos a nós mesmos, partilhando a nossa vida e doando o nosso coração.
O carácter indispensável do ministério sacerdotal, convida-nos a um empenhamento decidido e decisivo na pastoral das vocações sacerdotais. São João Paulo II deixou-nos palavras acutilantes a esse respeito: “É necessário e urgente estruturar uma vasta e capilar pastoral das vocações, que envolva as paróquias, os centros educativos, as famílias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando este pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino” (NMI, n. 46). E aí o nosso papel de sacerdotes é decisivo. Pelo testemunho da nossa vida, que torna atraente, embora exigente, este ministério; pela disponibilidade para acompanhar pessoalmente os jovens na sua caminhada de fé e de discernimento vocacional; pela coragem de interpelar e chamar, como o Senhor chamou; pelo cultivar em toda a comunidade cristã o interesse pelas vocações sacerdotais, sobretudo através da oração, do conhecimento e amor aos nossos seminários e aos atuais candidatos ao sacerdócio. Nesta Quinta Feira Santa, na alegria do nosso presbitério reunido, queria pedir-vos, queridos Padres, um empenhamento decidido nas vocações sacerdotais. É o nosso amor à Igreja que o exige, é o próprio Senhor que nos atraiu a nós, Quem no-lo pede. As vocações sacerdotais são um dom de Deus; mas nós podemos merecê-lo através da nossa fé, da nossa oração e dedicação apostólica.
Grande e admirável mistério e beleza encerra o nosso ministério! O padre é, na verdade, um tecedor dos fios de comunhão fraterna num trabalho quotidiano, paciente e perseverante, de acolhimento, de escuta, compreensão, acompanhamento, de cultura de encontro e diálogo entre todos. Isto é espiritualidade incarnada e riqueza humana! Quem, como o padre, tem um campo de relações tão ricas e belas com crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, doentes, pobres, famílias e feridos da vida?
Que cada um procure no mais profundo do seu ser, do seu coração e memória, da sua vida, aquele sim apaixonado e firme que expressou no dia da sua ordenação; recorde a unção, o momento e singular de prostração por terra, quem o auxiliou a vestir a casula a primeira vez, os sacerdotes que um a um lhe impuseram as mãos, quem o olhou nos olhos quando disse sim; as lágrimas dos seus familiares… esse sim, repetido tantas vezes, em cada manhã e em cada anoitecer, ganha força de novo agora na renovação das promessas sacerdotais.
Caros padres, renovando as nossas promessas peçamos ao Senhor, por intercessão de Maria, Senhora das Graças e de São Bento, a graça da fidelidade criativa para sermos servidores da alegria e da esperança do Evangelho.
Senhor, faz de mim um sacerdote servidor da alegria e da esperança do Evangelho!
“Oferecendo” tempo aos jovens para os conhecer, ouvir, acompanhar e crescer com eles. Disposto a tudo fazer para que os adolescentes e os jovens cruzem o seu olhar com o Teu olhar, Senhor, e escutem a Tua voz e chamamento.
Senhor, faz de mim um sacerdote servidor da alegria e da esperança do Evangelho!
Prestando particular atenção às famílias que vivem na tribulação e na ansiedade, derramando o óleo da consolação, fazendo-me samaritanamente próximo, servidor da vida, caminhando com o coração e o passo dos mais frágeis!
Senhor, faz de mim um sacerdote servidor da alegria e da esperança do Evangelho!
Renovando sempre a convicção de que a minha tarefa principal é a de construir comunidade. Por isso faz, Senhor, que eu procure tecer e refazer sempre os finos fios da sinodalidade: convidando, formando e apoiando colaboradores pastorais para os diversos serviços!
Senhor, faz de mim um sacerdote servidor da alegria e da esperança do Evangelho!
Deixando-me guiar pelo Teu Espírito, procurando crescer sempre na total disponibilidade e na alegria evangelizadora, ajuda-me, Senhor, a anunciar, por todos os meios, a tua Palavra, semente de alegria e de esperança, para que ilumine e aqueça a vida das pessoas, das famílias e da sociedade!
Senhor, faz de mim um sacerdote servidor da alegria e da esperança do Evangelho!
Amando estas terras transmontanas, reconhecendo-as visitadas todas as manhãs pela presença amorosa de Deus Pai. Partindo da celebração quotidiana da Eucaristia, faz de mim um homem de Páscoa, de olhar voltado para o Reino de Deus, para onde a história humana caminha, apesar dos atrasos, das obscuridades, violências e contradições.
Envia-nos o Teu Espírito, Senhor, para que o nosso coração seja cada vez mais um coração semelhante ao Vosso. Ámen!
Catedral de Bragança, Quinta-feira Santa, 28.03. 2024
D. Nuno Almeida
Bispo de Bragança-Miranda