Bragança-Miranda: Homilia de D. Nuno Almeida na celebração da Paixão do Senhor

Foto BLR/SDCS

Perante os “calvários” e “infernos” atuais: O amor em Sim maior!

1.O relato da paixão e morte do Senhor suscita em nós infinitas emoções e reflexões. Cada evento narrado está imbuído de um profundíssimo significado, que se vai esclarecendo na escuta atenta do texto da liturgia desta Sexta-Feira Santa. Somos convidados a seguir Jesus, passo a passo, até à colina rochosa do Gólgota (em aramaico), Calvário (em latim), isto é, do Crânio. Ali nos esperam, silenciosos, Maria e o Discípulo Amado, com os olhos fixos no Crucificado. As sua últimas palavras “Tudo está consumado”, no grego original, bem poderiam traduzir-se por “foi atingida a meta final”. Por isso, não se trata do fim, mas sim do início de uma história sublime, que ainda hoje prossegue.

2.A Liturgia de hoje faz-nos contemplar Aquele que é elevado sobre a cruz, que “sobe” descendo, despojando-se e entregando-se: Sendo Deus, desce ao fazer-se Homem; sendo Homem, faz-se servidor; sendo Servo faz-se Pão na Eucaristia, sendo nosso Alimento (para entrar na nossa história pessoal, familiar e comunitária), faz-se nada de amor na Cruz e revela-nos a beleza do amor que salva (veio para salvar e não para condenar…). O que pode fazer mais Jesus para vir ao nosso encontro, entrelaçar-se na nossa vida, entrar em comunhão connosco? O que pode fazer mais para nos manifestar o seu amor? O que poderá fazer para nos apontar o mesmo caminho de salvação?
Há que olhar em cada instante, não tanto para a Cruz, mas para o Crucificado, não tanto para a dor, mas para a beleza do amor que salva, do amor entregue até ao fim, expressão, narração suprema do amor de Deus.

3.Jesus aceita a cruz com liberdade e amor. Sobe ao calvário e desce aos infernos. Quais são hoje os nossos “calvários” e a que “infernos” urge o Senhor descer para salvar?
A nós também nos entrega ao mundo com a missão de não passar ao largo e olhar para outro lado perante os “calvários” e os “infernos” do nosso tempo. Perante as atuais cruzes e outros instrumentos de tortura e morte. Esses instrumentos chamam-se hoje: guerras, fome, prepotência, dominação, escravidão, indiferença e falta de vontade real e eficaz de baixar da cruz a tantas pessoas crucificadas.

Ontem, na televisão, uma jovem sobrevivente do terrível atentado de Moscovo, lançava um forte e emocionado apelo: sejamos mais bondosos e mais humanos uns para com os outros, não esperemos por momentos dramáticos como aquele que vivemos!

Logo a seguir, os meus olhos encheram-se de lágrimas e do meu coração brotou uma oração de clamor perante as imagens de um bebé desnutrido num dos miseráveis hospitais de Gaza. Mas são tantas as crianças que agora ali morrem de fome e vítimas das armas. E são tantos outros os “calvários” e os “infernos” do nosso tempo!

Cristo foi morto injustamente e, por isso, temos obrigação de dizer que quem ofende e suprime a vida do Homem ofende e suprime a Cristo. Não nos calemos para defender a dignidade da vida. Precisamos de uma ardente e corajosa ação educativa em favor da vida. Podem ajudar-nos as palavras atualíssimas do Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes: “As coisas que atentam contra a própria vida, como são os homicídios de qualquer espécie, os abortos, a eutanásia e o próprio suicídio voluntário; tudo aquilo que constitui uma violação da integridade da pessoa humana, como são as mutilações, as torturas morais ou físicas, as psicológicas; tudo o que ofende a dignidade do homem, como são as condições infra humanas de vida, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravatura, a prostituição, o comércio de mulheres e raparigas, ou ainda as condições de trabalho degradantes, que reduzem os operários a instrumentos de lucro, sem ter em conta a sua personalidade livre e responsável; todas estas coisas e outras semelhantes são, na verdade, uma infâmia; enquanto corrompem a civilização humana, desonrando os que a elas se entregam mais do que aqueles que sofrem a injúria: e são contrários à honra devida ao criador” (GS 27). São muitos os “calvários” e os “infernos” do nosso tempo!

4.A celebração de Sexta-feira Santa ensina-nos que há três tipos de sofrimento: o que nós provocamos ou sofremos por causa dos outros, o sofrimento que está na natureza, o sofrimento necessário para um bem maior – o primeiro há que evitá-lo sempre, o segundo há que aceitá-lo, o terceiro é preciso assumi-lo corajosamente. A dor faz parte da vida. O mais importante é o modo como enfrentamos o sofrimento. A atitude que temos está do nosso lado. Porque é que Jesus suportou tanta dor? Por amor! “Ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos amigos” (Jo 15, 13). Quem percorre o caminho do amor tem muitas vezes de enfrentar situações muito difíceis. Quem se decide contra a violência parece que pertence ao grupo dos perdedores e até poderão troçar dele. Mas é este o caminho certo. Jesus, para salvar o mundo, toma sobre Si o sofrimento.

As palavras “amou-os até ao fim” significam: até ao fim da sua vida, até ao último suspiro. Mas também contêm a ideia de perfeição. Querem dizer: amou-os completamente, totalmente, com uma intensidade extrema, em Sim Maior! Tocamos nestas palavras o estilo da vida de Cristo, o seu modo de amar!

Jesus vive a tragédia do Calvário para dar aos “seus” e a todos, para além das suas extraordinárias palavras, para além dos seus milagres, para além das suas obras, também a vida. Oferece-se até à morte, gritando o abandono do Pai, até ao ponto de poder dizer: “Tudo está consumado”.

Senhor Jesus Crucificado,
Hoje queremos confiar-Te
Todos os “crucificados” deste nosso tempo de violência.
Pedimos-te também por todos “cireneus”,
que aliviam o peso da Cruz dos seus irmãos.
Dá-lhes força, Senhor Jesus Crucificado,
para que continuem a usar o coração,
e imitando-Te suavizem a dor e a solidão,
estendendo a mão.
Senhor Jesus Crucificado,
abraça a todos os que sofrem
e a todos os que aliviam ou curam os que padecem! Ámen!

 +Nuno Almeida
Bispo de Bragança-Miranda

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