Bispo do Porto avalia actuação do Papa

Homilia de D. Manuel Clemente no «Te Deum» pelo terceiro aniversário do pontificado de Bento XVI Naquele dia, “para os lados de Cesareia de Filipe”, Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem dizeis vós que Eu sou?”. Simão Pedro tomou a palavra e disse: “Tu és o Messias [= Cristo], o Filho de Deus vivo”. Nestes dias, nestes últimos dias, o sucessor de Pedro, Bento XVI agora, entre Washington e Nova Iorque, não tem dito outra coisa: Jesus é “Cristo, nossa esperança”. E neste lema, que escolheu para a sua viagem apostólica aos Estados Unidos da América, resume-se bem o triénio que leva de pontificado, tal como as preenchidas décadas da sua vida, ensino e magistério. Dias antes de iniciar esta viagem, Bento XVI dirigiu uma Mensagem aos norte-americanos, católicos e não só, onde encontramos os tópicos essenciais da sua convicção e proposta, no que ao papel da Igreja no mundo diz respeito. Já os encontraríamos nos seus textos académicos a seguir ao Concílio, como nas posições que manteve como bispo e cardeal, desde os finais de setenta; e logo depois, como prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. Partindo desta última Mensagem, apuremos alguns. Em primeiro lugar, sobre os destinatários da acção pastoral, começando pela protagonizada pelo Papa. Nestes termos e em alargamento sucessivo, quando pretende “abraçar espiritualmente todos os católicos”; exprimir a “fraternidade para com todas as Comunidades eclesiais” e testemunhar a “amizade a todos os crentes e aos homens e mulheres de boa vontade” (BENTO XVI – Mensagem para a viagem aos Estados Unidos da América. L’Osservatore Romano, ed. port., 12 de Abril de 2008, p. 1 e 3). Foi especialmente com João XXIII e os documentos conciliares, que se acentuou este alargamento dos destinatários da proposta eclesial. Porque a Igreja foi mais articulada com o mundo, até em termos de mútua potenciação. Acolhendo o mundo que ela própria integra, enquanto partilha das alegrias e das esperanças, das tristezas e das angústias da humanidade contemporânea (cf. Gaudium et Spes, 1), a Igreja oferece-lhe a Boa Nova que a faz e refaz a si mesma, isto é, a Páscoa de Cristo, esperança de todos, dos que a vão conhecendo e dos que a almejam também. Neste sentido, a Igreja activa a esperança. Melhor dito, neste sentido, a esperança torna-se “performativa”, como escreveu Bento XVI na encíclica que dedicou à segunda virtude teologal. E explicando: “Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera factos e muda a vida […]. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova” (Spe Salvi, 2). Bento XVI, abraça espiritualmente os católicos, expressa a fraternidade que o une aos outros cristãos e testemunha a amizade aos seguidores de outros credos e a todos os homens e mulheres de boa vontade. Esta amizade universal é absolutamente inclusiva. Mas acontece – como Ratzinger / Bento XVI repetidamente o tem lembrado – que pode ser transformada em fraternidade autêntica nos que, pelo Espírito de Cristo, renascem como filhos de Deus. Fraternidade e filiação que Deus destina a toda a humana criatura; mas que, por serem oferecidas a pessoas livres e responsáveis, têm de ser propostas e aceites. Quer isto dizer – e di-lo o Papa no endereço da sua Mensagem – que esta sucessão de referências, da amizade à fraternidade, vai muito além da mera cortesia, transformando-se em pedagogia e convite. Pedagogia e convite, que são outros nomes da responsabilidade pastoral, tal como Bento XVI a sente e realiza. Há uma verdade recebida que tem de ser oferecida. Di-lo de seguida: “O Senhor ressuscitado confiou aos Apóstolos e à Igreja o seu Evangelho de amor e de paz, e confiou-o para que fosse levado a todos os povos”. Nem o relativismo pós-moderno nem um multiculturalismo desistente abrandarão no católico a urgência do testemunho, Como Pedro escrevia nos primórdios da Igreja, repeti-lo-á hoje Bento XVI: “no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça” (1 Pe 3, 15). Não o tomemos como privilégio, mas como encargo. Como o tomaram Pedro e o seu presente sucessor. Outra convicção, forte e constante, de Bento XVI é a da condição soteriológica da Igreja, que só com a graça e pela graça divina se sustenta, no seu ser e no seu agir. Teve de o lembrar muito antes de ser Papa, quando na Alemanha e em tantas outras partes foi frequente uma quase redução sociológica da Igreja e da evangelização. Volta a lembrá-la – àquela autêntica condição eclesial e apostólica – a propósito da sua visita à América, para servir a esperança duma nação e duma realidade eclesial onde não faltaram graves contrafacções, nem se extinguiram as respectivas sequelas. Por isso escreveu na sua Mensagem: “Estou convencido […] que sem a força da oração, sem a união íntima com o Senhor, as nossas iniciativas humanas serviriam muito pouco. É Deus que nos salva a nós, ao mundo e à história, É Ele o Pastor do seu Povo, eu vou enviado por Jesus Cristo, levar a sua palavra de vida”. Creio que todos os que o seguimos televisivamente nestes dias podemos depreender que só com tal consciência e consistência espiritual é possível ao “jovem octogenário” que é Bento XVI manter e infundir tanta serenidade e esperança, numa tão rápida sucessão de cenários, por vezes particularmente difíceis e melindrosos, do mundo político ao eclesial. É dessa consistência que brota o desassombro, é com essa verdade que se refunda a paz. Oiçamo-lo ainda a ele, noutro passo da Mensagem, transitando da soteriologia à cristologia: “Juntamente com os vossos Bispos, escolhi como tema da minha viagem três palavras simples mas essenciais: ‘Cristo nossa esperança’ […]: Jesus Cristo é a esperança para os homens e as mulheres de todas as línguas, raças, culturas e condição social. Sim, Cristo é o rosto de Deus que apareceu entre nós. Graças a Ele a nossa vida encontra a sua plenitude e juntos podemos formar uma família de pessoas e de povos que vivem em fraternidade, segundo o perene desígnio de Deus Pai”. Parece simples, o credo de Bento XVI. E realmente “simplifica” aos católicos de hoje o que Pedro simplificara já na resposta de Cesareia de Filipe: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Messias, Cristo, era para Simão Pedro e os crentes do antigo Israel o nome da esperança e da promessa, quando se realizassem por fim. À mesma esperança e da humanidade inteira, responde hoje Bento XVI, com um a linearidade que só o Espírito possibilita, quando Lhe abrimos a inteligência e o coração: “Cristo é o rosto de Deus que apareceu entre nós!”. Mas já neste último trecho Bento XVI alargava o âmbito da sua viagem de esperança. Pois se em Cristo temos Deus, é à humanidade inteira que Deus se oferece e destina. E o Papa sabe e ensina que, tendo em Cristo – verdadeiro Deus e verdadeiro homem – a sua figuração perfeita, Deus tem em cada criatura o seu sinal e na humanidade inteira a sua expectativa, essa mesma a que responde em Cristo. É esta a razão teológica que reforça e confirma a convicção católica duma humanidade comum e da afinidade geral de todas as consciências. Podemos falar de direitos humanos, como de valores e deveres: do que nos devemos uns aos outros, para prosseguirmos juntos e solidários, da unidade de princípio para a unidade do fim. Foi esta ordem de ideias que levou Bento XVI à Organização das Nações Unidas, para sublinhar a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por ela proclamada há sessenta anos. Reparemos, como muito importa, nos termos em que o Papa o anunciava na sua Mensagem, referindo o carácter universal e como que pré-confessional destes direitos, ponto importantíssimo para compartilharmos com todos, crentes e não crentes, as causas comuns e urgentes que esses mesmo direitos inculcam e tutelam: “Levarei a mensagem da esperança cristã também à grande Assembleia das Nações Unidas […]. De facto, o mundo tem necessidade de paz, de justiça, de liberdade, mas não poderá realizar esta esperança sem obedecer à lei de Deus, que Cristo levou a cumprimento no mandamento de nos amarmos uns aos outros. Fazei aos outros o que quereis que seja feito a vós, não façais o que não quereis que eles vos façam. Esta ‘regra de ouro’ encontra-se na Bíblia mas é válida para todos; também para os não crentes. É a lei inscrita na consciência humana, e sobre ela todos podemos estar de acordo, de modo que o encontro das diferenças seja positivo e construtivo para toda a comunidade humana”. Não se poderia ser mais claro, nem mais simples, nem mais oportuno. A grande aclamação que o Papa ouviu na sala das Nações Unidas trazia-lhe a concordância e o reconhecimento da generalidade dos povos. Remontemo-la agora, em louvor, alegria e compromisso renovados, ao perene Criador de todas as coisas, ao constante Benfeitor da Humanidade inteira: a Deus, que na vida, sabedoria e dedicação pastoral de Bento XVI, nos concede mais uma magnífica prova do seu cuidado e providência! Sé do Porto, 20 de Abril de 2008 + Manuel Clemente, Bispo do Porto

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