Bispo do Funchal comenta declaração comum sobre Maria de anglicanos e católicos

Maria, Graça e Esperança em Cristo Há poucos dias recebi uma carta do bispo anglicano Revmº Dr. Geoffrey Rowell, agradecendo o «verdadeiramente admirável acto litúrgico» que participou comigo na Madeira na vigília de Pentecostes. Por essa ocasião falamos do acordo a que tinha chegado a Comissão Internacional dos teólogos anglicanos e católicos sobre Nossa Senhora cujo documento seria assinado na cidade de Seatle, nos estados Unidos da América, a 19 de Maio. Enviou-me também, como prometera, o texto oficial em inglês – «Mary, grace and hope in Christ». Embora não se tenha escrito e falado muito sobre este texto de 81 páginas, que demorou seis anos a produzir, ele marca uma data importante nas disputas que durante 500 anos provocaram divergências sobre a pessoa de Nossa Senhora e a sua missão na Igreja de Jesus Cristo. Dois temas foram principalmente estudados, neste documento, pois eles eram explicados diversamente pelos católicos e anglicanos – os dogmas da Assunção de Nossa Senhora ao Céu e da Imaculada Conceição, e a sua relação com a Sagrada Escritura. O acordo histórico a que chegou a Comissão, marca um passo importante no caminho da unidade e suscitou um enorme entusiasmo e alegria, pois ao contrário do que se supunha, Maria Santíssima não podia constituir uma pedra de tropeço no caminho para a união dos cristãos. O documento afirma que os ensinamentos da Igreja Católica sobre a Assunção e Imaculada Conceição estão de acordo (consonant) com a forma como os anglicanos lêem a Bíblia. Afirma o grupo dos eminentes teólogos anglicanos que agora «não há uma razão teológica» para a divisão. Pelo contrário. este documento ajuda a uma mútua compreensão e constitui um novo passo para reforçar a união. O bispo de Nottingham, membro da Comissão, afirmou que Maria não deve mais ser considerada um obstáculo para a unidade entre as duas Igrejas, e o bispo católico Murphy-O’Connor, fez votos para que o documento seja estudado tanto pelos católicos como pelos anglicanos. O diálogo destes longos anos fortaleceu a compreensão entre as duas igrejas. Enquanto a devoção e a liturgia tinham lugar importante em relação a Maria, tanto entre os católicos e ortodoxos como entre os anglicanos, os dogmas da Assunção e Imaculada Conceição eram pontos de choque e controvérsia entre as duas igrejas, que, finalmente, e com a protecção e ajuda da mãe de Jesus, chegou a bom termo, durante o mês de Maio, tão rico da presença de Maria na liturgia – Ascensão, Pentecostes, Visitação, e na piedade popular – 13 de Maio e dia da mãe. 2 – Alguns membros da confissão anglicana como da evangélica, sentiam que o dogma da Imaculada Conceição, definido por Pio IX em 1854, assim como o da Assunção, definido por Pio XII em 1950, não tinham fundamento na Bíblia e deploravam todas as deduções ou desenvolvimentos que vão para além da Sagrada Escritura e concedem a Maria uma posição que pertence só a Jesus Cristo. Desde 1970 que uma Comissão anglicano-católica foi estabelecida para ser instrumento de diálogo entre as duas igrejas. O documento actual é um dos prometedores sucessos desse diálogo no campo ecuménico. Em Outubro de 2003 a Comissão foi suspensa por causa do escândalo provocado pelo Cónego Robinson, divorciado, e a viver com um companheiro, ao ser ordenado bispo de New Hampshire, nos Estados Unidos. Com a declaração de Windsor em 2004 que distinguiu diversas etapas de autonomia das províncias anglicanas, o diálogo continuou. O Papa Bento XVI colocou entre as prioridades do seu pontificado a unidade dos cristãos. O documento não dirime a controvérsia, ainda não esclarecida, da infalibilidade do Papa, mas estuda o conteúdo dos dois dogmas em referência à Sagrada Escritura, às posições da primitiva Igreja sobre Maria e às declarações dos Concílios realizados antes da divisão entre católicos e anglicanos. A doutrina da Imaculada Conceição não afirma que Maria não foi redimida por Cristo, mas foi, em virtude dos méritos de seu filho preservada do pecado original. Segundo o Novo testamento, ser cheia de graça significa ser isen- ta de pecado por causa do san- gue redentor de Jesus Cristo (Ef. 1, 6-7). Quanto à Assunção de Nossa Senhora ao Céu, a Bíblia não refere o fim de Maria Santíssima, mas menciona outros grandes servos de Deus, como Elias e Enoch, que foram levadas à presença de Deus no fim das suas vidas. Ora, o dogma da Assunção não afirma uma posição particular a respeito do fim da vida de Maria, não usa a linguagem de morte e ressurreição, mas celebra a acção de Deus em Maria. Desta forma, afirma o documento «nós podemos afirmar em conjunto que a doutrina que Deus tomou a bem-aventurada Virgem Maria na totalidade da sua pessoa na glória de Deus está conforme com a Escritura» … Os dois dogmas, independentemente da definição papal, encontram-se na Bíblia, sem dependerem da autoridade pontifical para o seu fundamento. Os católicos sempre aprenderam que o Papa não cria dogmas novos, com a definição dogmática esclarece o que se encontra em forma embrionária na Bíblia, que se torna desde esse momento para os católicos não opinião mas doutrina da Igreja. É preciso humildade e Espírito Santo para em conjunto praticar o diálogo na verdade e na caridade, não à pressa nem com falso ecumenismo. Rowan William, arcebispo anglicano de Cantuária, afirmara numa entrevista por ocasião de uma recente visita a Roma: «Nós anglicanos, experimentamos como pode ser difícil viver numa Igreja sem um centro claro de autoridade. Eu não quero ser um papa. Mas tenho presente o problema. Sei quanto é importante nas Igrejas ter uma verdadeira responsabilidade uns pelos outros. Na Igreja do Ocidente, essa exigência de uma autoridade central focalizou-se historicamente no Papado» … O grande teólogo Hans Urs von Balthasar, quando Paulo VI era criticado e atacado por todos os lados, escreveu: «agora eu vejo o que é realmente o ministério petrino». Podem os teólogos chegar a acordo, mas todos precisamos que uma voz, autorizada e em nome de Deus, nos diga – é doutrina da Igreja. Funchal, 5 de Junho de 2005 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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