Bento XVI: O pensamento sobre a morte e a ressurreição

«A imortalidade verdadeira pela qual aspiramos não é uma ideia, um conceito, mas uma relação de comunhão plena com o Deus vivo», disse o Papa emérito

Foto: Vatican Media

Cidade do Vaticano, 31 dez 2022 (Ecclesia) – O Papa Bento XVI, que faleceu hoje, deixou na última carta publicada pela Santa Sé, a 8 de fevereiro de 2022, reflexões sobre a morte e a vida eterna.

“Em breve, encontrar-me-ei perante o último Juiz da minha vida. Embora ao olhar retrospetivamente a minha longa vida possa ter tantos motivos de susto e medo, todavia estou com o coração feliz porque confio firmemente que o Senhor não é só justo juiz, mas simultaneamente é o amigo e o irmão que já padeceu, Ele mesmo, as minhas deficiências e, consequentemente, ao mesmo tempo é juiz e meu advogado”, referiu, num texto em que respondeu a acusações de má gestão de casos de abusos sexuais, enquanto arcebispo de Munique e Frisinga (Alemanha), pedindo perdão a todas as vítimas destas situações.

“O ser cristão dá-me o conhecimento, mais ainda, a amizade com o juiz da minha vida e permite-me atravessar com confiança a porta escura da morte”, escrevia.

No livro-entrevista “Últimas conversas” (2016), de Peter Seewald, Bento XVI respondeu a questões sobre a forma como encarava a morte, preparando-se para “ultrapassar o último exame diante de Deus”.

“Tenho sempre em mente o facto de que a vida terá um fim. Tento preparar-me para esse momento e, sobretudo, manter-me presente. No fundo, o importante não é imaginar, mas viver ciente de que toda a vida aponta para um encontro”, indicou.

Foi sendo para mim cada vez mais evidente que Deus, Ele próprio, não só não é, digamos, um governante poderoso e uma autoridade distante, mas também é Amor e ama-me, e que a vida se deve por isso organizar a partir dele, dessa força que se chama Amor”.

Quando questionado sobre o que deveria ser colocado na sua lápide, o Papa emérito responde “nada, apenas o nome”, embora admita, em seguida, que ali pudesse constar o seu lema episcopal, “colaborador da verdade”.

Bento XVI confirmou ter chegado à redação do seu “testamento definitivo”, precisando que se trata de um texto relativo aos seus “haveres” e não a reflexões teológicas, tendo pedido que os seus escritos pessoais sejam destruídos.

O Papa emérito abordou ainda o “medo” que poderia sentir, relativamente à morte e à sua própria “miséria”, diante de Deus.

“Apesar de toda a confiança que tenho de que o Deus amoroso não me pode abandonar, à medida que alguém se aproxima mais de seu rosto, mais intensamente sentirá o quanto fez mal. Sobre isso, a carga da culpa pesa sempre sobre alguém, mas a confiança básica sempre está lá”, disse.

Noutra parte da entrevista, o antecessor de Francisco aponta dimensões “teológicas” relativamente ao tema da vida eterna.

“Santo Agostinho disse algo que é um grande pensamento e um grande consolo. Ele interpreta a passagem dos Salmos ‘busca seu rosto sempre’ dizendo: isto se aplica ‘para sempre’, a toda a eternidade. Deus é tão grande que nunca chegamos ao fim. Ele é sempre novo. Há um movimento perpétuo, infinito, de nova descoberta e nova alegria”, declarou.

“Ao mesmo tempo, há o lado muito humano da questão: estou contente com a perspetiva de voltar a estar com os meus pais, os meus irmãos e amigos, e de poder imaginar que tornará a ser tão bom como quando estávamos em casa”, acrescentou.

Na última Missa a que presidiu, enquanto Papa, em sufrágio dos cardeais e bispos (3 de novembro de 2012), após a comemoração de todos os fiéis defuntos, Bento XVI sustentou que “o ser humano de todas as épocas procura uma fresta de luz que faça esperar, que ainda fale de vida.

“Como respondemos, nós cristãos, à questão da morte? Respondemos com a fé em Deus, com um olhar de esperança firme que se funda na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Então a morte abre-se à vida, àquela eterna, que não é uma cópia infinita do tempo presente, mas algo completamente novo. A fé diz-nos que a imortalidade verdadeira pela qual aspiramos não é uma ideia, um conceito, mas uma relação de comunhão plena com o Deus vivo”, afirmou.

A ressurreição de Cristo, que a Igreja Católica celebra na Páscoa, foi apresentada pelo Papa emérito Bento XVI na sua obra ‘Jesus de Nazaré’ como o elemento decisivo para decidir se “a fé cristã fica de pé ou cai”.

“Se se suprimir isto, certamente que ainda se poderá recolher da tradição cristã uma série de ideias dignas de nota sobre Deus e o homem, sobre o ser do homem e o seu dever-ser (uma espécie de conceção religiosa do mundo), mas a fé cristã estará morta”, assinala, no livro publicado em 2011.

A obra refere que a ressurreição de Jesus foi “a evasão para um género de vida totalmente novo, para uma vida já não sujeita à lei do morrer e do transformar-se, mas situada para além disso – uma vida que inaugurou uma nova dimensão de ser homem”.

Para Joseph Ratzinger, “se na ressurreição de Jesus se tratasse apenas do milagre de um cadáver reanimado”, em última análise isso não interessaria “de forma alguma”.

“Essencial é o dado de que, com a ressurreição de Jesus, não foi revitalizado um indivíduo qualquer morto num determinado momento, mas se verificou um salto ontológico que toca o ser enquanto tal”, apontava ainda.

Esta questão, sublinhou, é “o ponto decisivo” da sua pesquisa sobre a figura de Jesus.

OC

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