Bento XVI inaugura conferência histórica

Bento XVI inaugurou este Domingo os trabalhos da Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, encontro que se realiza apenas pela quinta vez em mais de meio século. Como o próprio referiu, nestes dias, em cima da mesa estarão as prioridades para a próxima década na região em que se encontram quase metade dos católicos de todo o mundo. Na linha do que foram as suas intervenções nesta viagem ao Brasil, o Papa convidou os representantes das 22 conferências episcopais da região a não confudirem o Cristianismo com qualquer ideologia. “Se a Igreja começasse a transformar-se directamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas, pelo contrário, faria menos, porque perderia a sua independência e a sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais questionáveis”, alertou. Os Bispos foram desafiados a centrar a sua acção na figura de Jesus para fazer face a um “certo enfraquecimento” da vida cristã. Esse fenómeno acontece, segundo o Papa, “devido ao secularismo, ao hedonismo, ao indiferentismo e ao proselitismo de numerosas seitas, de religiões animistas e de novas expressões pseudo-religiosas”. Ao alentar a Igreja para a acção evangelizadora, Bento XVI observou que a vida cristã não pode ser “uma fuga em direcção ao intimismo, ao individualismo religioso, a um abandono da realidade urgente dos grandes problemas económicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, e uma fuga da realidade em direcção a um mundo espiritual”. A vida cristã, sublinhou, “não se expressa somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e políticas”. Citando a encíclica Populorum Progressio, “o progresso dos povos”, de Paulo VI, o actual Papa disse que o compromisso da Igreja em enfrentar a injustiça social e ajudar os necessitados continuava actual, como fruto da fé no Deus que se fez pobre por nós, “para nos enriquecer com a sua pobreza”. O Papa defendeu que “oencontro com Cristo na Eucaristia suscita o compromisso da evangelização e o impulso à solidariedade; desperta no cristão o forte desejo de anunciar o Evangelho e testemunhá-lo na sociedade para que seja mais justa e humana”. “Da Eucaristia brotou ao longo dos séculos um imenso caudal de caridade, de participação nas dificuldades dos demais, de amor e de justiça. Só da Eucaristia brotará a civilização do amor, que transformará a América Latina e o Caribe para que, além de ser o Continente da Esperança, seja também o Continente do Amor”, apontou. Igreja e política Entre vários assuntos abordados num longo discurso, Bento XVI falou sobre os problemas sociais, assegurando que “a Igreja é advogada da justiça e dos pobres, principalmente por não se identificar com os políticos nem com os interesses de partidos”. Nesse sentido, defendeu que “os leigos católicos devem ter consciência da sua responsabilidade e vida pública, devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças”. Aos católicos, o Papa pediu que observem com atenção a vida política da América Latina, onde a persistência de “formas de governo autoritárias ou sujeitas a ideologias que se acreditavam superadas” é preocupante. Para Bento XVI, há uma carência de boas lideranças católicas, capazes de promover com eficácia e coerência os valores da religião nos seus respectivos campos de actividade, seja no âmbito da política, da comunicação ou do ensino. Seguindo a tradição da Doutrina Social da Igreja, o Papa distanciou a comunidade católica seja do marxismo, seja do capitalismo, apontando a consagrada “opção preferencial pelos pobres” como consequência natural da fé em Jesus Cristo. Neste discurso, o Papa denunciou que o grande erro do último século foi a tentativa de excluir Deus da realidade. “Este é o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destruidor, como demonstram os resultados dos sistemas marxistas e capitalistas. Falsificam o conceito de realidade amputando Deus do fundamento decisivo da realidade. Quem exclui Deus do seu horizonte falsifica o conceito de realidade e, como consequência, só pode acabar por caminhos errados e com receitas que destroem”, disse. Sobre o fenómeno da globalização, o Papa alertou para “o risco dos grandes monopólios e de converter o lucro no valor supremo”. “Como em todos os campos da actividade humana, a globalização deve reger-se também pela ética, colocando tudo ao serviço da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus”, indicou. Vida e família Bento XVI voltou a criticar o que considera ser ameaças à vida humana e à família, como o aborto, bem como o materialismo e o relativismo ético. O Papa afirmou que as “leis contrárias ao matrimónio” ou as que favorecem os contraceptivos e o aborto são ameaças ao “futuro dos povos”. Em jeito de oração, o Papa pediu a ajuda do Senhor para as famílias, quando “se acumulam as sombras que ameaçam a sua unidade e a sua natureza”. “Tu que és a Vida, fica nos nossos lares, para que continuem a ser ninhos onde nasça a vida humana abundante e generosamente, onde se acolha, se ame, se respeite a vida desde a sua concepção até o seu término natural”, acrescentou. Bento XVI lembrou ainda “aqueles que nas nossas sociedades são mais vulneráveis”, “os pobres e humildes”, “os indígenas e afro-americanos, que nem sempre têm encontrado espaços e apoio”. Para o Papa, a instituição da família, “património da humanidade”, é atacada pelo secularismo e o relativismo ético, males que devem ser combatidos, em especial pelos mais jovens, opondo-se “às fáceis ilusões da felicidade imediata e dos paraísos enganadores da droga, do prazer, do álcool, juntamente com todas as formas de violência”. “Os jovens não temem o sacrifício, mas, sim, uma vida sem sentido”, assegurou. Riqueza da fé O discurso papal iniciou-se com uma alusão aos cinco séculos de Cristianismo na América Latina e à forma como a fé se inculturou, dando origem a as formas de religiosidade típicas do continente. Bento XVI citou, por exemplo, Nossa Senhora de Guadalupe (representada com aparência indígena) e Nossa Senhora Aparecida (de rosto negro), bem como o Santo índio Juan Diego (México). Por outro lado, o Papa defendeu que a evangelização não significou a imposição de uma cultura estranha aos povos indígenas, apresentando a fusão de elementos nativos e europeus que caracteriza o catolicismo latino-americano como “a riqueza das diversidades”, e como prova de que as culturas pré-colombianas já continham a semente da fé em Cristo. “O anúncio de Jesus e do seu Evangelho não supõe, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estrangeira”, defendeu. O Papa criticou ainda as tentativas de resgatar a vitalidade das religiões nativas. “A utopia de voltar dar a vida às religiões pré-colombianas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas um retrocesso. Na realidade, seria uma involução para um momento histórico ancorado no passado”, disse. “A sabedoria dos povos originários levou-os felizmente a formar uma síntese entre suas culturas e a fé cristã que os missionários lhes ofereciam. Dali nasceu a rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americanos”, prosseguiu. Discípulos e missionários A reunião magna do episcopado latino-americano prolonga-se até 31 de Maio, subordinada ao tema “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n’Ele os nossos povos tenham vida”. “Esta V Conferência Geral celebra-se em continuidade com as outras quatro que a precederam no Rio de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. Com o mesmo espírito que as animou, os Pastores querem dar agora um novo impulso à evangelização, a fim de que estes povos continuem crescendo e amadurecendo em sua fé, para ser luz do mundo e testemunhas de Jesus Cristo com a própria vida”, referiu o Papa. Na catequese, assinalou, é necessário utilizar “a imprensa, rádio e televisão, sites da Internet, fóruns e tantos outros sistemas para comunicar eficazmente a mensagem de Cristo a um grande número de pessoas”. A lista completa de participantes inclui 266 pessoas, divididas entre 162 membros, 81 convidados, 8 observadores e 15 especialistas. Além dos três presidentes e dois secretários da V Conferência, figuram como membros 14 Cardeais latino-americanos, a Presidência do Conselho Episcopal da América Latina (CELAM) e da Comissão Pontifícia para a América Latina (CAL), os presidentes das Conferências Episcopais da região, os 93 delegados escolhidos por cada Episcopado, 15 membros nomeados pelo Papa, o Secretário-geral do Sínodo dos Bispos, três Núncios Apostólicos, representantes de Conselhos de Conferências Episcopais e oito bispos de outras Conferências Episcopais. No total, 20 Cardeais e mais de 160 Bispos. Entre os convidados, figuram 24 sacerdotes diocesanos, quatro diáconos permanentes, 16 religiosos e religiosas, 15 leigos, cinco superiores maiores, três membros da Confederação Latino-americana de Religiosos (CLAR) e uma representante da Confederação de Institutos Seculares na América Latina (CISAL). Bento XVI convidou ainda representantes de cinco movimentos eclesiais que têm importância na América Latina: o Caminho Neocatecumenal, Shalom, Comunhão e Libertação, Schöenstatt e o Sodalício de Vida Cristã, além de representantes de organismos de solidariedade, oito observadores e 15 especialistas. Nesta Conferência, pela primeira vez, os representantes dos Bispos dos EUA, do Canadá, de Espanha e de Portugal são membros efectivos, com direito a voto. D. Jorge Ortiga, que estará presente como presidente da CEP, assinalou à Agência ECCLESIA que os trabalhos irão contar com a participação dos bispos de uma “maneira co-responsável”. Não esquecendo que a América Latina “nasceu a partir de Portugal e Espanha”, o Arcebispo de Braga considera que este encontro será uma certo “uma experiência muito rica”.

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