Bento XVI em África, rumo ao Sínodo

De 17 a 23 deste mês o Papa Bento XVI esteve em África, concretamente na República dos Camarões e em Angola, na que foi a sua primeira visita a Igrejas particulares deste continente. Este Papa que compreensivelmente, pelo peso dos seus anos e pelo seu carácter, não gosta de viagens acabou por se decidir a pisar solo africano. A razão imediata foi apresentar aos bispos africanos o documento de trabalho do próximo sínodo africano, que decorrerá em Roma de 4 a 25 de Outubro próximo, com o tema “A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz – Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo (Mateus 5, 13-14)”. Com a sua presença em África no começo da fase de imediata preparação para o sínodo e de debate sobre o documento de trabalho (Instrumentum laboris, na gíria eclesiástica), Bento XVI pretendeu chamar a atenção da opinião pública para o sínodo, para o processo da sua preparação e para tudo quanto os bispos africanos disserem na altura. Neste sentido, a presença do Papa em África neste momento é certamente bem-vinda e de grande importância para trazer as Igrejas e os povos africanos para as primeiras páginas da actualidade eclesial. Por si só, a presença do Papa em África não garante o êxito da preparação e da realização do sínodo, mas será certamente um grande contributo para atingir esses objectivos. Para além deste resultado, há um outro com que Bento XVI pôde contar. A sua ida a África neste momento ofereceu-lhe a oportunidade de deixar um pouco para trás os problemas que o têm afligido recentemente (recordamos a carta que há dias escreveu aos bispos católicos sobre as polémicas que se geraram em relação à sua decisão de levantar a excomunhão aos quatro bispos lefebvrianos). A África acabou por mostrar-se no seu melhor e oferecer a Bento XVI um banho de multidões, recebendo-o de braços abertos, ao som da música e das danças, com o forte sentido da alegria e da esperança que caracterizam as suas gentes e o seu viver. Esperança e optimismo definem o contexto em que se preparou e veio realizar esta viagem. A Igreja Católica olha com muita esperança para a África, para a vitalidade de que estão a dar mostras muitas das suas igrejas locais. As estatísticas da Igreja Católica no mundo, actualizadas recentemente, confirmam este crescimento, tanto em número de fiéis como de bispos e clero. A Igreja em África também mostra, naturalmente, algumas debilidades e sinais de implosão no seu interior. Mas neste momento, o que interessa sublinhar é este grande potencial de crescimento de que a igreja no continente africano dá provas, sobretudo em países como os Camarões e a Nigéria, Angola e o Congo, Uganda e o Quénia, só para nomear os mais evidentes. Que leitura vamos fazer do sínodo que esta visita pretende evidenciar? Em que direcção devemos explorar o seu tema central: a missão da igreja africana ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz?! Há três direcções que não poderão ser evitadas. A primeira, para dentro da própria Igreja: o sínodo terá que dar resposta às ameaças de clivagens dentro da própria Igreja, de divisões que seguem clivagens étnicas e que põem em causa a sua unidade e o seu testemunho. Em recentes situações de conflito, como no Ruanda e no Quénia, os católicos não conseguiram impedir que as clivagens étnicas invadissem a igreja. A segunda, em direcção às outras religiões e denominações cristãs, particularmente em relação às igrejas independentes do continente: as relações têm sido difíceis e conflituosas e impõe-se uma viragem pelos caminhos, nem sempre fáceis, do respeito, do diálogo e da colaboração. A terceira, em direcção à sociedade africana em geral e ao envolvimento da igreja nos processos de transformação social. É talvez o âmbito mais difícil, por um lado, mas o mais actual e aquele a que a opinião pública é mais sensível e mais espera do próximo sínodo. A persistência de conflitos e guerras étnicas, a permanência de situações de exclusão e de injustiça social (pense-se no Darfur, no nordeste da R. D. Congo, na Somália, na Eritreia, no Zimbabué…) levam muitos hoje, em África, a perguntar-se onde estão as igrejas e qual é o seu contributo para a denúncia e a superação destas situações. Nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, os líderes das igrejas locais africanas afirmaram sobretudo o seu interesse pela inculturação do Cristianismo e pela afirmação dos valores das suas culturas. Volvidos 40 anos e nos alvores do século XXI, o próximo sínodo africano dá-lhes a oportunidade de recuperarem o tempo perdido em relação ao seu empenhamento nos processos de transformação social e ao seu interesse pela doutrina social da Igreja. Neste sentido, o próximo sínodo africano constituirá um marco histórico para a Igreja africana: o fórum onde ela poderá fazer ouvir a sua voz profética em relação aos sofrimentos e às esperanças, muitas vezes desiludidas, dos africanos. Pe. Manuel Augusto L. Ferreira, mccj, Director da revista “Além-Mar”

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