José Pacheco Pereira diz que o pensamento do Papa ajuda a iluminar alguns problemas contemporâneos
Bento XVI chega a Portugal no próximo dia 11 de Maio, carregando consigo uma visão estratégica da Igreja e do mundo, muito clara, que se centra na necessidade de referências, de valores, de um pensamento forte contra a “ditadura do relativismo” a que tantas vezes se tem referido.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, Pacheco Pereira sublinha que o Papa “tem uma noção de reforço dessa identidade de combate ao relativismo e do combate a um conjunto de teorias – caso da Teologia da Libertação – que transformava o cristianismo numa espécie de progressismo político muito influenciado pelo marxismo”.
Agência ECCLESIA (AE) – Que importância pode ter a visita de Bento XVI ao nosso país?
José Pacheco Pereira (JPP) – Tem uma dupla importância: por um lado, como Papa, falará aos fiéis e mesmo aos que não são fiéis, traz uma mensagem de uma instituição que é fundamental em Portugal, a Igreja. Depois há o seu papel como um dos grandes intelectuais do século XX e início do século XXI, que mesmo enquanto Papa não deixa de permanecer como um intelectual. Teve um papel importante no Concílio Vaticano II, ainda jovem, e depois na crítica a determinadas escolas teológicas. É um homem importante na filosofia e na teologia. Isso é uma contribuição pouco conhecida, enquanto tal, em Portugal.
AE – Os últimos casos de pedofilia envolvendo clero católico irão marcar a visita a Portugal?
JPP – É natural que assim seja, por boas e más razões. Boas, no sentido em que há uma reflexão a fazer, sobretudo em relação a uma realidade que, pura e simplesmente, não podia ser desconhecida. É mau porque o fenómeno de espectacularização da vida pública vai tornar isso mais importante, eventualmente, do que outras mensagens que o Papa possa transmitir, centrando tudo no que é mais escandaloso. Agora também depende da capacidade da Igreja e da capacidade das pessoas que discutem a vinda do Papa no espaço público para perceber que há outras coisas igualmente importantes ou importantes noutro sentido.
AE – Aquando da eleição de Bento XVI, escreveu alguns textos laudatórios sobre a figura e o pensamento do actual Papa. Identifica-se com esse pensamento?
JPP – Não há uma identidade completa de pensamento. Algumas preocupações do Papa, na altura cardeal Ratzinger, são, no meu ponto de vista, relevantes para falar de alguns problemas contemporâneos. Não sou cristão. Para mim, o que é mais interessante na identidade da Igreja é aquilo que penso ser socialmente virtuoso nessa identidade. Especialmente, num país como Portugal cuja soberania, independência e identidade está ligada à Igreja. Bento XVI tem uma noção de reforço dessa identidade de combate ao relativismo e do combate a um conjunto de teorias – caso da Teologia da Libertação – que transformava o cristianismo numa espécie de progressismo político muito influenciado pelo marxismo. Estes aspectos da reflexão do Papa são interessantes.
AE – Diálogo de filósofos?
JPP – Não. Apesar de ser formado em Filosofia nunca exercia a arte, mas tenho curiosidade por um aspecto importante do pensamento teológico que é a radicalidade da sua aproximação às coisas. É evidente que a tradição teológica alemã – que o Papa é um dos elementos – é muito importante para pensar e fazer uma reflexão que vai muito para além da Igreja. Está relacionada com os sistemas de valores, com a metafísica, e com muitos aspectos da filosofia ocidental.
AE – O pensamento de Bento XVI marcará o início do século XXI?
JPP – Não sei, mas uma coisa é certa: ele marcou o pensamento da igreja até ser eleito Papa. A encíclica Caritas in veritate é interessante porque remete para uma reflexão sobre um concílio onde ele teve um papel importante. Embora ainda fosse júnior, teve um papel na redacção de alguns documentos do II Concílio do Vaticano. O retorno ao pensamento de Paulo VI é interessante.
AE – Apesar de não ser católico, interessa-se pelas encíclicas de Bento XVI?
JPP – Faz parte da nossa cultura geral conhecer o essencial das encíclicas, pelo menos desde o fim do século XIX. É fundamental ter uma ideia sobre a história da Igreja. Fui formado num tempo onde se sabia pequenas minudências sobre o marxismo, mas não se pode conhecer a história do pensamento europeu sem a Igreja. Temos uma tradição cultural, essencialmente, francesa. Recordo que quando a Moraes Editora começou a publicar algumas obras teológicas foi, essencialmente, aos franceses e à tradição do personalismo cristão francês. O Papa tem outra tradição… Para quem gosta de filosofia é outro mundo. É outra complexidade.
AE – A sociedade portuguesa necessita de «outra» Moraes? De outro António Alçada Baptista?
JPP – Alçada Baptista é uma personalidade do seu tempo. Há, ali, um momento histórico que é o fim do marcelismo. O catolicismo progressista da altura foi fundamental para haver uma renovação política, quer em relação ao regime quer em relação ao Partido Comunista. É um período que não se repete.
OC/LFS