José Dias da Silva, vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz
A visita do Papa é sempre um acontecimento, primariamente eclesial. É uma oportunidade para a Igreja visitada se analisar e poder fazê-lo em comunhão com quem preside à unidade na caridade e tem como missão “confirmar os seus irmãos na fé”. Por isso, eu esperava que esta visita fosse sobretudo um tempo de trabalho pastoral dos responsáveis da Igreja – bispos, padres, religiosos e leigos – com o Papa para, em conjunto, procurarem soluções para os desafios que se colocam hoje à nossa Igreja. Daí a minha estranheza ao verificar que, além dos Bispos, apenas os organismos da Pastoral Social se vão encontrar com o Papa, que certamente deixará palavras marcantes para a vida e a prática de todos os participantes.
Se muitos agentes da Pastoral Social estão carenciados das palavras oportunas do Papa, muito mais o está o Povo de Deus no seu conjunto. As comunidades cristãs não se têm assumindo ainda como o agente principal, não perceberam que o serviço da caridade, em igualdade com a liturgia e a catequese, é um dos pilares que suportam a missão da Igreja. Até se poderia ir mais longe: o serviço da caridade é o pilar que dá credibilidade aos outros dois.
Isto mesmo diz o Papa: “A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus, celebração dos Sacramentos, serviço da caridade. São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros. Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência” (DCE 25).
Afirmada esta verdade fundamental, o Papa retira algumas ilações. Primeira: a comunidade deve organizar-se e não ser uma manta de retalhos onde meia dúzia de pessoas ou grupos, muitas vezes sem articulação, se esgotam em energia e ineficácia pastoral: “A Igreja, enquanto comunidade, deve praticar o amor. Consequência disto é que o amor tem necessidade também de organização enquanto pressuposto para um serviço comunitário ordenado” (DCE 20). Em segundo lugar, alerta para o risco de converter a vivência do amor num mero exercício assistencial, que sossega as consciências e camufla a realidade e as suas causas mais profundas: “É muito importante que a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma” (DCE 31).
Mas não é nada fácil, dados os nossos hábitos multisseculares, fazer esta conversão. Por isso, o Papa faz propostas e sugestões que, levadas a sério, rasgarão os horizontes do serviço da caridade. É evidente que há uma primeira forma de actuar: a rápida ajuda a quem está em extrema dificuldade. Não de qualquer maneira: “segundo o modelo oferecido pela parábola do bom Samaritano, a caridade cristã é, em primeiro lugar, simplesmente a resposta àquilo que, numa determinada situação, constitui a necessidade imediata: os famintos devem ser saciados, os nus vestidos, os doentes tratados para se curarem, os presos visitados”.
Este cuidado do outro está ao alcance de qualquer um. No entanto há, hoje, novas formas de pobreza, de carências, de exclusões que exigem competências adequadas. Não basta, pois, o voluntarismo. É preciso saber o que deve ser feito em cada situação concreta.
Mas mesmo o saber técnico, dado pela inteligência, precisa de ser informado pela sabedoria, ditada pelo coração: “A competência profissional é uma primeira e fundamental necessidade, mas por si só não basta. É que se trata de seres humanos e estes necessitam sempre de algo mais que um tratamento apenas tecnicamente correcto: têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração. Todos os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se pelo facto de que não se limitam a executar habilidosamente a acção conveniente naquele momento, mas de que se dedicam ao outro com as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humanidade. Por isso, para tais agentes, além da preparação profissional, requer-se também e sobretudo a «formação do coração»” (DCE 31).
José Dias da Silva, vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz