Bento XVI: do temor ao amor!

Os dias que precederam a morte de João Paulo II não faziam prever a dimensão do sentimento do mundo católico e fiéis doutras religiões pelo passamento do papa Wojtyla. A mole humana de afluência a Roma para a despedida do papa ultrapassou de longe tradições e hábitos que doutras situações similares houvesse memória. O mundo que assistiu ou acompanhou pelos meios da comunicação social percepcionou que o mundo da fé, vivida intensamente por um homem agora defunto, tinha tido reflexos positivos nas inúmeras causas que inquietavam e inquietam a humanidade. Ninguém, como João Paulo II, tinha ido tão longe na denúncia de distor-ções sociais, injustiças e outros atropelos cometidos contra a dignidade da pessoa humana. Fé, humanismo e compaixão foram vividos por João Paulo II até ao último momento: com essas três paixões entrava na casa do Pai. Naqueles dias de luto e tumulação o mundo se despedia dum ícone luminoso que soubera entrelaçar as causas de Deus com as legítimas pulsações da humanidade. A Igreja, no seguimento dum ordena-mento próprio, deu-se a uma cuidadosa preparação para a eleição do sucessor. Reuniões de cardeais, em ambiente de reflexão, oração e discernimento prepararam o acto formal da eleição em conclave. E já no segundo dia, após quatro votações (escrutínios) o colégio dos cardeais dava a sua confiança ao cardeal Joseph Ratzinger, elegendo-o como sucessor de João Paulo II. O fumo branco e o aparecimento do novo papa no balcão exterior da basílica de S. Pedro desencadearam na praça de S. Pedro e em todo o mundo expressões de júbilo; era a alegria espontânea de quem esperava o digno sucessor do inesquecível papa anterior. Após a emoção inicial, os espíritos serenaram e as memórias sobre a pessoa agora apresentada como novo papa, levaram muitos a ter sobre Bento XVI as mais variadas apreciações que se prendiam com o período da sua vida em Roma onde serviu como cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Foram tempos de muito ensaio teológico e de arrumo doutrinal inevitavelmente acompanhado e disciplinado por Roma, mormente pela referida Congregação. As primeiras aparições em público e intervenções de Bento XVI prenunciam um papado de clareza doutrinal, em verdade e caridade. Das décadas precedentes tinha-se percepcionado que da sede da congregação para a Doutrina da Fé se insistira demasiado no doutrinal em detrimento do pendor humanista e legítima caridade cristã. Existia a sensação generalizada que o mentor e autor se circunscrevia à pessoa do cardeal prefeito. Com a eleição, essa memória avivou-se e induziu muitos a prever um pontificado de cariz doutrinal. Muitos dos comentários estão a entroncar-se nesse temor. Expressões de distan-ciamento e entusiasmo menor prendem-se com uma parte do passado do cardeal J. Ratzinger, hoje Bento XVI. Subestima-se o seu percurso de intelectual, de teólogo e pastor nas universidades de Bona, Munique, Ratisbona, Tubinga, de perito no concílio Vaticano II e de pastor na sede metropolitana da cidade de Munique. É certo que as vestes papais não fragmentam necessariamente com todo o passado vivido pelo actual sucessor de S. Pedro; ajudam, sem dúvida, a nível da fé e até dentro duma apreciável abertura mental a fixarmo-nos noutras realidades que já por aí começam a aparecer. Registou-se com agrado que, nos primeiros actos solenes e atitudes informais, Bento XVI cultiva uma memória viva do papa João Paulo II; sente-o por perto e dele retoma um respeitável património de humanidade e de fé. Em ambiente de pré-conclave e já no decurso do mesmo, por tarefas que o decanato lhe atribuía, ter-se-á mostrado seguro, pres-tável, eficiente e alegre. No seu primeiro aparecimento em público, apresentou-se simples, concentrado e sorridente. A saudação de mãos abertas, e bem ao alto, caden-ciadamente unidas, prenunciavam determinação, força e convite a quantos desportivamente se quisessem agregar numa renovada caminhada de fé neste início de pontificado. Na veste branca, que mal escondia o pulôver acalentador duma Primavera instável, vimos já a simplicidade de alguém despojado de retóricas e de alguns adereços secundários. As saídas do Vaticano para a sua antiga casa, o contacto sorridente com quem ia encontrando, demonstraram já tratar-se dum papa que preza o quotidiano de qualquer pessoa humana. O olhar límpido e penetrante, o sorriso natural, a experiência de fé que não esconde são motivos mais que suficientes para que venhamos a ter pela frente um pontificado de dedicação e entrega; tudo leva a crer que o exercício do seu múnus apostólico concitará interesse, interpelará teólogos e agentes de cultura, crentes e espíritos inquietos, católicos e fiéis doutras religiões; uma torrente de muito amor se prenuncia num carinho em crescendo por quem, em actos e gestos, mediará no percurso do seu pontificado a viva e eterna compaixão de Deus pela humanidade e mundo criado que nos envolve. Pe. David Sampaio Barbosa

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