Caríssimos presbíteros, religiosos, religiosas e consagrados, amados irmãos e irmãs no Senhor:
1 – O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. O texto de Isaías que escutámos há momentos, continuava descrevendo a alegria multiplicada, o aumentado contentamento entre o povo que rejubila na presença de Deus, se alegra e exulta como quem saboreia uma grande vitória militar. Mas o motivo desta alegria exuberante é, surpreendentemente, o nascimento de um Menino, do Príncipe da Paz. Aquele povo que andava nas trevas e viu uma grande luz, foi o povo de Israel no cativeiro de Babilónia, fomos nós, queridos irmãos e irmãs, antes de conhecermos Jesus, e ainda são hoje muitos dos nossos contemporâneos que nunca viram resplandecer, em seus corações, a luz d’Aquele que é a luz do mundo, Cristo, Nosso Salvador e Senhor.
De facto, vive nas trevas quem tem olhos e não vê. Porque, como lemos nos salmos, quem adora ídolos que têm olhos e não veem, fica cego como eles. Como sabiamente escreveu Camões, transforma-se o amador na coisa amada! Não pode ver os sinais evidentes do amor de Deus na sua vida e torna-se insensível às necessidades e apelos dos irmãos quem, para deles se defender, se fecha nas trevas da solidão e da mentira. Não por acaso, os profetas anunciaram que uma das atividades típicas do Messias seria abrir os olhos aos cegos e os ouvidos aos surdos, ou seja, libertar as pessoas das idolatrias que as limitam e desfiguram. Alegremo-nos irmãos, porque a grande luz da fé em Jesus Cristo já vai iluminando as nossas vidas.
2 – É noite de Natal! Celebramos o mistério do nascimento de Jesus Cristo Nosso Senhor, em nossa natureza humana. Ele é a grande luz que resplandece nas trevas da humanidade. Ele, o Santo, assumiu a nossa carne pecadora para nos libertar do pecado! Ele assumiu esta carne mortal para nela semear a imortalidade!
Como Deus nos ama! Por nosso amor enviou-nos o Seu próprio Filho Unigénito, o Deus connosco, em tudo igual a nós, exceto no pecado, para nos dar o seu Espírito e fazer de nós Seus filhos adotivos. Hoje, a Igreja faz ressoar aos nossos ouvidos o mesmo anúncio do anjo aos pastores de Belém: Não temais! Anuncio-vos uma grande alegria, para todo o povo: nasceu hoje para vós, um Salvador, que é Cristo, Senhor! Encontrareis um menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura. Quando chegou a plenitude dos tempos, lemos na Carta aos Gálatas, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que se encontravam sob o jugo da Lei. Envolto em panos significa sujeito à Lei. E está deitado numa manjedoura porque ele é o pão vivo descido do céu que dá a vida eterna a quem dele comer.
Como são claras e oportunas as breves palavras cantadas pelos anjos: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados! Verdadeiramente pode dar glória a Deus nas alturas, acima de todas as coisas, quem foi libertado por Cristo da escravidão das idolatrias. E semeia na terra a paz verdadeira quem, endereçando a Deus toda a honra e toda a glória, já desistiu de a procurar e juntar para si próprio, neste mundo. A adoração do Deus único esvazia-nos de tudo aquilo que, indevidamente, ocuparia em nosso coração, o lugar de que precisamos para acolher Cristo, o Senhor. Não havia lugar para eles na estalagem! Vem, Senhor Jesus Cristo, habitar nas grutas dos nossos corações. Nós tos oferecemos nesta noite, esvaziados de pecados e de ilusões, como propriedade tua. Dispõe deles, vem reinar neles, Senhor!
3 – Na segunda leitura desta celebração, tirada da Carta de S. Paulo a Tito, escutámos que a graça de Deus manifestada em Cristo Jesus, fonte de salvação para todos os homens, nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos e a vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade, na esperança da manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo.
Queridos irmãos e irmãs: Não estamos sós neste mundo! Acompanha-nos a graça de Cristo Nosso Senhor que, sendo verdadeiro Deus, se fez homem como qualquer de nós, para orientar a nossa vida presente para a plenitude da Vida Eterna. Renunciar à impiedade e aos desejos mundanos é fruto da nossa conversão a Jesus Cristo. Essa conversão é possível a quem já experimentou, na sua vida, a misericórdia do Senhor e se deixa ajudar pelo Espírito Santo. Cristo nasceu neste mundo para se manifestar como Deus connosco! Acolhamo-l’O em nossas vidas! Deixemo-l’O crescer em nós até que se torne adulto e possa realizar, com as nossas mãos, as suas obras de amor a Deus e ao próximo.
Com as nossas mãos, com os nossos pés, com o nosso corpo inteiro a Ti oferecido, Senhor, queremos cultivar a temperança em relação aos bens materiais, queremos viver justamente os nossos relacionamentos na Tua justiça nova do amor fraterno e, centrados na piedade para contigo e para com o nosso próximo, de ouvidos e olhos abertos, beber na fonte da alegria e caminhar como filhos na Tua presença!
4 – Nas circunstâncias concretas da Solenidade do Natal neste ano de 2019 e neste Alentejo pouco povoado, penso que será oportuna uma palavra sobre as famílias. A mentalidade errada que nos leva a identificar a felicidade com a possibilidade de obtermos maior abundância de bens materiais e maior prazer, ou seja, o viver para nós mesmos, tem fechado as famílias ao dom da vida.
Contemplemos a imagem de Jesus nascido, deitado naquela manjedoura. Nasceu, foi acolhido por Maria e por José, em circunstâncias difíceis, fora do comum. Mas não lhe faltou o amor de um pai e de uma mãe humanos. Sem filhos não haverá futuro. Sem filhos, a companhia que podereis ter na vossa velhice será a solidão. Penso em vós que, por diversos motivos, estais sós neste Natal. Também para vós, Cristo, o Deus connosco, nasceu. Acolhei-O com humilde confiança, e a Sua alegria, a alegria verdadeira, vos visitará.
Também aos estrangeiros que, em grupos tão numerosos, vêm trabalhar no Alentejo, o presépio de Belém nos convida a acolhê-los com amor. Sei que se estão a envidar esforços para lhes proporcionar condições condignas de habitação, mas sei também que, neste momento, tal não será possível. É preciso tempo. Que, ao menos, não lhes faltem as manifestações de bondade e de cooperação deste povo português que teve e tem pátria para nascer e morrer, e o mundo todo para habitar e trabalhar.
5 – Nesta sagrada noite de Natal, festejemos, irmãs e irmãos, o Nascimento de Jesus Cristo em nós. Demos graças ao Senhor por nos amar assim, com este amor tão surpreendente! Celebremos a Eucaristia e, depois da bênção final, veneremos, com amor, a imagem de Cristo recém-nascido. A Sua graça vos acompanhe sempre e viva convosco, nas vossas famílias, como fonte da verdadeira vida!
+ J. Marcos
Sé de Beja, 2019