Autonomias no governo da Igreja em Portugal

Perspectivas de D. Jorge Ortiga para os trabalhos da Conferência Episcopal Portuguesa e respectivas Comissões Agência Ecclesia – Que razões levaram a Conferência Episcopal a rever a sua estruturação interna? D. Jorge Ortiga – É do conhecimento da maioria dos cristão que a CEP dispõe de comissões episcopais, ou seja, equipas de bispos que agregam a si outras personalidades, de harmonia com algumas especialidades ou com algumas problemáticas a que, como Igreja, deveremos procurar responder. Já há muito tempo a esta parte, perante o numero de Bispos que somos, pareceu-nos que deveríamos reduzir o numero dessas comissões episcopais, procurando agrupar os objectivos a que, no passado, as comissões episcopais procuravam responder. Se éramos 13, pareceu-nos que poderíamos agrupar os objectivos em 9 comissões. AE – Só por causa do número de Bispos ou tendo também em conta a eficácia pastoral? JO – As duas coisas. Cada comissão Episcopal tem, normalmente, um Bispo presidente, mais dois ou três vogais (o número de Bispos aqui também conta). Por outro lado, verificámos que há algumas questões que são afins. Há qualquer coisa que interliga a finalidade de algumas comissões que ajuda a uma resposta global e integral. AE – Poderemos comparar o trabalho das Comissões aos Ministérios? JO – Poderei dizer que sim. Na estruturação dessas comissões, olhamos muito para as Congregações na Santa Sé. No Vaticano existe o Papa e, depois, os diferentes assuntos são divididos para respostas imediatas que trabalham em função de diferentes objectivos. AE – As comissões têm autonomia suficiente para desenvolver um trabalho eficaz? JO – Elas têm autonomia, e gostaríamos que, a partir de agora, tivessem ainda uma autonomia maior. Até agora, as comissões episcopais reflectiam sobre determinados assuntos ou desenvolviam um conjunto de actividades de índole nacional. Quase sempre, as respostas em termos de documentos que essas comissões episcopais elaboravam, passavam pela Conferência Episcopal. Creio que, neste momento, nós temos que dar maior autonomia a essas comissões episcopais para que possam efectivamente pronunciar-se sobre determinadas questões, sabendo que há documentos que, partindo de uma comissão, passam pela Assembleia Plenária e são assumidos pelos Bispos do País, e também haverá outras questões a que uma comissão episcopal poderá responder por si. AE – Será também autonomia executiva? JO – A grande finalidade das Conferências Episcopais é intensificar o afecto colegial dos Bispos entre si, que depois pode concretizar-se também em orientações. A Conferência Episcopal, na minha opinião, tem razão de ser, produzindo ou não produzindo documentos. AE – A própria Conferência Episcopal não deveria ter mais autonomia, de acordo com a Igreja do País? JO – Ela tem autonomia. Mas a Conferência Episcopal não destrói a autonomia das dioceses, porque poderemos dizer que a plenitude da Igreja está em cada Diocese e cada Bispo… AE – Cada Bispo ligado ao Papa… JO – Cada Bispo ligado ao Papa. Depois, por razões práticas e concretas, todos reconhecemos que é fundamental que, em determinadas questões, haja uma resposta que seja uniforme. Em sociedades marcadas pela mobilidade, importa que em relação a determinações de índole disciplinar, o que acontece em determinada diocese aconteça também noutra. É por isso o Código de Direito Canónico apela, em alguns dos seus cânones, a que sejam as Conferências Episcopais a determinar. Voltando ás comissões Episcopais parece-me que em termos de doutrina, de formação, as comissões episcopais têm autonomia para determinados documentos. Mas podem também – e eu pessoalmente gostaria – que existisse uma maior intervenção e maior autonomia. Quando se trata de chegar a determinações que afectam o comportamento e a disciplina de todas as dioceses, aí temos que chegar à unidade entre nós para podermos agir em comum e num testemunho verdadeiramente colegial. AE – O número de comissões e a divisão das temáticas foi pensada tendo em conta a realidade portuguesa. Por exemplo, teve presente a importância crescente do turismo em Portugal? JO – Aconteceu precisamente que, tentando reduzir o número das comissões episcopais, pareceu-nos oportuno que tudo o que se relaciona com o fenómeno da mobilidade humana merecesse uma atenção particular: pelo acolhimento a prestar às minorias étnicas, como um fenómeno de pessoas que nos procuram para aqui encontrar o seu espaço de trabalho (e teremos que nos organizar para isso, não só para uma resposta da Igreja Católica mas também ecuménica); àqueles que nos procuram de uma maneira estável e permanente ou de passagem – como é o fenómeno do turismo que está a aumentar e aumentará muito mais. É uma área que nos merece uma consideração muito particular e é por isso que existe uma comissão que, à primeira vista, parece não ter muita importância, mas é uma característica nossa, dos tempos que passam. AE – A comunicação com o público, que importância tem? JO – Nessa área agrupamos três realidades que parecem distintas: os bens culturais, a cultura e a comunicação social. A comunicação social enquadra-se neste âmbito de olharmos para o património que temos, património em termos materiais e espirituais, olharmos e identificarmos a nossa cultura que teremos de preservar. Os meios de comunicação social estão ao serviço de preservar a nossa cultura, a sua verdadeira identidade, porventura de a promover e de a comunicar, anunciar como uma cultura que tem raízes e, em certo sentido, quase se identifica com a matriz cristã que deveríamos ser capazes de preservar. Depois, há o anúncio explícito da mensagem cristã, que hoje passa pelas comunicações sociais, quer queiramos quer não. Hoje, a Igreja tem que se envolver muito mais neste mundo da comunicação social, naquilo que tem de tradicional e num conjunto de perspectivas novas às quais não nos podemos fechar e alhear. AE – As empresas e as instituições investem fortemente na comunicação com o exterior de forma eficaz e qualificada. A Igreja Católica em Portugal segue essa linha? JO – Creio que deveremos apostar um pouco mais nisso. Talvez tenha que reconhecer, pelo que me diz respeito, que tenha que investir muito mais nesse aspecto. Todas as dioceses têm o seu departamento ou secretariado para as comunicações sociais. Talvez estejamos ainda num amadorismo e não tenhamos descoberto o caminho de uma linguagem nova para poder, através das nossas actividades multifacetadas e com muita vitalidade, comunicar com outra clarividência. Depois, o anúncio explícito a partir de cada uma das dioceses. Estou convencido que deveríamos investir muito mais seja nas dioceses, seja na Conferência Episcopal, que poderia desenvolver esta área como algo prioritário e fundamental para poder corresponder às interpelações que hoje nos são lançadas. AE – Bento XVI superou as expectativas, nos primeiros meses de pontificado? JO – Eu não estou convencido que ele tenha superado as expectativas. Direi que, quando o anúncio deste novo Papa coincidiu com este nome, houve talvez uma apreensão, por o identificar com recente missão de Ratzinguer na Igreja. Efectivamente, quem conhece o actual Papa, vê que, com um temperamento característico (e já não estou a olhar para a parte intelectual, que toda a gente reconhece), é um homem acolhedor, aberto, que quer encontrar soluções, que não se fecha, que quer chegar aos verdadeiros problemas da sociedade. AE – A situação dos divorciados sem acesso à comunhão sacramental inclui-se nesses problemas? JO – A Igreja debate-se hoje com alguns aspectos de caris disciplinar, e são variados. AE – Por exemplo? JO – Questões que os jornalistas trazem permanentemente a debate público, como o casamento dos padres, etc, e que são determinações mais ou menos de ordem disciplinar. Isso exige que a Igreja seja capaz, não digo de alterar a sua disciplina de um momento para o outro, antes que vá caminhando em termos disciplinares e, no momento oportuno, teremos aquela resposta mais conveniente e, por ventura, mais necessária e também de harmonia com a sabedoria – penso que esta é palavra exacta – que a Igreja ao longo dos tempos foi demonstrando. AE – Nos dias de início do pontificado de Bento XVI falou-se na problemática dos recasados, nomeadamente do acesso à comunhão do membro do casal não culpado. É um documento necessário? JO – Eu não sei se ele estaria a ser preparado ou não – há quem diga que estaria mesmo em cima da mesa do então Cardeal Ratzinguer! Evidentemente que um documento que procura reflectir os prós e os contras seria de extrema importância para a hora que passa. Se ele vier, e devidamente integrado na teologia e na pastoral, ele será sempre bem-vindo. AE – O diálogo da Igreja com o mundo acaba por ficar truncado em temas disciplinares? A Igreja terá a sabedoria necessária para lidar com estas questões? JO – Eu tenho uma simpatia muito grande pelos jornalistas, uma amizade com muitos e uma compreensão muito grande pela profissão e o trabalho que exercem, de extrema utilidade para a sociedade e para o mundo. Mas no que diz respeito à Igreja, que tem uma mensagem tão vasta e tão positiva, portadora de um humanismo que assumido e vivido gera felicidade para todo e qualquer ser humano, tenho pena que pelas questões que nos colocam permanentemente dê impressão que não há outros assuntos e outros problemas. Penso que o jornalista deveria confrontar a Igreja com a fidelidade ao mundo e ao Espírito. E há tantas situações em que a Igreja se tem que empenhar e comprometer – na linha da justiça, da solidariedade, da igualdade, na defesa dos mais pobres – e onde os jornalistas nos poderiam até ajudar e alertar. Por vezes está-se à espera que um Bispo diga que o “aborto, mas…” (dá para entender), quando toda a gente sabe que a Igreja defende a vida, e porque defende a vida está contra o aborto (é quase desnecessário estar a fazer determinado tipo de perguntas). AE – Se em determinadas questões disciplinares, a afirmação de que são questões não fechadas já é uma resposta… JO – São questões que nos ultrapassam. Não é por aquilo que eu penso, ou por aquilo que possa dizer uma Conferência Episcopal Portuguesa… nós estamos em comunhão com a Santa Sé, para receber e para sugerir. Em Outubro começa um sínodo, que é uma expressão da colegialidade entre os bispos, onde o Santo Padre terá algo para dizer e onde nós levamos estas preocupações, sobre as quais importa reflectir e encontrar a resposta mais adequada que pode, por ventura, não ser a mais fácil, no caminho consentâneo com a doutrina e a tradição da Igreja no respeito pela fidelidade aos princípios de Jesus Cristo. AE – como observa a crise em Portugal? JO – Penso que a principal é a crise de valores. A todos os níveis. Expressa-se numa mentalidade de uma vida fácil, que tem que ser pautada pelo comodismo. Acho que todos temos direito a uma vida digna, mas há muita coisa que é supérflua. Há situações que começam a ser alarmantes: começam a dizer-me que a região de Braga está a chegar aos 10% de taxa de desemprego. É um número que inquieta. AE – O que estará a correr mal para que a crise não se consiga resolver: olham-se mais os números do que as pessoas? JO – Talvez seja isso mesmo. Não sei até que ponto se fazem demasiados estudos e depois não se chega efectivamente ao concreto; procura-se ver onde se pode ir buscar algum dinheiro em termos de receitas, e talvez não se olhe à despesa, a conjugação da despesa com a receita, que permita o bem-estar. Depois, situar as pessoas numa corresponsabilidade que é de todos. Esta seria uma hora para alertar o nosso país que, na verdade o povo português foi sempre um povo com uma força de vontade muito grande, que venceu diversos desafios, e que actualmente é preciso também vencer este desafio e que o povo português, se quiser, é também capaz de o vencer trabalhando, pensando nos outros, cumprindo o seu dever de índole fiscal e todos os outros e com um governo que não seja capaz de agir simplesmente para cumprir um programa à espera de outras soluções. AE – Estaremos cansados da classe dirigente? JO – Pode acontecer. Aliás dá-me a impressão que estamos todos bastante alheios. Parece que esta crise diz respeito aos outros e não me diz respeito a mim. Mas ela diz respeito a cada um, e isto é que nos temos que consciencializar. Pode ser por causa das muitas promessas, umas que se cumprem outras não… Parece-me que temos políticos a mais e política a menos… Não somos capazes de nos sentar, na diversidade, mas colocando o bem comum acima do bem partidário. AE – Em tempo de crise, o que é que os portugueses podem esperar da Igreja Católica? JO – Temos que estar atentos às vítimas da crise. Não poderemos enveredar por burocracias das respostas estatais, antes estar no terreno, nas nossas paróquias, atentos particularmente à pobreza envergonhada. Depois, temos que dar o nosso contributo, pelo anúncio da Doutrina Social da Igreja e pela publicação de documentos, pela Conferência Episcopal Portuguesa, quando chegar a altura própria, com pistas, sugestões de resposta à situação em que vivemos.

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