Até para amar os outros é preciso gostar-se daquilo que se é

À conversa com… Marcelo Rebelo de Sousa VP – O país sofreu, nas últimas eleições, uma viragem incrível me inacreditável, tendo o PSD apenas vencido Leiria e Madeira, perdendo distritos que outrora eram maioritariamente sociais-democratas… Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) – Era aventável uma vitória do PS. E, desde muito cedo, em plena campanha eleitoral – isto é, a duas semanas das eleições – começou a ser possível a maioria absoluta. Os eleitores quiseram rejeitar o que estava e deram cheque maioritário ao PS, para que houvesse as melhores condições para o novo Governo enfrentar a crise. VP – No seu entender como está a ser a governação socialista, com forte peso e aumento no assento parlamentar? Notam-se já melhorias significativas? MRS – Os 2 primeiros meses foram de compasso de espera, com amplíssimo benefício da dúvida. O último mês e meio começou com o anúncio do pacote de austeridade e de reforma na segurança social (em particular na função pública). Foram positivas a formação do Governo, a preocupação de saneamento financeiro e de solvabilidade da segurança social, algumas das medidas, a firmeza no enfrentar de certas posturas excessivamente corporativas. Foram negativos o tempo de 2 meses de espera, algum excesso de dramatização do défice, o desequilíbrio do pacote (faltando um plano de redução de despesas públicas), a omissão do prometido Plano de recuperação económica, certo casuísmo de intervenções governamentais. No todo, a inevitável repercussão social do pacote financeiro, os pontos negativos elencados e a coincidência dum período de acrescida insegurança (arrastão de Carcavelos e assalto na linha de Sintra), não atingiram o Primeiro-Ministro, mas já atingiram o estado de graça do Governo e as suas apreciações sobre o PS. VP – Acha que se realmente o PSD estivesse estado mais unido internamente – e não acusando, por exemplo, o Prof. Cavaco Silva, como muitos o fizeram – teria tido hipótese de vencer, ou pelo menos, anular a maioria absoluta? MRS – Vencer, muito dificilmente. A crise económica e social, em especial o desemprego, era fortíssima e longuíssima. E os Governos em funções pagam sempre o correspondente preço. Tirar a maioria absoluta talvez, mas a campanha do PSD foi a descer, não a subir, nomeadamente sendo notório o cansaço físico do líder. VP – Diga-nos sinceramente: não ambiciona mesmo, agora ou num futuro próximo, ascender à Presidência, seja da República ou novamente do PSD? Já está mesmo decidido ou só mais para a frente é que saberemos? MRS – Para Belém, há a pessoa exacta: Aníbal Cavaco Silva. Na liderança do PSD está Luís Marques Mendes, que deve ser o próximo Primeiro-Ministro de Portugal. VP – Acha saudável e produtiva uma certa “guerrilha”, política e não só, também de âmbito geral, instalada entre Porto e Lisboa? Para quando esse fecho? MRS – Essa guerrilha é hoje mais passado do que presente. E ainda bem. Outra coisa é haver vários líderes locais ou de áreas continentais com peso, a difundirem mais e melhor a descentralização. E aí, o Grande Porto precisa de ter um líder forte e com apreço nacional. Rui Rio pode vir a sê-lo, sobretudo se for reeleito, como parece muito provável. Luís Filipe Menezes escolheu outro caminho: o de querer ter protagonismo directamente nacional, mas, apesar do sentido populista e da também óbvia reeleição, não é o Presidente da Câmara do Porto e aparece – depois do último Congresso – mais como oposição no PSD do que como a voz do Grande Porto. VP – Abordando agora o seu trabalho na TV, podemos dizer que após a saída dos comentários da TVI ficou aberto de imediato o caminho para a RTP? Houve realmente pressão sobre si? MRS – A saída da TVI e seu contexto foram claríssimos perante todos os portugueses, até porque lhes foi possível acompanhar, a par e passo, o sucedido e ouvir e entender as respectivas causas. A ida para a RTP é muito posterior. Só fui convidado, pela primeira vez, mais de um mês e meio depois. VP – Como analisa a posição e importância da Comunicação Social hoje, tanto nacional como internacional? MRS – É uma posição essencial. Infelizmente, em muitos casos, no audiovisual – que domina audiências e agências – bastante informação e ainda mais programação não informativa carece de nível, ou melhor, puxa para baixo na qualidade, em termos, às vezes, preocupantes. VP – Considera que será bastante benéfico este último contributo de João Paulo II – Carta Apostólica “O Rápido Desenvolvimento” (de 22/01/2005) – em que desafia a Igreja a apostar nos Media? MRS – João Paulo II, um homem e pastor dos media, compreendeu, desde sempre, que essa é uma frente nuclear da actuação da Igreja e dos católicos. Infelizmente, uma frente com menos sucesso, no visual – interactivo e não interactivo – do que no áudio e no escrito. Em Portugal, como noutros países europeus. Por omissão de leigos, por erros de percurso, atrasos de intervenção ou complexidade de concepção e execução de todos, hierarquia, clero e leigos. VP – Qual a sua opinião e leitura do magistério do novo Papa da Igreja Católica, Bento XVI? MRS – Para já, o que é possível é falar do magistério anterior ao Papado. Sólido na formação e no travejamento doutrinário, firme nos posicionamentos concretos, preocupado em seguir a linha do Vaticano II numa linha sem concessões, aberturas ou compromissos tidos por inaceitáveis. Para o futuro, é de esperar, porventura, o mesmo, mais a sequência do apostolado de João Paulo II sobre a vida, a família, o trabalho, os problemas sociais, a globalização, a paz, o encontro inter-religioso. E com outro estilo: menos afectivo, mediático e popular, mais racional, contido e teorizador. Mais Paulo VI. Mas o futuro a Deus pertence. VP – Consegue ver também como qualidade aquilo que considera ser um defeito seu: antever as coisas? MRS – Ver tudo cedo demais é, em política, um defeito. Passa a ser julgado como causador do que possa vir a suceder. Noutros domínios, pode ser uma qualidade. Por exemplo, na ciência ou no ensino. VP – Gostaria de ter sido médico… por que não desbravou por esse rumo? MRS – Porque o apelo de ser jurista, vingando o sonho de meu Pai, proibido pelo seu padrasto, foi mais forte. Tal como a influência de diversos professores de Direito, grandes amigos de meus Pais: Marcello Caetano, Paulo Cunha, Galvão Telles. VP – A forma que Jesus nos deixou para vivermos as “Bem-Aventuranças” é clara e objectiva, no entanto, segundo a realidade, é difícil e utópica aos olhos dos homens. Qual será a forma prática e ainda mais concreta que utilizaria, através delas, para melhorar o mundo e minorar o mal? MRS – Cada qual, todos os dias, ter um gesto (nos Escuteiros diz-se uma Boa Acção) que melhore um pouco, ou torne um pouco menos pesada, a vida dos outros. Pode ser uma palavra, uma atenção, uns minutos a ouvir, um conselho, e pode começar por aqueles com quem convivemos quotidianamente, tantas vezes já só de forma mecânica, rotineira. Assim se começa a perceber o que é a alegria de dar, antes mesmo dos gestos grandiloquentes ou das visões macro das Bem-Aventuranças. Depois, cada qual, de acordo com a sua vocação, poderia e deveria conjugar micro e macro, na realização das Bem-Aventuranças. Por exemplo, a minha vocação é a de professor. Uma boa aula, um ajudar alunos no seu percurso pessoal ou escolar, um ligar o ensino a uma iniciativa social são formas de conjugar micro e macro, naquele caminho. Como o são a disponibilidade para o voluntariado social, ou até para percorrer paróquias, clubes de serviço, instituições locais, para partilhar debates, reflexões, projectos. O essencial é cada qual descobrir os seus talentos, no sentido bíblico, e estar disposto a não os enterrar ou guardar só para si, antes os usando ao serviço dos outros. VP – Como suspender e substituir a exagerada e crónica falta de auto-estima nacional? MRS – Começando, desde a infância, a valorizar o bom que há em nós e nos outros que nos rodeiam. Até para amar os outros é preciso gostar-se daquilo que se é. TRÍMERO TEMÁTICO VP – Irmã Lúcia: símbolo nacional vs. memória viva de fé… MRS – Testemunha que conhecemos viva dum momento importante de fé para os católicos. E, em especial, para os católicos portugueses. E, nessa medida, símbolo daquilo que um católico gostaria de poder partilhar: uma aparição de Maria, Mãe de Jesus e medianeira particularmente qualificada entre a Humanidade e a Divindade. VP – Congresso Internacional para a Nova Evangelização – Lisboa 2005… MRS – Pode e deve ser um sobressalto criativo e mobilizador para toda a sociedade portuguesa, e sobretudo esse Portugal peculiar que é a Grande Lisboa, tão diferente do outro, que abarca o resto do País. Um Portugal que domina media, eleições, cultura cívica oficial e oficioso e que é marcado pelas desigualdades, os desenraizamentos, os secularismos e os laicismos extremos, anticlericais, às vezes anti-religiosos e até amorais. Tem de ser um abanão superior ao do Grande Encontro da Juventude dos anos 60. Infelizmente, estamos em Julho e já deveria ser visível o início da onda, nos media e na juventude. Se não chegar a uns e a outra, se ficar nas igrejas e nas sacristias, será um momento de encontro dos que já lá estão, mas pouco mais… VP – Ano da Eucaristia: que melhor(es) vivência(s) eucarística(s)?… MRS – Perceber a centralidade da Eucaristia, comunhão entre crentes de todos os tempos, ponte entre Deus e a Humanidade, alimento constante para a nossa Fé. Perceber que, sem ela, o ser-se cristão fica imperfeito. E que ela é, a um tempo, ligação a Deus e exigência de partilha comunitária com os outros, ou seja, desígnio da missão. ASPECTOS DE ELEIÇÃO VP – Uma passagem bíblica… MRS – Para não serem as Bem-Aventuranças, a parábola dos talentos. VP – Um político… MRS – Winston Churchill. VP – Uma medida política… MRS – Cuidar do Português no básico e no secundário. Tanto ou mais do que o Inglês. Quem não sabe pensar bem na sua língua, não pode saber pensar bem em nenhuma língua estrangeira. VP – Um anti-stress… MRS – Ler ou nadar. Só céu e mar. André Rubim Rangel

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top