As viagens nos tempos de São Paulo

Numa recente viagem pela Turquia, a antiga Anatólia ou Ásia Menor, convidado pelo assistente de um grupo de leigos do Patriarcado de Lisboa que estudava «Os passos de São Paulo», fui interrogado sobre as dificuldades que o apóstolo dos gentios teria encontrado devido às grandes distâncias que percorreu nas suas três viagens apostólicas. Impressiona, de facto, a grandeza de alma deste grande convertido que não limitou as suas viagens apostólicas aos portos marítimos ou a uma cidade, como outros apóstolos, mas se serviu de todos os meios de comunicação para anunciar o evangelho, percorrendo o interior da Anatólia e da Grécia até chegar a Roma onde foi decapitado e sepultado na actual basílica romana que conserva o seu nome. 2 – Na carta aos Gálatas (11, 23) para defender a integridade da fé e defender-se dos que o atacavam, Paulo narra os sofrimentos que passou pelo Evangelho. «São ministros de Cristo? Falo como louco: eu sou-o muito mais. Muito mais pelas fadigas; muito mais pelas prisões; infinitamente mais pelos açoites; frequentemente em perigo de morte; dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um; fui flagelado três vezes, uma vez fui apedrejado; três vezes naufraguei; passei um dia e uma noite no alto mar. Fiz muitas viagens. Sofri perigos nos rios, perigos por parte dos ladrões, perigos por parte dos meus irmãos de raça, perigos por parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmãos. Mais ainda: morto de cansaço, muitas noites sem dormir, fome e sede, muitos jejuns, com frio e sem agasalho. Isto para não contar o resto: a minha preocupação quotidiana, a atenção que tenho por todas as Igrejas». A citação é longa, mas é o retrato da alma de um grande convertido, para o qual só conta Cristo que o levou a exclamar: «Ai de mim se não evangelizar» (1 cor, 9,16), «para mim viver é Cristo» (Gal. 2, 20). 3 – Paulo, serviu-se, para as suas viagens, de todos os meios de comunicação comuns no começo do cristianismo, tanto por mar como por terra. No mundo antigo as pessoas deslocavam-se pouco. As viagens eram sempre arriscadas, difíceis e perigosas e exigiam óptima saúde, meios económicos e uma situação política favorável. Poucos eram os privilegiados que podiam deslocar-se, viajavam os guerreiros, os comerciantes, os missionários, os peregrinos em direcção aos santuários e os migrantes, à procura de uma terra longínqua que lhe desse trabalho e alimento. A rede estradal romana da Itália e das suas províncias é uma das glórias da civilização. Elas foram o suporte da romanização e atingiram não só a bacia do Mediterrâneo como o continente europeu, asiático e norte de África. Foram construções sólidas, feitas para durar, marcaram a paisagem geográfica das possessões romanas, de tal forma que algumas das nossas estradas seguem o seu trajecto de cerca de dois mil anos. Não é em vão o ditado «todas as estradas vão dar a Roma» porque em Roma tinham a sua origem. Os meios de transporte mais frequentes eram as bigas ou quadrigas puxados por cavalos que, geralmente, eram carros de guerra. Também eram muito usados os burros e as mulas, principalmente nas aldeias e campos. Para chegar a terras longínquas, «os húmidos caminhos do mar», segundo a expressão de Homero, usavam-se os barcos, nunca em alto mar, mas sem perder de vista a costa terrestre. No Mediterrâneo, nas zonas povoadas de ilhas, não era difícil navegar, pois a presença da terra firme dava aos marinheiros a sensação de segurança. As viagens de mar aconteciam na primavera, verão e outono, de Novembro a Abril era muito arriscado navegar no mar, como aconteceu na terceira viagem de São Paulo com o naufrágio em Malta (A. Ap. cf. 27, 28 e ss). Todos os géneros de viagens estavam sujeitos a perigos, corsários no mar e bandidos em terra. Por mar, com bom tempo, chegaram a percorrer 70 quilómetros por dia e, com ventos favoráveis ainda mais. São Paulo fez o percurso de Reggio a Pazzuoli em pouco mais de um dia. A navegação nos rios era mais lenta. Para a distribuição do correio imperial, o imperador Augusto organizou um serviço regular (cursus publicus) que, por vezes, os particulares podiam usar recebendo um diploma para seu uso. Os escritores latinos informam que se colocavam estafetas ao longo das estradas romanas, com estações postais, onde os viajantes substituíam os cavalos por outros folgados. A velocidade média do correio romano era de 80 quilómetros por dia. Uma magnífica estrada atravessava toda a Ásia Menor, desde Constantinopola até Antioquia no Orontes e continuava na Síria. Por estas estradas passavam as legiões romanas, os exércitos persas e os de Alexandre Magno e também São Paulo com os seus companheiros. Parece que Paulo não era bom marinheiro. Quando os seus companheiros embarcaram num navio para Assos, Paulo «havia determinado, que iria por terra» (A. Ap. 20, 13), mas depois teve de tomar uma nave para Mitilene. Geralmente o transporte por terra era mais veloz, tanto mais que dentro do império romano não havia fronteiras. As distâncias, como ainda hoje, eram marcadas nas «pedras miliares» que indicavam as distâncias entre as localidades mais importantes. Em cada 10 a 15 quilómetros havia uma «statio» espécie de motel, onde se mudavam os cavalos e se repousava. Para os concílios dos primeiros séculos, decretados pelos imperadores cristãos, foi concedida uma «tessera» ou permissão gratuita, aos 314 bispos quando deviam deslocar-se aos Concílios. Era permitido a cada bispo levar consigo três acompanhantes. Para as comunidades cristãs era muito importante o correio, pois constituía o meio mais frequente para manter vivos os contactos. São Paulo na carta aos Colossenses escreve: «depois de lerdes esta carta, fazei que seja lida também na Igreja de Laodiceia. E vós, lede a de Laodiceia Por fim, dizei a Arquipo: «procura realizar bem o ministério que recebeste do Senhor» (Col. 4, 16-17). As cartas eram conhecidas não apenas pelo destinatário mas por muitos leitores imprevistos, por vezes, já todos falavam do assunto da carta antes de chegar às mãos do destinatário! Como é estranho e fascinante este São Paulo! Fogoso e de temperamento explosivo, a graça acentuou este vigor, mas tudo foi colocado ao serviço de Jesus Cristo. Sem temer o sofrimento nem a fadiga, ele cruzou todo o universo do Mediterrâneo, por terra e por mar, para ganhar todos para o seu Mestre e Senhor Jesus Cristo. Funchal, 16 de Setembro de 2007 †Teodoro de Faria, Bispo Emérito do Funchal

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