José Santos Cabral, Dioese de Coimbra
Num texto publicado em 1967 Hannah Arendt procura compreender a relação entre a verdade e a política concluindo que a mesma teve sempre laivos conflituais que se potenciaram com o surgimento dos regimes totalitários. Assumindo tal pressuposto, suscita a citada Autora a distinção entre a mentira política tradicional e a mentira organizada totalitária. A primeira consubstancia-se somente na ocultação de determinados elementos sendo utilizada como meio de manutenção política, dirigida aos inimigos. Por seu turno, a mentira organizada não somente nega, mas também visa destruir aquilo que nega e nesse propósito acaba por construir uma nova realidade. Num meio caminho situa-se a meia verdade desenvolvida por forma a manipular vontades e consciências.
Em qualquer um dos casos a comunicação social assume hoje um papel fundamental e a transmissão da mensagem politica de uma forma objectiva corresponde a um imperativo ético.
É assim que, no ambiente politico dos dias que correm, se sucedem debates, sondagens, e entrevistas num corrupio em que, muitas vezes, a mensagem que se pretende transmitir não é mais que um intercambio anódino de palavras num perpétuo jogo de “sombras chinesas”. Arremessam-se interpelações sem sentido, gastando o tempo, e escamoteia-se aquilo que são os verdadeiros problemas do país.
Na verdade, quem pretenda empreender uma campanha eleitoral digna desse nome, e contribuir para a construção da democracia, não pode deixar de dizer ao que vem em áreas fundamentais nas quais se joga o nosso futuro colectivo. A título de exemplo permitimo-nos elencar três temas distintos que carecem de resposta e, por alguma forma, afastados do discurso de campanha.
Assim e em primeiro lugar, aponta-se o défice demográfico: – Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa, e até do Mundo, existindo 182 idosos por cada 100 jovens.
O número de crianças e jovens diminuiu para metade em 50 anos e agora reduz-se a 12,8 % da população e ao número de 1,3 milhões. Em 2080 esse número será de 1 milhão.
Com génese na redução da taxa de natalidade, na diminuição da taxa de mortalidade e no aumento da longevidade configura-se uma sociedade com contornos distintos o que, inevitavelmente, se irá repercutir no futuro dos nossos descendentes. Acresce a circunstância de 30% dos jovens entre os 15 e os 39 anos emigrarem e de 25% dos filhos de portugueses nascerem no estrangeiro. Em 2050, o Índice de Envelhecimento ascenderá a 243 idosos por cada 100 jovens, e a proporção de pessoas idosas no total da população será de 32%. A estrutura da Segurança Social será, então, insustentável.
A alteração de tal estado de coisas passa por duas vias: – politicas de apoio à família e protecção da natalidade, cujos efeitos só surgem a médio e longo prazo, e a via migratória.
Com a imigração confrontamo-nos com uma outra perplexidade que é o facto de inexistir uma visão estratégica em termos de politica de imigração que vise promover Portugal como destino de trabalho e a captação e retenção de talentos. No nosso país a imigração encontra-se totalmente desregulada e à ausência de estratégia junta-se agora a situação caótica provocada pela inusitada extinção do SEF e inoperacionalidade da sua sucessora-AIMA.
O número de imigrantes apontado para a opinião publica nem sequer coincide e se, para uns, os imigrantes correspondem já a 1 milhão e a 10% da população, já para outros tal número será de 800.00.
A debilidade institucional, e a ausência de uma agência vocacionada para este objectivo, explicam que a taxa de desemprego da população estrangeiro seja mais do dobro da média nacional e que 31% da população estrangeira esteja em situação de pobreza ou exclusão social. Todavia, os mesmos imigrantes representam já 44% do trabalho não qualificado na agricultura, produção animal e pesca e 693.390 são beneficiários activos da Segurança (contribuindo com 15%)
Por último, mas não em último, surge o risco de pobreza que afecta 1,78 milhões de portugueses (17% da população) e que não será possível de ultrapassar sem o país produzir mais riqueza. Nesta área, tão marginalizada, salienta-se a circunstância de se potenciar uma transmissão intergeracional da pobreza em que os filhos de pobres tendem a perpetuar a pobreza dos pais Aqui a necessidade de proporcionar a estes jovens, nascidos em ambientes desfavorecidos, a possibilidade de ter uma educação de qualidade.
Neste tempo de eleições os nossos votos vão no sentido de que os candidatos que se apresentam a sufrágio não esqueçam o principio de que “Um político pensa na próxima eleição; um estadista, na próxima geração”.
José Santos Cabral
Presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra