Apresentação da obra «Jesus de Nazaré – Parte II» pelo Bispo de Viseu

Do Domingo de Ramos à Ressurreição

1.     Introdução

Terminamos, hoje e aqui, a IV Semana Bíblica da nossa Diocese de Viseu que reflectiu sobre o tema “A Aliança na Bíblia”. Para este dia e para mim, estava confiado o tema: “A Aliança na Bíblia é fonte de comunhão e força na missão”, importante para o nosso Sínodo Diocesano. A apresentação da II Parte da Obra do Papa sobre Jesus de Nazaré, precisamente reflectindo a Pessoa e a Missão de Jesus, desde o Domingo de Ramos até à Ressurreição, enquadra-se perfeitamente, nesta semana. Jesus de Nazaré é a celebração da Aliança prometida e, enquanto Nova Aliança, é a fonte da comunhão a celebrar a relação de Deus com os homens e dos homens com Deus. Jesus é, também, a indispensável força na e para a missão que a Igreja é chamada a realizar.

A Obra do Papa sobre Jesus de Nazaré da qual temos, agora, a II Parte, é, como alguém diz, uma Obra do coração, sem deixar de ser da razão e da verdade. Aliás, o amor à verdade leva o Papa a não passar além de nenhuma situação difícil ou polémica da vida e mensagem de Jesus, ou de alguma posição que possa questionar atitudes da Igreja perante a verdade do Evangelho. Ao contrário – e numa radical relação com a verdade – o Papa vai até ao fim na sua descoberta, tal como acontece na vida e na mensagem do próprio Jesus.

São elementos para valorizar este livro e para o tornar já um best-seller. Acontece pela relação que determinadas pessoas conseguem ter com valores fundamentais e tradicionais, ainda que, por vezes, sejam, na actualidade, contra-corrente. Essa relação é tão forte e tão luminosa que evidencia uma clara radicalidade que atrai, cativa e seduz, não deixando ninguém indiferente, independentemente do lado em que alguém se coloque. São exemplos desta radicalidade – para citar só 3 casos – João Paulo II na sua radicalidade pela doutrina, sempre que estavam em jogo causas das pessoas; Bento XVI na sua radicalidade pela reflexão sobre a verdade; mais que todos, Jesus Cristo, na radicalidade do Seu Amor às pessoas, sejam quais forem as causas.

É, portanto, este livro – Jesus de Nazaré II Parte “da entrada em Jerusalém até à Ressurreição” – um livro do coração do Papa, um testamento do Papa onde ele deixa bem claro o amor que atravessa a sua vida – de cristão, de teólogo e de sucessor de Pedro. Por isso, o Papa quis assinar como Autor nas 2 versões: Joseph Ratzinger e Bento XVI.

As 2 partes publicadas e à espera da 3ª que terá como centro a infância de Jesus, constituem a revelação teológico-pastoral de uma experiência de Fé de Bento XVI, a mostrar-nos o essencial do cristianismo: um encontro vivo com Jesus Cristo, compreendido no contexto das Escrituras e que, ressuscitado, está presente na Sua Igreja.

Gosto muito deste Jesus que o Papa nos apresenta, como o Jesus que ele conhece, que ele ama, que ele segue e que ele revela na sua missão de 1º responsável pela realização da Aliança com Deus e da comunhão com a Igreja. Esta 2ª parte da Obra, que agora nos é dado conhecer, cativou-me profundamente. Sem entrar na profundidade de uma análise científica, faço uma leitura pastoral deste livro, chamando a atenção para a metodologia do Papa. Segue o método da hermenêutica histórica, nunca prescindindo da hermenêutica da fé, realizando o que eu considero ser um estudo muito sério e muito feliz, aproximando-se com a alegria e a ousadia de um discípulo, do Jesus real – o Jesus da história e da fé – lido e interpretado nas Escrituras. Em sintonia com as mesmas Escrituras, o Papa apresenta-nos o Jesus que cumpre, na plenitude do Acontecimento anunciado e na plenitude da perfeição, grandeza e beleza divinas, o plano de Deus Pai.

A forma como me cativou o Jesus deste livro – que é o da Bíblia, o enviado do Pai, o dos Evangelhos – espero que vos cative, também, a cada um de vós. Desejo tanto isto que faço uma sugestão: sendo o cristianismo, essencialmente, uma experiência viva e feliz, de um encontro com Jesus que entusiasma, anima e orienta a vida inteira; sendo este um encontro a fazer pessoal e comunitariamente, em Igreja; e mais: sabendo que só com esta experiência se pode ser “parte” e fazer parte da Igreja, assumindo-nos realizadores da sua missão recebida de Jesus; estando nós em Sínodo para reencontrarmos a Igreja de Jesus Cristo que entusiasme e mobilize as pessoas do nosso tempo; e sendo, também, o período deste livro o que nos vai ocupar no estudo da Lumen Gentium – Tempo da Quaresma e Tempo Pascal – todos ganharíamos se esta Obra fizesse parte da preparação do nosso Sínodo.

2.     Conteúdo do livro

Seguindo-se à 1ª parte da Obra que vai do Baptismo à Semana Santa, Bento XVI escreve, agora, sobre Jesus nos acontecimentos da Semana Santa, desde a Entrada em Jerusalém – em Domingo de Ramos – até à Ressurreição e Ascensão. É o centro da Aliança bíblica e o centro da missão de Jesus e da missão confiada à Igreja. Por tudo isto, a sua leitura é a mais apropriada para este Tempo central do Ano Litúrgico que abarca a Quaresma e o Tempo Pascal. O livro descreve-nos a Páscoa, a “hora” de Jesus, anunciada como o momento decisivo da realização da Sua obra e da vontade do Pai. Na Páscoa e na “hora” de Jesus, temos, nós também, a nossa Páscoa e é da Páscoa de Jesus que nasce a Igreja, como é nela que ela tem a sua missão.

Por isso mesmo, esta 2ª parte de Jesus de Nazaré, sendo uma obra essencialmente cristológica, não deixa de ser profundamente eclesiológica. Porém, porque nos apresenta o caminho do “homem novo”, chamado à realização plena e total, ela é autenticamente antropológica e, porque toda a acção de Jesus é obra do Espírito Santo – encarnou por acção do Espírito Santo – esta Obra é, também, indubitavelmente, pneumatológica.

Segundo as palavras do Papa, ele pretende encontrar o Jesus real, a Sua figura e a Sua mensagem, uma “cristologia a partir de baixo”. Quer fazer este encontro “de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele”. Citando Bento XVI, ele afirma no Prefácio: «procurei desenvolver um olhar sobre o Jesus dos Evangelhos e uma escuta d’Ele que pudessem tornar-se um encontro e todavia, na escuta em comunhão com os discípulos de Jesus de todos os tempos, chegar também à certeza da figura verdadeiramente histórica de Jesus». Porque sabia que esta pretensão era difícil, acrescenta o Santo Padre: «procurei manter-me fora das controvérsias possíveis sobre muitos elementos particulares e reflectir apenas sobre as palavras e as acções essenciais de Jesus» …

É nesta coerência que o livro nos apresenta o Jesus das Escrituras, nunca deixando as coisas “velhas” do Antigo Testamento e de toda a Revelação, como esquecidas ou ultrapassadas, mas tornando “novas” todas as coisas, num “Eu, porém, digo-vos” permanente… Assim, com Jesus nasce um “novo” sacrifício – a Sua própria vida, que oferece como sacrifício por todos, substituindo os sacrifícios dos animais; nasce um “novo” Templo (universal e aberto a todos). Este novo Templo é Ele próprio, pois agora adora-se Deus em espírito e em verdade. Com Ele nasce, também, um “novo” culto – o culto do Amor, na Eucaristia e na vida – e começa um “novo” povo – Igreja.

Percorrendo este livro, temos a nítida sensação de que estamos com Jesus e vamos sendo convidados a acompanhá-l’O, no Seu caminho e na Sua missão, celebrando a Sua Páscoa com a nítida sensação de que é, também, a nossa Páscoa. Este Jesus que o Papa nos descreve e nos convida a conhecer é, sem dúvida, o Jesus real e histórico, mas é, também, o Jesus da fé da Igreja.

3. Programa do livro

Depois do Prefácio, onde o Papa traça as linhas fundamentais desta II Parte, apresenta 9 capítulos:

         – Capítulo I: Entrada em Jerusalém e purificação do templo;

         – Capítulo II: O discurso escatológico de Jesus;

– Capítulo III: O lava-pés;

         – Capítulo IV: A oração sacerdotal de Jesus;

         – Capítulo V: A Última Ceia;

         – Capítulo VI: Getsémani;

         – Capítulo VII: O processo de Jesus;

         – Capítulo VIII: A crucifixão e a deposição de Jesus no sepulcro;

         – Capítulo IX: A ressurreição de Jesus da morte;

         – Perspectivas: «Subiu ao Céu, onde está sentado à direita do Pai e de novo há-de vir na sua glória».

Jesus de Nazaré surge como um testamento de fé em Igreja, do actual Papa, que é, também, um grande teólogo. Neste testamento, Bento XVI dá-nos um forte testemunho sobre o Jesus real que o Cristianismo proclama e que só se pode encontrar na Igreja. A missão desta – Sínodo – é vivê-l’O e anunciá-l’O, na certeza de que está vivo e está na Igreja. O cristianismo, como diz, também, na Verbum Domini, não pode ser visto como uma ideologia ou uma ética, mas como uma relação profunda, pessoal e comunitária, com Jesus Cristo, fomentador de vida nova.

Neste último dia da IV Semana Bíblica da nossa Diocese, este livro aparece a fazer um hino à necessidade de conhecer a Bíblia, pois é a unidade dos 2 Testamentos que nos revela Cristo e os Acontecimentos que a Bíblia narra. É nesta unidade bíblica que percebemos o amor de Jesus à Sua terra e aos seus concidadãos. Não sendo aceite como Messias, Deus não os condena, mas abre um intervalo ou um parêntesis com a celebração da Páscoa e dos acontecimentos messiânicos – à semelhança de um novo cativeiro – para ir, de novo, buscá-los, num regresso, no fim da história. Neste intervalo ou novo cativeiro do povo hebreu, acontece o «tempo dos pagãos», que é o tempo da Igreja – o nosso tempo – o tempo da realização da missão que nos foi dada por Jesus, levando a Boa Nova a todos os povos. É a explicação para o tempo que medeia entre os 2 fins: o de Jerusalém (ano 70) e o do mundo (que aparece sempre com novas datas), cada um anunciado com muitos e terríveis sinais.

Voltando ao tema desta nossa IV Semana Bíblica, a Aliança, celebrada por Deus com o Seu povo, está no centro deste livro, como prova do pleno e fiel cumprimento das promessas. Assim como, também, a Sua Ressurreição, Ascensão e última vinda cumprem a grande promessa de que estará connosco todos os dias e de que ser cristão é viver com Jesus. O Papa diz-nos que a Ascensão não é a partida de Jesus para algum lugar, mas a ida de Jesus para Deus que não ocupa espaços. É um Deus que está no nosso espaço, melhor, um Deus que nos convida para o Seu espaço. Torna, assim, espontânea e real a Sua presença junto de todos os discípulos, em todos os tempos.   

4.     Alguns “ditos” e pontos “polémicos”

Surgem, neste estudo, alguns temas que, pela mediatização, são polémicos e têm uma grande relevância:

Pecado da Igreja. O Papa fala do “traidor” como a possibilidade de a ruptura da amizade poder chegar à comunidade sacramental da Igreja, onde há e poderá haver sempre pessoas que partilham «o seu pão» e O atraiçoam. É motivo, também, para a agonia de Jesus, no dizer de Pascal.

É Jesus um “revolucionário”? Jesus nunca aparece como um zelota ou membro de algum partido político. O Seu zelo é o amor e nunca a violência. Os cristãos nunca poderão ser confundidos pela prática da violência, mas pela vivência do amor. Jesus aparece com a missão de curar quem está à margem da própria vida e da sociedade. Na purificação do Templo, é o universalismo do acolhimento que está em jogo, como Ele prova nas referências às crianças, aos simples, aos pequenos…

Sangue derramado “por todos”. Jesus veio à humanidade e está na Igreja como um “ser para”. O que se lê na palavra “muitos”, no Antigo Testamento, deve ler-se a “totalidade”, diz o Papa, justificando que, na consagração do cálice deve ser dito “derramado por vós e por todos”. Então, como entender: muitos; totalidade dos judeus; ou todos? Como com a Eucaristia foi instituída a Igreja e esta é o princípio visível do reunir-se, a Igreja tem como missão reunir todos os que estão dispersos, levando a Nova Aliança a todos.

Culpa dos judeus. Quem acusa Jesus? A aristocracia do Templo e não o povo judeu. Além deste grupo, associa-se, no contexto da amnistia pascal, a gentalha dos apoiantes de Barrabás. Mesmo em relação aos que gritaram a Sua morte, esta não é castigo para ninguém. A morte de Jesus, com o derramamento do Seu sangue, está ao serviço da cura e não do castigo. O Seu sangue não é maldição, mas força purificadora de amor.

A Ressurreição confirma e valida o cristianismo. Diz o Papa que, na sua pesquisa sobre Jesus, a ressurreição é o ponto decisivo. “Que Jesus tenha existido só no passado ou, pelo contrário, exista também no presente depende da ressurreição”. Está aqui o centro da nossa relação com Jesus Cristo. Com a ressurreição começou a leitura “nova” da Escritura. Ao mesmo tempo, a ressurreição de Jesus cria, para nós, um novo âmbito da vida – estar com Deus. Ela é um acontecimento histórico mas vai para além da história. Isto é, rompe a história e inaugura uma nova dimensão – dimensão escatológica.

Eucaristia, dia do Senhor e dia da Igreja. Da Eucaristia fazem parte a Cruz e a Ressurreição, que constituem o centro do culto cristão. Jesus ressuscitou na manhã do Domingo, tornando-se este dia o «dia do Senhor». Então, o Domingo é, mesmo, o dia do encontro com o Ressuscitado, o dia da Assembleia dos cristãos, o dia da Igreja. A força do 3º dia da morte do Senhor Jesus é tão forte que teria de dar origem a um dia novo – esse é o Domingo, o Dia do Senhor que suplantou o Sábado.

Ministério ordenado e ministério da mulher. Na Ressurreição nasce a missão da Igreja. Na sua missão, todos somos chamados a participar. O Papa fala da missão diferente dos homens e das mulheres, a partir das formas diversas como uns e outros participaram no anúncio da ressurreição. A tradição sobre a forma de profissão de fé e a tradição sob a forma de narração.

A Ressurreição como um acontecimento da história que a ultrapassa, num salto ontológico, inaugurando um âmbito novo da vida: o estar com Deus, antecipando o definitivo. Anunciar a Ressurreição e a Ascensão de Jesus é a missão da Igreja. Dar testemunho de Cristo vivo é o fundamental na Igreja e no cristão. Daí, ter sido decisivo para a escolha de Matias ser um dos que testemunhou a Ressurreição. Sem Páscoa, não há Igreja nem cristãos. Esta é a força que se transforma em simpatia e em testemunho de alegria no mundo de hoje, critério essencial para que o mundo creia.

Viseu, 18 de Março de 2011

D. Ilídio Leandro

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