Tony Neves, missionário espiritano
30 de março de 2002. Cidade de Lwena, interior de Angola. O MPLA e o que restava da UNITA, após a morte de Jonas Savimbi, assinaram o Memorando de Entendimento que garantiu o cessar fogo definitivo de uma guerra que, oficialmente começara em 1961 (colonial) e se transformara em civil no ano de 1975. Foram mais de quarenta anos a destruir um povo e uma terra. Os Bispos de Angola, em Mensagem Pastoral (15 abril 2002), pediram aos angolanos para darem as mãos, disseram que era tempo de cicatrizar feridas e resolver os problemas que a guerra agudizou. A verdade é que o fim da guerra civil, em 2002, devolveu aos angolanos a paz roubada durante várias décadas.
Papel da Igreja católica
Os senhores da guerra, já em 1992, fizeram sobre a Igreja Católica afirmações surpreendentes. Eduardo dos Santos disse que a Igreja foi ‘uma luz pacificadora’ e Jonas Savimbi afirmou que ‘a Igreja foi muito corajosa’. Ambos assumiram o capital extraordinário da Igreja junto do povo que ela defendeu, encorajou e apoiou. Mas ambos decidiram recomeçar a guerra que só terminaria dez anos depois. Em balanço, na minha tese de doutoramento, apresentei assim o papel desempenhado pela Igreja:
1. As intervenções da Igreja Católica em Angola, através das denúncias das injustiças, da proposta de valores, princípios e objetivos e do trabalho em favor da justiça e da paz, tiveram impacto no processo de pacificação do país.
2. A Igreja Católica ganhou crédito junto das populações pelas intervenções de alto risco a favor das vítimas da guerra.
3. A Igreja Católica, ao ficar nos cenários da guerra civil, mediatizou-a e não permitiu aos beligerantes uma ‘guerra à porta fechada’ onde todas as barbáries são praticadas de forma impune.
4. As ideias mais fortes da Igreja Católica, gravadas nos dez mandamentos do Congresso Pro Pace, destituíram todas as razões para se continuar a guerra civil.
Dez anos depois…
Hoje, dez anos depois, Angola tem mais progresso, mais estradas, mais infraestruturas básicas, mais saúde, mais educação, mais alimentação, mais tecnologia, mais agricultura, mais indústria, mais circulação de pessoas e bens, mais trabalho…mas (e os ‘mas’ são sempre terríveis!) há muito caminho a percorrer para que a palavra ‘democracia’ saia dos discursos e passe para a vida dos angolanos.
Os Bispos, reunidos em Luanda, publicaram, a 21 de março, uma Nota Pastoral sobre as Eleições de 2012 e um Comunicado de Imprensa com seis grandes Conclusões e Recomendações. E é aqui que aparecem os ‘mas’…: ‘os Bispos manifestaram alguma apreensão quanto à forma violenta como são realizadas e reprimidas algumas manifestações de alguns grupos de cidadãos, nas cidades de Luanda e Benguela…’. D. Francisco da Mata Mourisca e D. Filomeno Dias, em conferência de imprensa, condenaram abertamente a forma como as manifestações estão a ser reprimidas.
Outro ‘mas’ tem a ver com o facto do sinal da Rádio Ecclesia estar proibido pelo governo de se estender a todo o país. Os Bispos elogiaram a visita da Ministra da Comunicação Social às instalações da Emissora Católica, renovando a esperança de que a Ecclesia possa ser escutada por todos os angolanos.
É muito profundo o fosso entre ricos e pobres – denunciam os Bispos – , apesar dos esforços na luta contra a fome e a pobreza, através da construção de empreendimentos sociais (escolas, postos médicos…). Esta é outra área onde há muito que fazer.
Desafio das Eleições
As eleições de 2012 já fazem ferver o país e os Bispos recordam que, em democracia, os governantes têm de ser eleitos pelos cidadãos. Elas são um direito do povo, que se transforma em dever, pelo que todos devem votar.
Os Bispos lembram na Nota Pastoral que os cidadãos devem conhecer bem o programa eleitoral de cada partido e a competência dos executores de tais programas. Mais: ‘é importante que o programa dos partidos dê resposta aos graves problemas da sociedade – pobreza, aumento do fosso entre ricos e pobres, desigualdade de oportunidades, assimetrias regionais, defesa da vida e da família, recuperação dos valores éticos e espirituais’.
Tony Neves, missionário espiritano, doutorado em ciência política com tese sobre o tema ‘«Justiça e Paz» nas intervenções da Igreja Católica em Angola (1989-2002)’.