Amor é evolução. Não à interrupção

1. Pessoa, no campo do Direito, é um artifício jurídico aplicável a um ser humano com certa autonomia de vida. O termo e sua semântica vieram do Direito romano. Começando por significar a máscara (cabeça fictícia) que o actor usava nas suas representações, depressa passou a identificar-se com o próprio artista. Depois, foi recolhido pelo Direito, para significar aquele que tinha ‘cabeça’ (caput) e era capaz (capax) de gerir a sua vida e as suas coisas. A quem tivesse vida autónoma e fosse capaz de direitos e obrigações, o Direito reconhecia-lhe personalidade jurídica. Considerava-o uma pessoa. Ainda, hoje, assim acontece com os Códigos Civis e o Código de Direito Canónico. No Código Civil Português, «a personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida» e cessa com a morte (Art.s 66 e 68). No Código Civil Espanhol, a personalidade adquire-se com o nascimento, se o feto tiver figura humana e viver vinte e quatro horas separado do seio materno, e cessa pela morte (Art.s 29, 30 e 32). No Código de Direito Canónico, «Pelo baptismo o homem é incorporado na Igreja de Cristo e nela constituído pessoa (…)» (cân. 96). 2. Vem isto a propósito do que se disse na pré-campanha/campanha de esclarecimento para o referendo. Ouvimos uns a apelidar de ‘pessoa’ a vida intra-uterina e outros a negar tal personalidade. Se juridicamente tal negação está correcta, ela está muito longe de contradizer e calar aquilo que tais pessoas quiseram afirmar. Quem apelida de ‘pessoa’ a vida humana intra-uterina sabe bem o que quer dizer. Sabe o que é uma pessoa, a pessoa humana, e sabe o que evolutivamente se está a desenvolver dentro do útero de uma mulher grávida. Sabe que, desde o início, pela junção de dois gâmetas (masculino/feminino) se forma um ovo/zigoto e, numa evolução de vida humana, individualizada, única e irrepetível, se segue o embrião/feto/nascituro como ser humano. Após o nascimento, a mesma entidade biológica, agora extra-uterina e reconhecida como pessoa, vai continuar a evoluir como criança, adolescente, jovem, adulto, até à morte. A identificação que, empiricamente, se faz, de um ser humano intra-uterino com uma pessoa, se bem que, juridicamente, possa não estar correcta, ela é o reconhecimento e a afirmação de uma realidade incontroversa que queremos exaltar e salvaguardar: em todo o seu processo de gestação, esteve sempre o mesmo ser humano, geneticamente completo, com todas as características somáticas e notas individuantes que, ainda latentes, se vão evidenciando ao longo da sua história. Com um código genético próprio, é uma entidade diferenciada da própria mãe, a quem o Código Civil (Art.s 1855 e 2033) já reconhece a capacidade de receber uma perfilhação e um testamento. 3. «Aos incapazes de governar suas pessoas e bens» o Direito Civil Português considera ‘interditos’(Art.º 138), equiparando-os aos menores, a quem faltam os pais (Art.º 1928). Como pessoas humanas, uns e outros, são apoiados pela lei civil e beneficiam de um tutor. Também o ser humano intra-uterino que, nas primeiras semanas, ainda não goza do sistema nervoso central (cérebro), nem manifesta comportamentos emocionais, antes é um ser indefeso, tem, por natureza, a seu favor, um ‘tutor’, a MÃE, que gratuitamente lhe oferece o ventre, como habitação, se converte para ele numa fonte de nutrimento e, generosamente, o envolve em AMOR, o mais importante da e na vida. Este amor proporcionou a gravidez, esteve presente na sua concepção e acompanha-o (deve-o acompanhar) na sua evolução. O amor é dinâmico (Papa Bento XVI). Como tal, que o amor possessivo (eros) da mãe evolua, pela purificação, à sua perfeição, o amor oblativo (ahabà/ágape), não se buscando a si própria, como dona do corpo, mas dando-se pelo bem do amado, a vida do filho. 4. Que as instituições adequadas do Estado e da Igreja se disponibilizem, em compromisso, para uma sã educação sexual aos jovens, um eficaz apoio de aconselhamento aos casais (planeamento familiar) e um acompanhamento afectivo às grávidas, a fim de que, na hora da dificuldade, o AMOR não seja interrompido. Mons. Sebastião Pires Ferreira Vigário Geral da Diocese de Viana do Castelo

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